Office in a Small City por Edward Hopper

Plínio, o Velho

O precursor enciclopedista (e suas criaturas maravilhosas)

Plínio, o Velho

(Caio Plínio Segundo) (Como, 23 – Stabia, próximo a Nápoles, 79)

Naturalista e autor romano, caso raro em que um mesmo homem conciliou uma importante carreira militar com a erudição, alistando-se primeiro na cavalaria, sendo promovido, no decorrer da vida, a cargos mais altos e terminando como comandante de navios de guerra da frota romana – no tempo em que o comandante realmente ia à guerra. Plínio era o modelo perfeito do pesquisador compulsivo: se não estava lendo ou ouvindo alguma coisa de alguém, estava escrevendo. Em suas viagens, anotava inúmeras observações, tentando satisfazer sua incontrolável curiosidade e busca por conhecimento. Usava todo tempo livre para o estudo, tendo sido um importante compilador de textos de seus antecessores. Sua obra mais conhecida, História natural, em 37 volumes, é o mais próximo que se pode ter de uma enciclopédia na Antiguidade, tendo se tornado um modelo para trabalhos posteriores, com descrições de animais, vegetais, pedras e toda sorte de fenômenos geográficos, além de estudos sobre costumes e comportamento de outros povos, numa antecipação da Antropologia como a conhecemos. O Império Romano vivia sua fase de ouro, e a expansão sob o domínio dos césares permitiu a Plínio, como líder de diversas missões militares, conhecer lugares distantes, faunas e floras nunca vistas por seus compatriotas. O problema com seu compêndio enciclopédico, um vasto trabalho individual tentando abranger todas as áreas do conhecimento, é que Plínio, o único romano a realizar tal feito, não usava critérios científicos (como fazia Aristóteles, por exemplo) e aceitava como verdade informações passadas por viajantes das mais diversas procedências. Descrevia lobos e também lobisomens, mesmo sem alguma vez ter visto um – sendo possivelmente a primeira vez que se tenha mencionado, em um documento escrito, a figura do lobisomem, mais tarde parte integrante do folclore medieval, trazido à América por colonizadores europeus. Plínio considerava com naturalidade a existência de sereias, dragões (que ele pensava serem inimigos naturais do elefante) e inúmeros casos bizarros dos confins da Terra, como os homens sem boca, que se alimentavam do aroma das flores. Sugeriu que o avestruz (recém-descoberto pelos romanos) fosse o cruzamento de uma girafa com uma melga, assim como achava possível que o Minotauro fosse resultado do acasalamento de um touro com uma mulher. Seus escritos enumeravam uma lista de bestas lendárias, entre basiliscos, crocotas e mantícoras, que posteriormente povoariam o imaginário medieval. Era um tempo mágico e fascinante, uma era pré-Darwin, quando ainda se podia considerar a existência de certas espécies como produtos de cruzamentos improváveis, tanto quanto era possível acreditar em sereias, anjos e cavalos com asas. Ironicamente, o mérito da obra de Plínio foi justamente mesclar a realidade e a imaginação, mantendo aceso o fascínio pela exploração do mundo e dos fenômenos naturais durante os séculos seguintes, até que, logo após o Renascimento, a Revolução Científica passasse a revestir de métodos mais confiáveis os objetos de investigação em geral. Não há evidências de que Plínio tivesse a pretensão de elaborar uma enciclopédia. O fato é que ele se interessava por uma grande diversidade de assuntos e era obcecado por saber tudo. Como filósofo da natureza, considerava o elefante o animal mais próximo do homem, por agir orientado por virtudes, como a prudência, a equidade e por sentir amor ao próximo. Quanto aos seres humanos, alegava ser impossível definir a felicidade, por tratar-se de algo subjetivo e não passível de conclusões finais. Dedicou especial atenção a refletir sobre os partos, por assinalarem uma fronteira decisiva: dependendo das dificuldades envolvidas, quem existe poderia não existir ou ser diferente, portanto muito do destino humano era decidido ali, naquele momento singular. Plínio entendia que as esperanças e os medos de um além-túmulo eram ilusórios. Para ele, a alma não sobrevivia à morte, quando então se iniciaria uma não-existência equivalente (e simétrica) àquela que precedia o nascimento. Também por isso, aconselhava que se vivesse plenamente o presente, permitindo que a alma se dobrasse sobre si mesma, fruindo assim dos encantamentos do mundo natural. Segundo ele, mesmo quando os fenômenos são esclarecidos, eles não deixam de ser maravilhosos. Plínio morreu asfixiado pelos gases tóxicos do Vesúvio, que tinha acabado de soterrar as cidades de Pompeia e Herculano, do qual tentou se aproximar, movido por sua irrefreável curiosidade científica. Ele estava com sua frota em uma base naval, a alguns quilômetros dali, quando foram surpreendidos pela erupção. Ordenou que lhe preparassem um barco e uma pequena tripulação, rumou em direção a Pompeia, mas, antes disso, teve que aportar em Stabia, em razão das altas temperaturas e das nuvens de gases vulcânicos desviadas pelo vento. De lá, ele seguiu por terra enquanto os moradores do local tentavam fugir, em sentido contrário. Pouco depois, seu corpo foi encontrado por seus companheiros.

Plínio, o Velho, não se casou nem teve filhos. Plínio, o Jovem, era seu sobrinho, filho de sua irmã, que se chamava Plínia.

Em Otelo, de Shakespeare, o personagem-título encanta Desdêmona com narrativas extraídas dos textos de Plínio.

Na língua inglesa, a Vulcanologia usa o adjetivo plinian, referindo-se a erupções em série, como as que destruíram Krakatoa no século 19.

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Imagem: Leucrocota. Ilustração em um bestiário inglês do século 15.

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2 respostas para “Plínio, o Velho”

  1. Avatar de Saura

    estive aqui…
    maravilhei-me!

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