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Você, que não queria ler isto
Porém, a vida é curta para muitas outras coisas.
Conta-se que o muito curioso jovem Thomas Alva Edison procurava a biblioteca de sua cidade com o objetivo de ler cada um dos livros, começando da primeira estante a partir da entrada. Que tenha desistido logo após enfastiar-se com alguns dos primeiros volumes, era absolutamente previsível, porém ficava-lhe a lição, tão óbvia quanto fascinante, de que não se deve tentar abordar o infinito campo do conhecimento sem o recurso do método.
Quem de nós nunca experimentou uma sensação de impotência, quase de amargura, ao adentrar uma biblioteca ou grande livraria e tomar consciência da proliferação de títulos e autores ali acumulados, os textos à espera de olhos que os percorram; os autores, de inteligências que os admirem e até, quem sabe, tanto quanto os livreiros, de compradores que os troquem por um dinheirinho? A sensação de que você não passa de um inseto alfabetizado passeando por uma floresta formada em diversos países durante dezenas ou mesmo centenas de anos, como também toda a produção anual de novos frutos, flores e até excrementos, a certeza de que jamais lerá um centésimo sequer dos poetas do mundo, que dirá dos prosadores e dos médicos que preferiram enriquecer com livros sobre ginecologia e combate ao estresse, tudo isso sem contar os psicografados, como se ainda nunca fosse suficiente o número de autores vivos disputando nas prateleiras seu lugar à sombra.
A indignação nos traz à memória a desolada conclusão de Julio Cortázar, de que a vida é muito curta para tantas bibliotecas. Sim, e a vida é curta para muitas outras coisas. E o vasto arquivo de textos que tende sempre mais a se acumular nas estantes do mundo não pode nos impressionar pela quantidade. Na verdade estão todos ali, inertes, à espera de uma curiosidade que os desperte, que é sempre como funcionam as coisas. Quem sabe o que lhe falta – você se pergunta em segredo, com vergonha de que o descubram – seja justamente essa curiosidade. Talvez, num lugar assim, entre tantos livros assim, igualmente sem que outros saibam, lhe aconteça alguma coisa. Mas que não seja um acidente. Afinal, você também pode decidir algo por si mesmo. Reconheça, você já está se sentindo melhor.
Hoje muito conhecido e inclusive mitificado em seu próprio país, o escritor argentino Jorge Luis Borges era, como parte indissociável de sua personalidade, um apaixonado por livros. Entre seus contos, “O livro de areia” fala de um livro sem fim, um volume que de certa forma, sempre que consultado, tornava-se outro, com numeração de páginas aleatória, textos em diversos idiomas e ilustrações vistas uma única vez, nunca mais podendo ser encontradas. A ideia de associar o infinito ao livro (ou o livro ao infinito, o que seria melhor esperado que se dissesse) já prenunciava o antológico “A biblioteca de Babel”, em que o universo é formado por sequências infinitas de prateleiras e estantes abrigando todos os textos possíveis, sobre todos os assuntos. Os aventureiros percorriam enormes distâncias em qualquer direção em busca de um livro sagrado que resumisse todos os volumes. Havia livros comentando o absurdo que era a própria biblioteca. Havia as traduções desses livros em todas as línguas. Havia críticas aos mesmos livros e a negação delas. Borges faz um relato inspirado nessa sensação de impotência. E nos encanta.
O espanhol Camilo Jose Cela, Prêmio Nobel de Literatura, se é que isso conta no caso, declarou certa vez que a tendência de um escritor era ler cada vez menos. Ora, e por quê?, é preciso que se pergunte. Porque, segundo ele, os livros tornam-se previsíveis e deixam de nos interessar. E embora o romancista português José Saramago confessasse algo parecido (que cada vez lhe importava menos conversar sobre literatura, pois os assuntos do mundo faziam-se para ele sempre mais preocupantes), é em meio ao seu texto que encontramos repetidos provérbios, dentre os quais o de que enquanto não chegar o seu último dia de vida, tudo pode acontecer. Até interessar-se por livros.
Para o chinês Lin Yutang (era escritor, vale lembrar) não há no mundo livros que se devam ler, mas somente livros que uma pessoa deve ler em certo momento, em certo lugar, dentro de certas circunstâncias, e num certo período de sua vida. E finalmente você, que não esperava muito de seu dia nem pretendia deter-se por tão pouco, sem procurar muito, acabou lendo isto.
Leia mais sobre o tema: P. S.: Post scritptum (Pós-escrita)
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Comentários
12 respostas para “Você, que não queria ler isto”
É meu velho, esse me identifiquei de todo “coração” (ou deveria dizer mente, com nossos sentimentos, produtos de reações químicas… bem, essa parte já conhecermos, pelo menos como leigos). E pensar que quando lembramos do nosso primeiro livro, indo rumo àquela viagem deslumbrante em um mundo novo, desconhecido pela nossa imaginação, mas que ilimitada quando nosso coração treme a cada descoberta nova, inspirada pelas palavras escritas em cada obra que nos regozija momentos de prazer imensos, um alento para as mentes curiosas que querem enxergar o mundo em uma visão inteiramente nova. Quem imaginaria que ao abrir àquele pequeno e estranho objeto de quatro lados repleto de folhas dentro, cheios “grafos”, que um dia nem tinha significado para nós, mas que após aprendermos a reconhecer e interpretar aquelas estranhas marcas criadas pela mente de nossos antepassados (grande invenção), hoje podemos ter o prazer de regar nossas mentes com conhecimentos além do nossa imaginação, pois são a imaginação de nossos semelhantes que estão ou um dia passaram e nos deixaram seus legados. Olha você, fazendo seu trabalho e passando suas mensagens, não para agradar ou vender Sua Arte, mas para deixar seu legado, enquanto seus sentimentos, pensamentos e todo humano residente dentro de ti passam a se transformarem em uma combinação de letras formando palavras após chegarem a beleza de cada texto redigido por você. Imaginar que quando vejo livros meus olhos brilham em busca de novas descobertas, mesmo sabendo que não poderei ler todos, vou buscando, pouco a pouco, que autores instigariam minha mente a sempre questiona e pensar mais e mais. A inteligência deveria ser a ferramenta mais poderosa do ser humano; os livros o seu produto. Imaginar que cada ser humano é como um livro: com suas história, dramas, aventuras, erros, correções, acertos, moldados de uma personalidade ainda, na maioria dos casos, desconhecida pelas pessoas que nunca leram. Quando conhecemos alguém, vamos aos poucos lendo sua vida e descobrindo que cada pessoa é um livro de infinitas páginas, mas que possui tinta limitada para escrever sua história (a vida), para que um dia, quem sabe, alguém goste e passe a lê-la. Mas para isso, é preciso ser posto em uma linguagem acessível, que são os livros que conhecemos hoje, que nos passaram a história de muitas personalidades, inspirando e outras personalidades, criando nossas personalidades. Parabéns pelo texto, Perce.
Perce,
Pelo tira-gosto que pude apreciar no “Ateus”, eu queria ler isto.
Mas não esperava me deliciar tanto.Comecei a ler aos sete anos.
Naquele ano ganhei um dicionário para crianças. Sem saber que existiam livros que serviam para consulta e não leitura, li os três tomos achando aquilo o livro mais chato do mundo. Mas li tudo.
Aos doze anos, enquanto meus amigos viajavam nas férias, eu ia à biblioteca e lia. Das 10 da manhã às 17, quando ela fechava, lia de três a quatro livros, sem almoçar.
De mitologia grega a Marquês de Sade…Aos vinte e dois anos peguei um livro de Zen-Budismo. Nunca havia deixado um livro por ler (capa, contracapa, orelhas, biografia, bibliografia, tudo do livro fazia questão de ler, até dedicatória – que em livros americanos são desfiles intermináveis de nomes…).
Mas aquele livro me derrotou. Após trinta e seis páginas (restando ainda umas 200) de “a árvore é árvore porque se sente árvore e porque quer ser árvore” em todas as variantes possíveis quando se repete termos ad nauseam, admiti que nem todo livro merece ser lido.Hoje, leio menos do que gostaria, portanto, procuro selecionar bem o que leio.
Assim, encontrar um autor novo de que se goste é como a descoberta de um novo veio de ouro.Obrigada por esta oportunidade.
Lúcia
Isso explica (em parte) seu brilhantismo com o texto. O resto é talento seu mesmo. Não é o fato de escrever bem, é a personalidade vibrante e bem-humorada que se revela a cada palavra.
Brigadão pelo comentário, só enriquece meu blog.
“Quem de nós nunca experimentou uma sensação de impotência, quase de amargura, ao adentrar uma biblioteca ou grande livraria”
Como assíduo frequentador de livrarias, bibliotecas (afinal, sou casado com uma bibliotecária) e “sebos” que sou, este período me chamou a atenção logo de cara. Cada vez que entro em um desses lugares, minha vontade é levar todos aqueles volumes para casa e “devorá-los”.
Perce, essa sensação de impotência acho que sempre viverei com ela, espero que cada vez em menor grau, mas nunca liberto dessa eterna “incompletude”. Sempre que estou numa livraria ou biblioteca, ou até mesmo em situações mais amenas em que confiro que o material de uma palestra, de um ensaio, por exemplo, é todo inédito para mim, ás vezes saiu até meio desanimado. A leitura me veio “efetivamente” um pouco tarde. Não posso dizer que fui uma criança e um adolescente que costumava ler. Não cabe aqui falar das circunstâncias, mas basicamente depois de graduado em Letras, aos vinte e poucos anos, foi que passei a ler (de verdade?), especialmente quando comecei a escrever com pretensões literárias. Mas é isso mesmo: estou correndo atrás do prejuízo e livros há “às mãos cheias”. Separo o que me é identidade e os devoro. Obrigado pelo texto motivador. Abraços!
Caro Perê
Mais uma vez, feliz pelo texto interpretado, confesso, nada previsível conforme em dado momento revela o autor que pode vir acontecer. Sei que nao vi li quase nada, escrevi sim, um monte de burocracia, descrevi a norma, instruí e capacitei, mas não inseri nada de novo, apenas, raqtifiquei o processo de condução da tarefa. Espero poder fartar-me os olhos de leituras a ponto tal a ter o prazer de perceber o caminho do óbvio, ou como disse o autor, o caminho da previsibilidade, porém, faltam-me algumas bliliotecas para ler ainda, rsrrss mesmo que os livros iniciais não venham introduzir contexto que não me ferre o sono. Sei aprender também com os ouvidos, porém, as bibliotecas são silenciosas. A narrativa me prende a atenção pelo seu silêncio, a percepção captada pela audição é mais confusa as vezes, mesmo apesar de alguns cantos de pássaros que atravessam a leitura, contudo, disconcentram-me e a biblioteca ainda repousa silenciosa.
Escrevi nada com coisa alguma, porém alguma coisa escrevi do nada.abs do amigo Carlos
Caro escritor amigo!
Adentramos em uma biblioteca e nos salta aos olhos a quantidade de letrinhas mágicas que vão tomando conta da nossa fértil imaginação e, consequentemente, formando imagens a nossa frente, adentramos a esse universo mágico, capaz de nos atermos nesse mundo maravilhoso dos livros, escritores que almejam o reconhecimento do seu esforço e tempo compondo e esculpindo a arte das palavras assim como o amigo que acabo de apreciar, dignos do nosso aplauso, pois fazem do ofício de escrever a aventura de serem descobertos, decifrados e alcançados por mãos ansiosas e olhos ávidos da leitura, lhes dando o prazer do encontro, em meio às prateleiras um tanto esquecidas de uma biblioteca.
Li e gostei, estou entre os ‘ratos’ de bibliotecas com muito gosto e prazer.
E eu que queria tanto te ler, porque não dar-me esse prazer?
Grata por isso…
Carinhoso abraço meu amigo.
JadyLi ontem tua crônica, Perce. Já estou me familiarizando a teu estilo e maneira de escrita. Você mencionou o Borges. Não era ele que dizia num poema: “meninos eu vi!” (rsrsrs – tô brincando, era o Gonçalves Dias – Juca Pirama). Só li um livro de Borges, que muito me agradou – “Esse ofício do verso”. Deveras a imensidão da produção literária constitui um universo incircunscritível, e ao contemplá-lo se tem essa sensação de sermos reduzidos, uma vertigem que sugere um “sentimento oceânico” como o mencionado por Freud. Há infinitamente mais artigos literários do que nosso tempo de vida nos permite usufruir. Daí a necessidade de uma paradigmatologia metódica à qual você aludiu. Agora você também leu este comentário (rs). Abçs
É angustiante descobrir novos autores que ainda não lemos, pessoas ótimas que passaram pelo mundo das letras, e sequer ficamos sabendo.
Mas a vida é isto mesmo, incompletitude, e nossa luta preenchê-la.
Caro Perce Polegatto, sou um ávido leitor de enciclopédias, desde meus 14 anos quando comecei a trabalhar e pude adquirir com minhas próprias posses, a última aquisição foi uma Barsa em 2008. Estes livros enfocam os mais variados assuntos tais como, medicina, museus, entre outros, que ficam armazenados em minha mente aonde vou repassando esses conhecimentos nos meus poemas, ajudando a ampliar o acervo desta biblioteca universal com meus livros. Quero-lhe dizer que queria ler isto, e não me arrependi. Parabéns!
Caro José Carlos
Não temos obrigação de aprender nem de divulgar conhecimentos: isso é um prazer.
Eu também me perdia (ainda me perco) entre múltiplos interesses. É bom estar entre semelhantes.
Meu caro amigo-literário, refleti muito com suas palavras do texto. São profundas, meditativas-reflexivas, enriquecedoras. Parabéns pela inspiração e divulgação.
Abraço poético.
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