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Tag: livros
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Consumação mínima
Ela fez questão de mencionar a última vez que estivemos num restaurante. Um sujeito simpático, meio garçom, meio porteiro, não sei, sorria às pessoas que entravam e saíam, desejando-lhes boa noite, bom apetite, bom isto, bom aquilo. Abriu-nos a porta de vidro e um sorriso que não o impedia de nos radiografar dissimuladamente, tanto quanto…
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Meu amigo poeta-patriota
Glauco Pinheiro de Pádua, engenheiro civil, emprego público, Prefeitura Municipal. Poeta por prazer – ou necessidade? Às vezes aparece para trocar ideias, sua tal expressão, na verdade não é uma troca de ideias, ele nunca me dá ideias. De minha parte, evito anunciar-lhe as minhas – não que mereçam qualquer segredo, mas porque normalmente ele…
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Noite no jantar dançante
Outros homens me viram passar pela porta lateral do salão de festas. Sei que me observaram de seus secretos desejos quando saí para o jardim aberto. Sentei-me sobre uns degraus de ardósia entre dois gramados, de altura conveniente. Tirei da bolsa o batom, revi meu rosto no pequeno espelho, meu pequeno rosto.
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O engenheiro e os fungos
A vida não tem cura. Viver é estar doente de tempo.
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Ante seus olhos, quase um silêncio
Noite passada tornei a sonhar que a amava, e a conduzia por uns jardins impossíveis, enriquecidos de remansos, ramos inclinados e delicadas quedas d’água. Ela deita a cabeça em meu ombro, sorri com grande ternura enquanto caminhamos, o que me põe a despertar com um intenso desejo de possuí-la, como não menos o de destruir…
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Vencidos, uma questão de tempo
Se vou morrer hoje, tudo bem, eu pensava. Só o que me trazia um incômodo nervosismo era imaginar como morreria. Um só daqueles mísseis, se atingisse o apartamento, se atingisse, digamos, o centro da sala, não me daria tempo para um último suspiro. Força de expressão, claro: por que eu haveria de querer um último…
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O Arsênio da Editora Circular
Um arrepio. Conheço essa batida. Lenta, repetida três vezes, como se zombasse de quem está dentro. Outra vez. Digo, mais outras três vezes. Sim, só pode ser. “Bom dia”, diz ele quase cantando. Mas assim: grave, insinuante.
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O esquife de prata ornamentado
No trem, engrenagens da memória voltadas à notícia da morte de meu pai, eu prevendo o fastidioso velório, a encenação toda, os maneirismos próprios de tais ocasiões…
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Duas linhas, literalmente
O jornal dedicou-me duas linhas, literalmente, numa de suas colunas mais estreitas, o tópico cultural. E não que merecesse mais do que isso. Aquele era, sem dúvida, um de meus contos mais execráveis: convencional, descritivo, tinha até uma mensagem. Escrevi muitos contos ruins, e quase todos foram premiados. Por sorte, nem todos foram publicados, e…
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Brinquedos
Álbum de figurinhas com artistas e casais da tevê: por essa época, meus pais já não dormiam juntos. Banco imobiliário, enquanto oficiais de justiça chegavam para levar eletrodomésticos, objetos afins, valores penhorados.
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O fim (e seu avesso)
Muitas vezes pensamos que tudo está sob controle. Que estamos a salvo e imunes. Só então é que as coisas de fato acontecem.
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Sonho 2117. A corte vazia
Um homem está sendo julgado. A mulher bem vestida (entendo mais tarde que é a promotora de justiça) se levanta, com o dedo em sua direção, pronunciando frases intensas. O réu parece contrair-se no encosto, amedrontado. Um ambiente austero, vigas de madeira escura, divisórias envernizadas. Mas curiosamente as paredes parecem em chamas, entre fortes tons…
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Estudo com cristais. Ester (10/13)
Conheci Ester no balcão de uma cantina – pelo menos, foi quando nos vimos. Não sei, mesmo hoje, se cheguei a conhecê-la como se espera conhecer alguém. Costumávamos almoçar ali, separadamente, quando não existíamos. Da primeira vez, iniciou-se uma conversa por acaso. Ela era educada, levemente arrogante. Da segunda, toquei seu ombro antes de me…
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Três mulheres, um talismã
Todos os livros que uma vez abri nunca mais se fecharam, e guardaram-se por trás de meus olhos como quando os lia antes de me deitar e os levava abertos minha noite adentro, Lice talvez me compreendesse afinal, ela que também vivia seu plano mágico: que faço minhas todas as palavras, que a morte só…
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Micro-organismos
A manhã pelos vidros do laboratório não o afasta da noite anterior, quando se dera a dolorosa confirmação de que vinha sendo traído, e o pior: era o último homem que acreditaria capaz de despertar desejos em uma mulher. A manhã pelos vidros o trespassa de grades enquanto se desloca em direção ao local de…
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A seta de Verena. Abertura 2 (Meigos pastores, secretos assassinos)
Todo artista compreende um dia, ainda que se deixe classificar como criativo ou mesmo que continue fingindo-se inocente, que nunca foi senão o resultado da convergência de inúmeros outros que ele próprio elegeu. Vivemos entre os invisíveis limites de um mistério que se deixa entrever por espasmos, como cristais guardados só para alguns momentos, nas…
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A seta de Verena. Abertura 1 (Guardo-o como quero)
Você se levantou e não pôde evitar o dia. Você se desvia do espelho que também encontrará em pouco, mas não deve admitir que seu rosto esteja inteiramente arruinado. Afinal, bem perto de onde vive, e por grandes extensões de terra, seus semelhantes compartilham misérias tão mais graves que as suas, embora de outro gênero.…
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Clara sob luz amena
Ela me ajuda com a calça, tira-me pelas pernas o que até há pouco impedia-me a nudez. Em troca, abro-lhe o vestido, o sutiã, desço-lhe a calcinha aos joelhos que se dobram, um após outro, tornozelos simultâneos. Não nos agrada a breve união que facilmente aproxima o orgasmo. Sempre nos lembra algo em que participe…
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Bom dia, ontem
Quando se olha por uma janela e se observa o mesmo panorama, com os mesmos recortes de telhados, através dos mesmos vidros, por entre a mesma moldura, tanto no dia de ontem como no dia de hoje, o pensamento alonga-se como se espreguiçando, que as coisas todas parecem não passar nunca, e a nossa janela…
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Técnica singular para inflar balões
O primeiro sai algo banana ou salsicha. Outro toma forma de um camelo, duas corcovas oblongas. Ora, sim, um zepelim um tanto tímido. Murcho como uma fruta. Disforme feito um sonho.
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As cinco estações
Privilegiado pelas árvores, o bosque à janela de meu quarto, de onde migravam brisas aromáticas como filtradas por estames novos, canto de cigarras entre outros, quando a natureza revia seu sofisticado universo: as vastas manhãs da adolescência pareciam mais lânguidas na primavera.
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Castelo de cartas
Distraído do jogo, fixa longamente o verso das cartas viradas sobre a mesa, um castelo azul no topo de um íngreme penhasco.
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O capitão na corte dos cadáveres
Respiro, ao entrar, o silêncio hostil desses que me aguardam na sala do general. Caminho com segurança mas sem presunção. Sei que deste último confronto dependem minha vida e minha morte. O que tenho feito nos últimos meses, cada lance como sobre um vasto tabuleiro de xadrez, desde as ações de bravura até meus romances…
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Nas escadas, mas não muito
“Ora, Júlio, você é livre. Livre para tudo. Pois não vai o tempo dissolvê-lo como a todos, não é esse o jogo do futuro? Do que então podem ameaçá-lo?” “Não sei, Pablo. Ainda falta algo. Não compreendo. Ainda não. O que acha, Cândido?” “Vendo você aí, sentado nos degraus da escada, como se tudo estivesse…
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A roda
Da janela, via os fundos do hospital e, a um canto do pátio, a velha roda de carroça. Sua febre repassava reis assírios, torturas medievais e as mais recentes. A roda vista era uma carroça, logo uma carruagem. Era um cepo. Um castelo. Um crânio. Todas as formas que assumia o atormentavam. Na mesma manhã…
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Os jovens peregrinos e o profeta
Permanecemos atentos às nuvens, no fundo esperando que de fato ocorresse algo diferente e devastador: a chuva. Fez uma noite abafada, opressiva, seca e sem vento. A calma do campo era relaxante, mas não afugentava o tédio. Só à noite, uns grupos ruidosos apresentavam-se no palco. Durante o dia, não tínhamos porcaria nenhuma para fazer,…
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Homens de negócios
Da luxuosa antessala, a secretária conduziu o homem de valise, confirmando que o doutor o esperava. O patrão ergueu-se sorrindo, cumprimentou o visitante e ordenou que se fechasse a porta. O homem abriu a valise e o liquidou com um tiro. Lisette Maris em seu endereço de inverno – Guia de leitura 42. Castelo de…
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Você me acha cruel?
Enquanto coisas assim – imprevisíveis e aparentemente impossíveis há apenas algumas horas – vão acontecendo bem à minha frente, eu sempre digo a mim mesmo que ainda vou me arrepender desse dia. Na verdade, eu me arrependo de quase tudo o que faço.
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Vina, a quase viúva
Ela era jovem e bonita. Cabelos lisos, castanhos. Não podia ter mais que uns vinte e três anos. Mascateando livros. Vida dura, marido doente, desempregado, poeta. A maquiagem muito leve disfarçava-lhe as olheiras, o cansaço, o ar abatido de viúva. Antes que eu lhe respondesse, entrou na lanchonete um rapaz de camisa estampada, cabelos aparados,…
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A encantadora ovelha ruiva. Parte 1 (Outro livro de bruxas?)
Anseio por vê-la diariamente, mas resisto: fico dois ou três longos dias longe da livraria para que não suspeite que estou apenas interessado nela. Peitinhos empinados, coxas consistentes, cintura… Cintura o quê? O que tem a cintura dela? E daí? Basta de descrições. Mais um pouco, só mais um pouco, vá lá, que esta vale…
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Dormindo com as bonecas
“Ela uma vez me disse, quase sorrindo, de olhos cintilantes e talvez mais abertos que o normal: ‘Já pensou que a gente, depois de morrer, nunca mais vai existir?’ Eu fiquei quieto. Ela não podia estar feliz com aquilo. E não estava mesmo. ‘Já pensou?’ ‘Já.’ Puxa, quase vejo tudo outra vez, como se ela…
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Antropologia aplicada
“Como vocês veem, as inscrições na sepultura muito antiga ainda podem ser lidas. Este crânio que tenho em mãos, apesar de coberto por esta substância cinzento-escura, conserva-se praticamente intacto mesmo após tanto tempo, o que pode ser atribuído às condições do solo local. O estranho nisso tudo é que…
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Ana (meu caminho até ela)
Desde que começa a subir, é como se já estivesse aqui, na realidade de sua presença. Ouço os primeiros degraus de madeira lá embaixo, seus passos simétricos revelando algum solado de couro, ritmos inconfundíveis de um calçado feminino. E esses solados de certa forma se entendem com a madeira melhor do que qualquer outro material…
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O circular retorna a seu infinito
Alguém lê um jornal, o que é estranho: não se pode conceber um fato novo, algo que já não tenha ocorrido. Até os eventos que se supõem históricos mendigam sua chance de surpresa, já que não transcendem sua própria muralha de repetição. Por fim, ali está ela: de pé, junto à barra vertical, num agradável…
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Uma das mil noites
Era mais fácil naquele silêncio, o quarto bem isolado aos fundos, um motel que lhes proporcionava justamente o necessário para que desenvolvessem em segredo aquela sequência de amenidades pulsando sem controle. Ainda pareciam estar sonhando. Cama larga, com almofadas extras. Carpete no chão e nas paredes, como se tudo ali fosse confortável e desenhado para…
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O final dos contos de fósseis
Não resisto, detenho-me diante da casa. Concretada a caixa de correspondência: não recebiam cartas, contas ou cartões os moradores que nos sucederam? Perturbam-me os grandes tipos do aviso (VENDE-SE), o rumor de vozes na sala. Então pode ser negociado à luz do dia este endereço de raízes, este santuário de minhas sombras?
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Pai a casa torna
Olhe, olhe só para isso: as flores ainda estão aqui. Sei que não são as mesmas, mas são da mesma espécie. Os outros novos moradores as preservaram de alguma forma, olhe só. Ou foram replantadas mais tarde. Ou… Sei, sei, já vi o degrau. Eu o conheço muito bem. E não estou brincando, você sabe.…
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A âncora
Nossa prestativa vizinha da frente vinha ver-nos todos os dias. Acrescentava curiosidades sobre a plantinha, que se desenvolvia rapidamente, elogiava os bons tratos. A casa dela era escurecida de plantas. Prometeu-nos fertilizante especial, inseticida forte, terra tratada. No sábado, pegou-meem casa. Logoque se retirou, minha companheira puxou-me a um canto. “Cuidado com o que diz…
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Crônica de canção feita ao mar
Minha jangada vai sair pro mar… – ensinava dona Dorinha regendo-nos com um lápis. Com toda a voz de meus onze anos, entre os de minha classe e mesma formação, eu repetia as canções bonitas que nos mostrava essa mestra, enquanto acompanhava no perfil da colega, na fileira ao lado, o movimento de seus lábios,…
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O mar dos meninos
Como a toda criança aparentemente sadia, o mar e os navios encantavam-me. Nunca tinha visto um, nem mar nem navio, fora dos livros ilustrados em que os descobria. Desde aquelas antigas embarcações egípcias, passando por caravelas enfunadas e vapores ruidosos, até encouraçados em guerras mais recentes (até isso!), todos me pareciam belos.
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Hoje, acabaram-se as xícaras
Despertei com o ruído na sala, Maria Célia recolhendo xícaras, copos, cinzeiros, o que restara mais que a memória de uns amigos da noite anterior. O jogo ia se tornando confuso com seus pires lascados, xícaras sem asa, e nenhum de nós se lembrava mais de quantas xícaras e pires havia de fato. Às vezes…
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A mesma aventura
“Bom dia a todos.” Por isso todos me observam quando subo ao ônibus, pela manhã. Não se diz bom-dia a todos, especialmente com tal sinceridade. Estranham roupas que mal se ajustam e fazem de mim um cidadão deselegante, sem interesse. Óculos que mal se ajustam ferem-me o nariz e as orelhas. Mal eu me ajusto…
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Breve relato sobre o conhecimento de artes singulares
No momento de embarcar, tudo sucede festivo e como nos atirássemos à mais gratificante aventura. Os companheiros nos acenam: “Vamos! Vamos!”, e eis o mundo de grandes portas abertas, de sorte à frente, tudo nos excita e convida ao futuro, menos o receio de acabarmos num dos quatro abismos que delimitam os mares e onde…
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Sonho 772. Vista do mirante
Vista de um mirante. Sonho com estranhas torres.É quando compreendo que meu espanto nunca foi senão uma faceta de meu medo. Estou no terraço, junto ao parapeito, do que me parece a noite mais clara, o edifício mais alto do mundo. As cidades não nasceram ainda. Todo o firmamento festeja a noite de mil…
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Um único tiro
“É, eu estava com ela, já disse”, pegando o nariz de Liana, rindo. “Eu não disse não, menina?” Beijos na orelha e no pescoço dela, a mesma estratégia adolescente de tentar neutralizar a companheira, fazendo-a arrepiar-se num frêmito de desejo, uma palavra, uma expressão que ele adorava imaginar enquanto isso acontecia de fato. Fssss… –…
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Papéis com imagens, ossos para não esquecer
Quinze anos. Violentada pelo cunhado. Perdera o filho de um mês. Sombras de família. Segredos, escândalos. Foto-grafada no pomar, sorri em meio às laranjas. Saudável, cati-vante, pernas e pés à mostra convidando a um ato brutal de volúpia. O sorriso, o pomar de laranjeiras. O que busca a natureza afinal? Momentos de violento desejo gerando…
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Arca com retratos do pai. Parte 2
Tudo em mim fica retido, antes de tudo. E fere ou fascina. O odor característico do papel plastificado, a tinta de impressão que até hoje reencontro em certos periódicos – eu começava a aprender dos textos, ao decifrá-los. O fascículo ilustrado com animais do Cretáceo, que ele me compra numa banca de esquina – também…
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Arca com retratos do pai. Parte 1
Tudo isso não passava de alucinação para mim – essa infância que ouvia dele, seus pais e avós, a quem mal ou não conheci. Só em minha fantasia podia vislumbrar os funerais dessa ancestral, quando iam todos a pé, trajando a indumentária da colônia e portando archotes no inverno. A vegetação do vale, os caminhos…
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A moeda de milhões
Incontáveis são as sutilezas que envolvem a sexualidade humana, não menos que as grosserias, os desejos inconfessáveis, as taras dissimuladas, as distorções e excentricidades, os tabus subvertidos, as violações à força, a infidelidade camuflada em velhas arcas de família, por vezes deflagrando episódios de paixão doentia, obsessões incuráveis e crimes violentos, porém só um leve…
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De falsas princesas
Ao vê-la, pelo que percebeu como um breve instante, estendendo-se para o alto, apoiando um pé sobre a cama para alcançar o cabide vertical (Liana era baixa, mas não muito), as pernas tão bonitas bem ao lado do rosto dele, a tensão de uns músculos suaves logo acima do tornozelo, as coxas praticamente uniformes em…