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Tag: literatura
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Estudo com cristais. Silene (6/13)
Sempre acreditei que a sensualidade se associasse mais às manhãs. Sexo e beleza são o mesmo em meu espírito. Uma única nuvem preenche o céu urbano, trazendo a todos uma manhã triste. “Não há manhãs que sejam tristes. Doença de poetas.” Silene esquiva-se de meu gesto e ergue-se da cama. Descalça, como se maior fosse…
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Sahara
1 A, duplicado, sugere a extensão do deserto. É preciso não ter ouvidos nem olhos: o pior das miragens são os falsos oásis – quando nos convencem a ficar. 2 H interrompe o vento como se o fizesse engasgar com a areia. Nada do que existe fragmenta o insondável silêncio, antes sua surdez inviolável, soberana…
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Estudo com cristais. A menina dourada (5/13)
Fotografada no álbum de alfazemas, como saída de um cromo. São sonhos que jamais esquecerei. O relógio avança. Em todos os sentidos. Aos que isto leem, ao que registra. Aos amantes e aos que não o foram. Aos que ousaram ou apenas viveram. Seis entre as mulheres que me possuíram cristalizam-se, numa tentativa de subverter…
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Diário, 26
1 Estrela de minha noite clara, arqueira fugitiva de olhos vagos oculta na floresta dos segredos: vou caçar-te por toda a existência. 2 Toco o papel e escrevo, conto meu canto sem voz, registro que sou de mim mesmo em palavras possíveis. Toco o papel com meu sonho de criança condenada e assim atravesso minha…
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Estudo com cristais. Cristal quase um relógio (3/13)
Em outro quadrante eu a encontrei, num quarto sem endereço. Tentarei adivinhar seu nome, seu verdadeiro nome, antes que o hexágono torne a girar, quase um relógio. Registrar a palavra diamante é quase cristalizá-la – e cristalizá-lo –, cristalizar o hexágono bidimensional, plano e limitado, símile do papel que o comporta e da palavra que…
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Sol ancestral
Não o passado diluviano do Limulus nem o que coube da medusa arqueozoica ao homem do Quaternário. Não a formidável expansão do Cambriano, os megassauros do Triássico. … neblina glacial do Plistoceno… Não a civilização com seus códices, a justa nação dos homens livres nem o que por erro se fizer futuro: o (mesmo) sol…
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Rostos
Para quem guardarás teu rosto? – este mesmo que hoje claro compartilhas com os que te sabem e também hão de acompanhar-te pelas sombras e mais que estranho aguarde em outras trilhas. Para quem guardarás teu rosto? – e a expressão possível de conquistas mais dignas se o mesmo destino sem trégua move a um…
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Um amigo, um favor
Danilo o olha com um silêncio emocionado. Já ia lhe dizer que amar é só uma das bobagens em que a classe média acredita. Verne se levanta, apanha o casaco. Começa a vesti-lo. “É isso então, meu velho. A gente se vê. Vamos marcar outro desses.” “Vamos sim. Você me faz esse favor então?”, Danilo…
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Enciclopédia natural (nerudiana)
Felis, Canis – nomes de deuses? Zinnia elegans, Eurypelma hentzii. Quem é a tarântula? Quem é a flor? Quanto dura essa beleza? Até quando uma espécie, a mesma espécie? Ephemera, não só a borboleta. Anaconda, fêmea a destilar secretos venenos. Gorilla gorilla, ……………………………repetimos os primatas. Hyla faber – ninfa dos repuxos? (Essa adorável rãzinha habita…
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O endereço real
Ouve o destravar da fechadura, o velho mecanismo de abrir e fechar que todos nós usamos todos os dias.Que usamos sempre para nós mesmos, de se abrir e depois se fechar. Liana espera à frente da porta, bolsa e pasta com papéis ocupando suas duas mãos. Um olhar sem vontade a qualquer coisa ao redor…
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Espermatozoide
Do impulso à frenética carreira, na ânsia de realizar-se, tornar-se todo ……………– e não sabe se será ……………………o bispo ou a besta, …………..o rei ou o réprobo …………………………….o mago ou o mendigo, ………………..o juiz, o facínora, o amante… o morto. Leia mais poemas e sobre poemas: Gárgula Eu morri pela beleza – a arte de…
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Papéis para Verne
A vida é uma linha reta, sem volta. E a literatura é a única coisa que pode tornar tudo sinuoso. Disforme. Interessante. Mesmo que se confunda com a mentira. Na literatura, a mentira se chama ficção, você sabe. Val. Pensei que pudesse salvá-lo também, por meio da palavra, até mesmo por meio destas palavras horríveis:…
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A primavera segundo:
Vivaldi Verdes diversos verte a paisagem que não passa. alheia e ao fundo de tudo o que é. E nada se ouve. E nada se vê. Stravinsky Rompe a tormenta com seu poder de estrondo os troncos. Trama dos troncos, ventre da seiva seviciada: mais violento invade o poeta que a desfruta. Willie “the lion”…
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Os anjos da lei
O vulto não se move. Não dá para ver bem o rosto, muito menos os olhos. A chuva fala por todos. Ainda abraçado a Liana, Danilo vê que é uma viatura da polícia. As lanternas intermitentes ferem com dificuldade o ar nublado pela chuva em curso. Parece-lhe inquietante o silêncio em torno de sua chegada:…
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Estudo com cristais. Clara (2/13)
Os carrilhões da catedral mais próxima situam-nos à meia-noite. Cabe a nós agora recriar nossa parcela de noite, a noite que perpassa o mundo. O odor característico que emana dos bastidores, tenho certeza, para sempre há de tornar-me a esta furtiva impressão de clandestinidade. Clara fecha a última porta. Acende uma luz tênue que mais…
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Luminária
Entra o inseto, intui salvar-se pela luz intensa. Entrega-se a morrer sendo mais um e sem saber a verdade. Que mais o anima senão a alma suposta que o é? Que mais sua vida senão seu próprio estado de ser? Inseto talvez de não ter sido e não haver acreditado. De existir e deixar de…
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Estudo com cristais. O prisma e a pirâmide (1/13)
Há algum calor em sua figura distraída, dispersa. Uma fragilidade que qualquer palavra pronunciada violentará como se trinca um espelho. A feira de artesanato me lembra que toda paz tem seu preço. Desde os primeiros ourives e os artistas rudimentares, a colmeia humana tem sofrido toda sorte de flagelos e tumultos que, de certa forma, se…
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Dicionário
Estado bruto de toda palavra possível, gama de gemas por desencravar, dicionário a ser discernido e todo erguido muralha à força de andarilhos sem chave. Erva e estrela (contidas) combinadas em ordem própria de variações, grafia de esfinge no corpo grifado ao sabor de secretos idiomas. Tomo encantado, mistério e metáfora: devagar, o universo é…
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Gárgula
Carranca medonha no chafariz da infância, mesma água de narinas gorgolejando eterna borbulhante: gárgula grutesca desde agourentos pesadelos de menino. O pai no passeio das fontes – reentrância minha, íntima de musgo, relevo e pedra limosa de tardes suaves não mais para sempre. Ainda aqui, em teu exílio de monstro, mesma tua água gutural goelarganta…
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Lisette Maris. A oitava noite mais fria de todas (15/15)
Voltarei a vê-los sob outras neblinas, que eles talvez não se impressionem muito com meu relato inverossímil. Minha história é só mais uma história entre muitas. Dalma surge à entrada da barraca, vem até mim. “Então? Trouxe algo para eu ler?” “Não trouxe nada”, respondo. “Não tenho nada.” Dalma percebe que estou prestes a chorar.…
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Mosca | vidro
Janela que se sonha vidro (e sempre o que buscas, paisagem vã), vidro que se sonha aberto, ausência que se faz a mesma. ……………………………………divisão invisível de nada …………………………………………………….mosca vencida …………………….no afã de transpor …………………………………………………a máscara do dia. Alma: que se sonha mosca. Vida: que se sonha vidro. Leia mais poemas e sobre poemas: Rapsódia em cinza…
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Lisette Maris. Um sonho afundando em sangue (14/15)
Outra vez parece sorrir entre as presas, como saboreando minha impotência. Quer apenas assistir à minha confusão e com isso enriquecer seu ódio. Volto-me ao caminho. Vou me encontrar com Damares. Aperto a gola do casaco contra a brisa glacial, sigo por minha rua, de árvores esparsas, gramados das casas confundindo-se e repetindo-se até o…
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Lisette Maris. Um silêncio de grandes ventos (13/15)
Faço um sinal para que embarquem enquanto é tempo. Mas já não podem ouvir nem se mover. São agora formações de gelo presas à paisagem da estação. E nada esperam. E nada desejam. Do alto de meu posto, dou as últimas ordens para que Lisette Maris ponha-se a caminho. Damares, tão bela quanto no sonho…
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Isto
Isto o que sou, isto? Existo, então é isto? (Só isto?) É disto que me visto? Que mais posso esperar do sonho misto – e somos eu e isto – que hoje ilude e anima enquanto insisto? ……………Mentira do que somos só por sermos: ……………tudo e às vezes nada. Nunca ……………e às vezes isto: ……………entre…
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Lisette Maris. Sinais sutis e sinais gritantes (12/15)
Tudo que eu queria esta noite era contar a ele. Agora eu o sinto como um espião disfarçado entre os mortos. Um animal mitológico que guarda em seu íntimo uma brecha entre as últimas árvores do inverno. Peço ao gigante Diego que a chame na barraca. “Então? Parece que veio correndo, que foi? Quer um…
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Obra
1 Livre da amorfa ilusão do tempo (e qual um deus) construo uma pedra sem data que permaneça seu próprio monumento. Indiferente ao quando de seu antes, dispensado o bronze que a preserve, não se arremesse ao depois de seu sendo: que simplesmente exista. Como se sempre houvesse estado aqui. 2 Pedra dos monumentos,…
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Lisette Maris. A sala (quase) secreta das almofadas (11/15)
Ela ouve também, fecha o casaco, recompõe-se. Seu pai parece próximo. Tornará a passar por aqui em breve. Estará de óculos. Quando vi Damares pela primeira vez, ela não tinha nome. E hoje me atrevo, quem diria!, a confessar-lhe, na sala das almofadas, meu sonho ridículo com o capitão Newman, especialmente detalhando a sequência em…
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Quarto
Quero um quarto só janelas para que eu possa fechá-las todas tornando-o menor e meu. Quero que seja menor e menor mas com muitas janelas cada vez maiores – para que eu possa fechá-las todas. Para que sempre eu possa fechar-me todo, janela após outra, e me feche outra vez cada vez mais. Múltiplo, tenha…
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Lisette Maris. A viagem improvável do capitão Newman (10/15)
Todos os ruídos que produz essa partida espetacular são devastadores. Ao mesmo tempo, incrivelmente suaves. – 57 – _________________________________________________ Capítulo XIII A DESCOBERTA O escaler aportou no flanco norte, oposto à rota da baía. O capitão Newman mediu com os olhos a distância da nau ancorada, girou o rosto bem barbeado, de queixo intrépido, e…
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A cor intensa que nasce e morre com os humanos
A era geológica presente terá mais um nome no futuro. Todos os crimes irão prescrever. O tempo esmagará os discos rígidos. Não haverá nada escrito nas nuvens. Dorme. Tenta dormir, por enquanto. Acompanhado, como sempre, como se dá com todos, de imagens e sons outra vez imaginados, a conhecida miscelânea que se vai confundindo nas…
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Lisette Maris. Seus olhos estreitos, sem se desviar das cinzas (9/15)
Olha as cinzas como fixando um ponto para além do que vê. Sinto que vou me engasgar não com a saliva, mas com o silêncio. “Essa moça acredita em Deus?” “Não sei, mãe. Ela parece ser muito inteligente.” “Como? Ainda não perguntou isso a ela? O que tanto vocês conversam então?” “Ora, mãe. Você…
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Qualquer coisa triste é triste o bastante
O mundo também vai sumir. Com todas as palavras. De todas as línguas. Agora é noite, porque o planeta fez outro giro sobre si mesmo. Danilo escrevia. Uma atração muito forte pela palavra. Por signos linguísticos. Um fascínio por esses sinais carregando ideias, insinuações e até mesmo carregando o que não conseguem nunca significar. Isso…
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Lisette Maris. Mapas e diários de não viajar (8/15)
Entre outras considerações, esse meu ancestral remoto acreditava, aliás, que os homens necessitavam dos diários de bordo, não tanto como um relatório de viagem, mas como um registro da solidão. Amanhã encontrarei Dalma e Diego junto ao fogo brando, contarei a ela de como levei Damares pela cintura sob os arcos do bairro velho, de…
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Sonho 1664. Hotel em outro lugar
Não sou dado a sinais misteriosos ou aparentemente sinistros. Considero a realidade como ela se apresenta, com praticidade, sensatez – por vezes, até com bom humor. Agradou-me a primeira sala, onde se dispunham um sofá, mesa de centro, duas poltronas convidativas e umas plantas artificiais. Estranhei o aviso pregado à porta pelo lado de dentro,…
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Lisette Maris. O doce ferrão de sua primavera secreta (7/15)
Ofereço-me ao que quer que faça, sinto-me capaz do que não posso, por ela. Seus olhos esperançosos lançam-me centelhas e cristais marinhos. Diário de bordo. De acordo com a posição do Sol e a fase dos calendários, Lisette Maris atravessa agora a última etapa desta estação glacial. Damares não me pergunta sobre o inverno, talvez…
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Manifesto
(Este poema em prosa tinha uma razão de ser quando foi publicado pela primeira vez.) Não escondeu o matagal o sangue puro do povo, nem o tragou a areia do pampa. Ninguém escondeu este crime. O Crime foi no meio da Pátria. – Pablo Neruda, Os massacres 1 Um coelho indefeso, objeto de caça, se…
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Lisette Maris. Caminhar, como faço agora (6/15)
Às vezes é preciso viver sem esperanças, sem esperanças mesmo, continuar. Caminhar, como faço agora. Crescer, fatalmente. Gosto de acordar muito cedo e flagrar as casas fechadas, dentro das quais as pessoas se encontram ainda na faixa nevoenta que separa do sono os calendários. A manhã mal instalada, focos frescos e sombras remanescentes, tudo se…
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Lisette Maris. Enquanto temos carne, ossos… e sangue (5/15)
Os cabelos soltos escondem-lhe o rosto de perfil, cílios trazendo um último reflexo da íris. É mesmo o que vejo? Damares é especial, e isso me corrompe. “Compreendo que poucos podem ser livres dos Evangelhos, menos ainda poderiam considerar a vida com outra maturidade. Mas Karl Allen não ajuda muito, se é que me entende.…
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Evolução dos ideais clandestinos
Mas por que esse pânico, que isso? Milhares de pessoas são cadastradas naquela arapuca. Basta trabalhar pela justiça. Basta denunciá-los. Basta ter consciência. E quanto aos que estão sendo torturados e mortos? Não pensou nisso? Então, podemos continuar sendo covardes? (Hélio) … foi fuzilado há uma semana. Fuzilado? (Valéria) Quando enviamos as cartas (Caio), ele…
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Um estreito, fino rastro de sangue
Pensa nele com a impressão abafada de estar cedendo a uma armadilha invisível. Com essa dúvida sobre aquela morte antiga. Liana lia. Esse assunto lhe interessa cada vez mais. No fundo, não lhe interessava muito antes, ou quase nada. Nada que superasse a curiosidade momentânea despertada por alguma notícia espantosa, casos escassos, mas impressionantes: a…
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Eco, a cidade dos demônios
Esses tais demônios vinham de uma estirpe que fora gerada entre velhos espelhos de um sótão, assimilando desde cedo travessuras desse tipo, brincando de refletir uns e outros em cacos irrecuperáveis. Como parte da rotina e invariavelmente, qualquer morador podia ver o senhor Antão Antônio de Deus pintando o muro de sua casa pela manhã,…
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O beija-flor de Ruschi
Não era meu o pecado, era dele, mas eu estava junto.Segunda-feira Desde que me dou por gente sou tratada que nem filha nessa casa. Porque nunca tive pai nem mãe e ninguém eles me criaram me deram roupa e comida e me ensinaram ler e escrever. Nunca me deram dinheiro mas nem nunca eu precisei.…
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Lisette Maris. Objetos que se movem (4/15)
Minha mãe, como os outros, impressiona-se muito com esses truques vagabundos que não nos ajudam em nada. Ela me abraça como há muito não faz, realizada e nervosa, contagiada pela euforia reinante, com o veneno do triunfo. Um casal de mesma estatura, ambos exageradamente polidos e atentos às normas da boa educação, aos bons costumes.…
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Lisette Maris. Persistência do inverno (3/15)
A bruma que nos envolve é a mesma que nubla seu silêncio. Olhos muito claros, azuis e intensos, ela parece atrair luz. O inverno já dura treze anos. Ninguém sabe por que isso acontece, e também não se sabe quando vai acabar. Mas ninguém se espanta, ninguém nada pergunta. Nosso velho vizinho, em sua ronda…
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Américo Cabral assombra em vida
Diógenes pensa: a morte é um castigo? Ou um prêmio? Não, não. Pare, vamos parar tudo. Tudo, agora mesmo. O que é isso? Mal o assassino aparece, começa a filosofar? A bárbara violência sexual de que fora vítima Virgínia Morais O editor pediu-me pelo menos um crime ou uma cena de sexo ardente. Pessoas que…
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Lisette Maris. Damares (2/15)
Seria capaz de qualquer sacrifício para que essa manhã jamais terminasse. Damares olha-me de frente, e seus olhos atiram-me uma lâmina de luz. A gárgula de caninos dourados prenuncia as presas ruidosas que investem contra a grade do jardim. Uma criada inexpressiva aconselha que eu entre pelo portão lateral. Damares mora nesse sobrado razoavelmente luxuoso,…
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Por onde as pessoas vivem…
Sonhei certa vez que encontrava, na caixa de correspondência, entre a profusão de papel picado, todas as cartas que enviara no decorrer da vida. Nada muito significativo. Apenas mais um pesadelo. Cartas que lhe escrevi foram destinadas a mim mesmo. Sonhei, certa vez, que encontrava, na caixa de correspondência, em meio a uma profusão de…
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Lisette Maris. A escuna ancorada (1/15)
Volto-me ao caminho, quero esquecer esse endereço por enquanto. Vou me encontrar com Damares. Tive sempre o gosto por estas histórias. Tanto e tão bem que finalmente perdi todo poder sobre mim mesmo. – Fiódor M. Dostoiévski, Memórias do subsolo A casa onde moro é uma escuna, mas poucos compreendem. Uma fragata, já disseram.…
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Modelos de cartas inúteis
Entendo a morte, quase a aceito, como indivíduo, cidadão e animal. O que não deixa de ser notável, pois os animais não aceitam a morte. Sobre a paz e a justiça que você menciona, creio que a inteligência, e não o amor, é o que pode salvar a humanidade. As necessidades e conflitos que movem…
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Quase sem rumo
Na mesma manhã, ele se lembrava, em que ela em especial lhe sorrira, demorando-se a recolher os dentes sob os lábios dilatados, depois conservando o sorriso ainda na boca fechada, ele lhe fizera, em um guardanapo de papel, o seguinte desenho (com a correspondente inscrição): XÍCARAS A JATO VIAGENS FASCINANTES PODEM NASCER DO CAFÉ DA…