Office in a Small City por Edward Hopper

Tag: literatura

  • A moeda de milhões

    A moeda de milhões

    Incontáveis são as sutilezas que envolvem a sexualidade humana, não menos que as grosserias, os desejos inconfessáveis, as taras dissimuladas, as distorções e excentricidades, os tabus subvertidos, as violações à força, a infidelidade camuflada em velhas arcas de família, por vezes deflagrando episódios de paixão doentia, obsessões incuráveis e crimes violentos, porém só um leve…


  • De falsas princesas

    De falsas princesas

    Ao vê-la, pelo que percebeu como um breve instante, estendendo-se para o alto, apoiando um pé sobre a cama para alcançar o cabide vertical (Liana era baixa, mas não muito), as pernas tão bonitas bem ao lado do rosto dele, a tensão de uns músculos suaves logo acima do tornozelo, as coxas praticamente uniformes em…


  • Treze pode acontecer

    Treze pode acontecer

    Júlio estranhou que seus cabelos, repartidos ao meio, descessem só até o pescoço e a nuca, não chegando a tocar os ombros, e assim mesmo caíssem frontalmente qual fossem mais longos do que aparentavam, como se não pertencessem a um mesmo corte, e pudessem prender-se atrás das orelhas. Que coisa observar isso tudo. Foi sem…


  • Desdobramentos de um réveillon secreto

    Desdobramentos de um réveillon secreto

    Tornamos a nos conhecer na reunião que move a numerosa família à casa da matriarca em sua cidade. Ali os mais velhos apreciam clássicos do jazz e trilhas de cinema. Dessa vez pareceu-me claro de sua parte, quando todos deixaram a sala rumo aos fogos e às festas previstas a céu aberto, e ela passou…


  • Relâmpagos

    Quando penso em minha infância, vejo um menino atrás da vidraça numa noite tempestuosa – rosto sem sorrir, olhos iluminados por relâmpagos que o fascinam.


  • Suínos, símios, restaurante

    Suínos, símios, restaurante

    Três ou quatro restaurantes médios, cardápio variado e preços razoáveis, serviam de solução fácil às exigências de sua fome noturna, isso quando se animava a sair a pé pelo bairro, também por desejar romper com a tirania dos sanduíches que muitas vezes despedaçava sobre a cama ou à mesinha-estante-criado-mudo. Era preciso ao menos experimentar. Lembrar…


  • O demônio no fundo do quarto

    O demônio no fundo do quarto

    Magra e arcada, a velha de pele ressequida e cabelos grisalhos esperava por mim junto ao portão de grade. Malas prontas, mudança. Lenço, soluços. E um fio de pranto amargurado que mais lhe cavava os olhos cinzentos. Eu a abracei como pude, pedi que não tornasse a chorar, pois pessoas que choram me incomodam muito.…


  • Estudo com cristais. Lis (4/13)

    Estudo com cristais. Lis (4/13)

    Da primeira vez, quando dormimos juntos (nossos encontros têm sido escassos, à sorte de oportunidades), Lis perdeu o sono antes de mim. O beijo umedecido, emergindo das trevas, tornava lábios o pântano e a névoa que me entorpeciam, trazia-me de volta à vigília, ao que eu era e me sentia sendo, à vida possível. Na…


  • Tarde e jogos com Ester

    Tarde e jogos com Ester

    Suponho que para isto sirva o silêncio, para ouvirmos o que não nos querem dizer. Também para que se renovem todas as chances de dizermos algo mais antes do emudecimento. De erguermos um gesto antes da paralisia. Para não nos dizermos, quando tarde demais e na posse da melhor palavra, que estamos hoje morrendo de…


  • Invisíveis no intervalo

    Invisíveis no intervalo

    Ele a segura pelos ombros. Com carinho. “Ana, sabe, posso te dizer?” Coragem. “Tenho muita saudade daquela noite.” De frente um ao outro, mas já reativando uns passos lentos que os farão voltar à trajetória anterior – corredor da faculdade, percurso repetido do intervalo, quando de repente (com carinho, claro) ele a deteve. “Que noite?”…


  • Estudo com paredes / … / Estudo com ferramentas

    Estudo com paredes / … / Estudo com ferramentas

    Viu horrorizado que a machadinha empastada de sangue subia e descia em golpes sucessivos sobre seu peito. Pareceu-lhe uma infinidade de pancadas surdas ainda que uma só delas pudesse abrir-lhe o tórax ou separar-lhe a cabeça do corpo, e ainda que o jovem empunhando a perigosa ferramenta, um moreno escuro de físico débil, rosto de…


  • Café com neblina imprevista

    Café com neblina imprevista

    O caminho para o trabalho, os dias úteis, calendário. Supõe-se a agulha de um disco gigantesco, percorrendo as mesmas faixas conhecidas, o mundo à frente. Mesma rua, algumas quadras, quem diria. Quem diria? Estela: “Ora, somos vizinhos de serviço”, ela dissera. Sim, de coincidências também se nutre a história. E por que não? Dona Norma…


  • Não diga! Eu também…

    Não diga! Eu também…

    “Desculpe, qual é mesmo o seu nome?” “Estela. E o seu?” Sim, o que ele merecia. Consagrando e consolidando seu caos de motivos siderais. O meu? Júlio. Muito bem. Fácil. “Estela, me diga”, segurando aquela xícara enorme com as duas mãos. “Você costuma trazer estranhos para a sua casa?” “Não. Mas vi que você era…


  • Vanda pela manhã

    Vanda pela manhã

    Júlio entendeu pela metade o que vinha sendo escrito em suas costas. Julgou que a última palavra fosse tesão. Deixou de sentir o movimento do dedo sobre sua pele. Fingiu que dormia para que ela prosseguisse, ela não prosseguiu, ele então fingiu que acordava. Ao abrir os olhos, a primeira impressão foi a de não…


  • Um puta abraço, os dois

    Um puta abraço, os dois

    Ele tirou a capa de sua antiga máquina de escrever, anos sem uso, nem serviria mais para nada, claro. Claro que não. Porque agora… Agora as teclas enchiam seus ouvidos, a vertigem fazia desfilar páginas arrancadas do cilindro com felicidade, os textos prontos, os estampidos sequenciais de uma metralhadora louca sobrepostos no tempo, registrando com…


  • Anões na interpretação de textos

    Anões na interpretação de textos

    Roman Jakobson, um dos formalistas russos e pioneiro na análise estrutural da linguagem, procurava valores nos textos literários que pudessem justificá-los em si mesmos, independente de seu contexto histórico ou social. Tomando como modelo o poema O corvo, de Edgar Allan Poe, ele viu nessa obra sinais representativos desses valores, tanto sob uma perspectiva formal…


  • Enquanto seu ônibus não vem

    Enquanto seu ônibus não vem

    Regina tinha os lábios finos mas tentadores. Com a mesma nitidez daquelas noites, o rosto dela aproximava-se para mais um delicioso beijo, sempre um delicioso beijo – o nariz pequeno, as maçãs do rosto, os cabelos curtos e loiros soltando pontas irregulares ao redor das orelhas, o contorno de seu rostinho quadrado desaparecendo conforme os…


  • Os mocinhos da matriz

    Os mocinhos da matriz

    Foram a uma cidade próxima, a trabalho, acompanhando um gerente que tinha muita esperança no futuro deles. (Ah, se ele soubesse…) As meninas da filial, que eles estavam a poucos quilômetros de conhecer, representavam, para alguns, uma agradável esperança. Para Danilo, certamente. Acreditava no destino, sabia que mais cedo ou mais tarde encontraria a mulher…


  • Um dia, você abriu o jornal…

    Um dia, você abriu o jornal…

    “Mas você a subestimava mesmo, não? Olha só, como ela era sensível! Puxa, acho que só as mulheres se entendem afinal. Essa das conchinhas… Estou gostando dela, cada vez mais. E se ela estivesse viva, eu estaria preocupada agora, me contorcendo de ciúmes.” Danilo sorriu com o cantinho da boca, vaidoso. Mas baixou os olhos…


  • O segredo das conchas

    O segredo das conchas

    “Não importa se você vai rir de mim, não importa mesmo.” “Ora, Ana, imagine…” Ela remexia a bolsa. Buscava uma coisa. Algo se prendeu, depois se soltou, em meio a algum ruído de chaves ou qualquer outra quinquilharia de metal.


  • Todos nós, de vez em quando…

    Todos nós, de vez em quando…

    Cris e seus periquitos australianos. Eram dos pais dela, melhor dizendo. Ela morava com eles – com os pais e com os periquitos. Havia um grande viveiro na área externa do apartamento, que tinha o privilégio de ser no térreo. Cris convidara Danilo e mais uma colega a estudar inglês em sua casa naquela tarde,…


  • Mas como isso começou?

    Mas como isso começou?

    “Mas como isso começou? Você, com a Ana Lúcia? Como começou de verdade? Quando vocês ficaram juntos e…” Liana esperava, de frente, olhava a boca e os olhos dele, alternadamente.


  • A foto deles dos Beatles

    A foto deles dos Beatles

    Os Beatles também concordaram em expulsar um ou outro baterista, tudo em nome da estética, da arte, da posteridade, do sucesso. E porque, mesmo parecendo rebeldes, obedeciam ao empresário, seu patrão. Queremos ser como o americano (Presley), declaravam, pretensiosos. Queremos ser os palhaços do mundo. Querem ser todas as coisas.


  • Arranjo para impedir Ana Lúcia

    Arranjo para impedir Ana Lúcia

    Solte essa arma, não faça isso. Não se vá, Ana, não vá embora, não vá. Não há destinos para todos nós. Não há destinos suficientes para todos nós.


  • Eu, datilógrafo

    Eu, datilógrafo

    Desde que pressionara, canhestramente, as primeiras teclas daquela antiga máquina de escrever… Bem, podemos tentar outra coisa. Essas nostalgias não poderão salvá-lo agora.


  • Autorretrato 23 (curta-metragem)

    Autorretrato 23 (curta-metragem)

    Há algum tempo tive a grata satisfação de ver um dos meus contos adaptados à tela por Bruno Garavello, que roteirizou e dirigiu o curta-metragem Autorretrato 23


  • Lemuel

    Lemuel

    A máquina de escrever? Funcionando sim, barulhenta e produtiva. Enquanto os colegas repartiam cerveja e conceitos efervescentes, ele os observava, observava por algum momento a si mesmo em meio àquilo tudo, ruminava: não importa o que eles dizem, todos os dias e noites vão passar, tudo isso vai deixar de ser, todas essas ideias e…


  • O azul-âmbar do dia seguinte

    O azul-âmbar do dia seguinte

    Ciprestes escuros ou azuis, difícil dizer. Agitam-se com a ventania. Penso captar seus movimentos, mas estranhamente é também uma densa imobilidade o que equilibra sua fúria de labaredas, sua ondulação em busca de uma inércia maior.


  • Dia após dia

    Dia após dia

    Ainda que tentasse evitar – o que nunca faço – as ruas costumavam cercar-me de cenas avulsas, frases ouvidas por acaso, pessoas em movimento protagonizando os dias, todos os dias antes que viessem outros, outro tempo, outras gentes.


  • Viajando com Peter Pan

    Viajando com Peter Pan

    Oh England, my lionheart! Peter Pan steals the kids in Kensington Park.


  • Caminhavam mais lentamente…

    Caminhavam mais lentamente, mãos nos bolsos, cada um, a seu modo, lutando contra a pressa e o hábito, uma resistência consciente e difícil. “De onde vem sua coragem? Você já pensou nisso?”


  • Velhas novidades

    Velhas novidades

    De toda parte os caminhos pareciam convergir para conduzi-lo ao que fosse seu centro secreto, o que seria inverter as coisas: seu centro é que buscava realizar-se e se utilizava do que mais lhe acorresse ao redor. Como dizer algo assim aos seus amigos, para quem todos os bares eram apenas território de caça? Fala-se…


  • Sua canção de enganar

    Sua canção de enganar

    Que lhe importam a Coluna de Trajano, as sagas contadas, gravadas em relevo, se sua vida é uma única peça, um único bloco onde se insculpem fragmentos com tudo o que lhe coube viver? E você sabe, como todos, que não pode estar antes nem depois da vida. Só aqui, em meio ao dia, tudo…


  • Chegadas partidas

    Chegadas partidas

    Ninguém fora despedir-se de mim na rodoviária. Nem era de se esperar, admito. Ainda assim, muito em segredo e contra o mais provável, até o último minuto eu supunha que algo diferente pudesse acontecer, são peças que a esperança nos prega. Dela, sempre fica algum ranço desse especial veneno, próprio a criar outra precária ilusão,…


  • Você, que não queria ler isto

    Você, que não queria ler isto

    Quem de nós nunca experimentou uma sensação de impotência, quase de amargura, ao adentrar uma biblioteca ou grande livraria e tomar consciência da proliferação de títulos e autores ali acumulados, os textos à espera de olhos que os percorram, os autores de inteligências que os admirem e até, quem sabe, tanto quanto os livreiros, de…


  • Meu colega triste

    Meu colega triste

    Mas eu era assim, analítico. Ou supunha ser. Observava tudo em meus colegas, naturalmente ou não. Certos dias houve em que me sentia tão aguçado, tão perfeitamente lúcido e desperto, que quase poderia apostar na iminência de alguma fulgurante revelação, em meio a um momento qualquer. Isso nunca aconteceu, claro. Só me ocorria comparar tal…


  • Última chance com incêndios

    Última chance com incêndios

    As crianças que se perseguiam, de risos e vozes que eu assimilava como à distância, passaram entre mim e as chamas interrompendo meu estado de fixação involuntária. Que era isso? Uma maneira de concentrar-me? Distrair-me? Essa noite trazia algo de abandono. Meus olhos haviam perdido os contornos da fogueira em movimento, a nitidez das fagulhas…


  • Mirna e a viking de tranças

    Mirna e a viking de tranças

    De bruços na cama, eu acompanhava os esforços de Mirna das Selvas em suas aventuras solitárias, atento às expressões de seu rosto, tantas vezes ligado por uma trilha de pequenos globos brancos a um balão-nuvem no qual se organizavam espaços e curiosos sinais. Olhos cintilantes perdidos no horizonte das grandes clareiras. Brincos, braceletes de couro.…


  • O misterioso Paul Celan

    O misterioso Paul Celan

    Romeno de nascimento, Paul Antschel, na versão germânica, ou Ancel (cuja inversão de sílabas usou para definir seu pseudônimo), sobreviveu ao Holocausto. Mas nos campos de extermínio nazistas perdeu todos os outros a quem amava. Essa desgraça, como naturalmente se pode deduzir, marcou para sempre sua vida e sua obra.


  • Eu morri pela beleza – a arte de Emily Dickinson

    Eu morri pela beleza – a arte de Emily Dickinson

    Sim, a arte de Emily, a arte dos inéditos. Há outros casos curiosos de autores que não conseguiram publicar seus textos em vida. Talvez o mais conhecido para nós, de língua portuguesa, seja o poeta Fernando Pessoa, que em vida publicou seu poema Mensagem por ter sido classificado em um concurso literário – ele ficou…


  • Carpe diem

    Carpe diem

    Não pergunte, Leuconoe – é errado querer saber – que fim os deuses reservam para mim ou para você. Também não se apegue aos exatos cálculos babilônios. É melhor sofrer o que quer que seja do que saber se Júpiter determinou ou não invernos futuros ou se faz deste o nosso último, este que impõe…


  • O homem do violão azul

    O homem do violão azul

    Este fragmento de poema aparentemente inofensivo de Wallace Stevens dá o que pensar sobre as escolhas dos artistas e as condições da arte. O músico Tom Zé encantou-se ao conhecê-lo.


  • P.S.: Post scriptum (Pós-Escrita)

    P.S.: Post scriptum (Pós-Escrita)

    Os professores repreendiam-me, estranhavam que tanto eu pressionasse o lápis sobre o papel. Mais tarde, a caneta. Nunca soube escrever de outra maneira, e não me desenvolvi. O adolescente não podia evitar que os tipos datilografados perfurassem o papel – e os acentos, aspas, vírgulas e interrogações remetiam ao braile, não sem alguma alusão oportuna,…


  • Preço justo

    Preço justo

    O que mais me admira no espetáculo do mundo, demarcado por longos estios e chuvas devastadoras, é esse inconcebível potencial de fugacidade e aniquilação, um sol escuro, nem benigno nem maligno, que a um tempo extingue e renova tudo o que existe, preservando a vida à custa de exterminar justamente os que vivem, com isso…


  • Sete anos em Manhattan

    Sete anos em Manhattan

    Por vezes não sabemos por que fazemos algo. Mas um dia alguém descobre por nós. E quantos, como eu, não teriam buscado respostas para a vida? – o que afinal significa buscar respostas para si mesmos. Tenho a sorte de reter muitas lembranças, o que tanto me serviu quanto me prejudicou.