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Tag: ficção
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O telefone pela manhã
Não, eu não lhe digo isso. Ele é que parece dizer-me. A racionalidade que faz de mim um homem prático parece não ter cura, leio em seus olhos. 1 Que iríamos passear, era sábado. O centro, uma quinquilharia qualquer. No centro, como você gosta. Você entende? Ele não responde. Desde que papai foi sepultado, três…
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As folhas tenras da alface
Quando pequeno, imaginava que as frutas e as verduras, ao contrário de nascerem animais ou gente, aceitavam ser o que eram para que eu as saboreasse à mesa. Possuí-la à sombra e à luz de Gauguin foi mais do que eu poderia esperar. Esse privilégio aumentava a dimensão de meu prazer, nem tanto por integrar-me…
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À luz amarelada de Gauguin
À noite, alheia a tudo o que possuía, fecharia os olhos guardando-os mansamente como se antes deles, antes dela, nunca houvesse acontecido qualquer outra coisa. Júlio deliciava-se com o vinho branco. Os cubinhos de queijo também o comoviam com seu sabor, arrancando-lhe patéticos gemidos de satisfação. Só Vanda ele não havia provado ainda. Para começar…
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Relógios
Sobre a mesa tosca, os mecanismos desmontados aguardavam a vez de viver novamente.Numa estante de vidro, uns relógios recuperados sorriam horas exatas. Este foi meu primeiro conto publicado em livro, aos 21 anos, por meio de um concurso literário. Dá para sentir o amadorismo, a ingenuidade, a linguagem convencional, pretendendo ser a melhor possível. Na…
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Queijo, vinho e… “o disco novo dele”
Um ligeiro arrependimento de não ter sido um dia forte o bastante para lutar por Treze. E logo afastou esse pensamento também, chegando a achá-lo engraçado, até mesmo sem sentido, que coisa estranha é o amor. Este, o andar. Como um simples aviso pode me incomodar assim? Júlio comprimindo os lábios e girando a cabeça,…
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A edificante manutenção do tédio
Nunca tantos me aborreceram tanto em tão pouco tempo. E eu, que punha em dúvida minhas próprias opiniões, já não podia mais que desprezar as deles. Pradinho queria saber de minha volta à cidade. Atirei-lhe uma ou duas palavras que deveriam bastar, mas não: ele aproveitava tudo. “Não é todo mundo que suporta esta cidade.…
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Por sorte, algo sobre o sábado
Contava os dias da semana tentando fixar na memória as feições de seu rosto que, por escapar-lhe à nitidez no princípio, quase o fizera acreditar que não estivesse apaixonado. Vanda chegara no outono especialmente para contagiá-lo com a nebulosa impressão de que alguma coisa, afinal, começava a dar certo. Contava os dias da semana, tentando…
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A cidade de um país
Adentro a sala, tenho à frente a mesa dos conspiradores, entre eles seu poderoso líder. Acabo de ver seu rosto, e agora tenho de morrer. Caí na cilada e estou sozinho. Corro para o fundo, vejo que alguns deles saem pela mesma porta, sem a minha pressa. Eu, que sempre me envolvi em todas as…
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Foi bom ela não ter vindo
Eu tinha a impressão de que Vanda se parecia com Bruno. Era despreocupada e sensual. Para minha sorte, talvez, ele conhecera Lea primeiro, ela que também merecia sem muito esforço a atenção dos homens, outro estilo de fêmea… Meia hora andando em círculos no saguão de entrada. Os mesmos cartazes revistos dezenas de vezes causavam-lhe…
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Muito, muito desconfiados
“Quem irá controlar os mercados, as fusões, as evasões de capital, os destinos dos que trabalham? Quem será que vai nos esmagar?” Todos desconfiavam de minha sanidade mental. No mais, levando-se em conta as graves crises sucessivas que atravessam a nação, naturalmente meus colegas vivem tentando explicar por que vai tudo sempre tão mal, contando…
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… e esquecer o resto
Ajude-me, se me distraio. Lembro-me de eu ter lhe perguntado as horas, ela disse apenas: “É mais tarde do que você imagina.”. Juntos até o fim da festa. Ninguém os incomodou, o que parecia incrível. Também não perceberam o avanço das horas. Assim são as festas. Não, a festa já não era a mesma. Uns…
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A prometida história de fantasma
Comentou que naqueles tempos as mulheres eram de verdade, sem truques nem retoques da tecnologia. Mas eu lhe disse que era ingenuidade dele, que os retoques existiam desde a invenção da fotografia. Só tinha ficado mais fácil. “Hoje à noite, então. Vou esperar.” Cerveja no meu apartamento, coisa à toa, mas o Paulo Marcos nos…
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Tudo porque eram as páginas de um homem
Era apenas um homem. Mas era algo. Acreditava que o diário valesse por si só. Acreditava-se o que podia pensar, o que podia supor. Há algo de muito estranho em estar vivo. Haver vida. Tão desnecessário quanto não. Que mais você quer? Claro, nada a perder. A aventura está lançada, como qualquer moeda. E a…
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Óculos
Meu irmão mais velho editou outro volume de contos. Ele tem a vista perfeita, imune a quaisquer desvios, todo ele é contrário a mim, sendo eu o único míope entre os irmãos, pretendendo ansiosamente escrever contos como ele, escondendo do mundo meus rascunhos secretos, envergonhado de minha vasta miopia, esmagado por minha impotência, enquanto tento…
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Atrás de seu século, não existe nada
Pressentia seu aspecto ruinoso, historiado talvez por lembranças cinzentas e esmagadoras. Parecia louco. E nunca o vira tão lúcido. Não as palavras. O olhar. Claro que me lembro. Tenho certeza. Foi a primeira vez que me defrontei com o que mais tarde chamaria minha loucura. Mas, entenda, não é uma crise avulsa, um mal-estar de…
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Guia de mistérios urbanos
Que fenômenos são esses? E por que se ocultam em meio ao caos das grandes cidades? Talvez, como nas bibliotecas, a milhares de páginas significativas faltem ainda a faísca de uma necessidade ou de uma teimosia que as desperte. “[…] o universo é comparável a essas criptografias nas quais não valem todos os símbolos e…
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Um e outro, dois lados da coisa
Nem parecia a mesma da noite passada, a que lhe respondia movimentos ansiosos, transpirando impaciência. A placidez do sono, o casal lascivo. A inocência da morte. Os sintomas opressivos da crise iminente haviam implantado nele a impressão definitiva de ser, além de um homem, uma circunstância, uma peça provisória e frágil. Uma aparência insólita,…
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Últimas noites do burocrata obstinado
Novamente o sonho dos papeizinhos, e mal os sentia entre os dedos, escapando-lhe antes que pudesse recuperá-los e torná-los classificados aos seus devidos lugares, e essa agonia durou menos do que a outra. A noite seguinte trouxe-lhe pesados fichários que carregava com as duas mãos, porém algo inusitado e assombroso contrariava-lhe o ânimo e o…
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Girassol do mal
Demolido o bar de onde saíram, a própria cidade envelhecida de chuvas à margem de outra, num delírio surdo, mas vertiginoso, em que nada era ele. Disse que não falaria mais de Bruno, mas ele precisa voltar. “Júlio, eu estou dizendo: elas são umas taradinhas!” Ele não sabia de que mangas saíam as garotas que…
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Não gosto que me chamem assim
Eles perderam a graça de vigiar-me. E me olhavam feio. Mas quem ia perdendo as graças de qualquer maneira era eu, sem dúvida. Fim das férias. Os primeiros dias de serviço foram menos repugnantes, mais suportáveis do que eu previra. A começar pela nissei que atravessava minha manhã, sempre vinda da estação do metrô, sempre…
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Um relógio, por exemplo
O tempo é a oxidação da realidade, o sol causticante ou a umidade nociva que contribui para a lenta dissolução das coisas. Se reencontro um objeto que me serviu na infância, entendo que é o único resquício, tudo que restou do que não há mais. Esse mesmo objeto toma forma em minhas mãos apenas no…
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Por vezes, como uma canção de ninar
Voltaria outra manhã, que nunca é a mesma. O sempre das manhãs que voltam é que é sempre o mesmo. O que está acontecendo? Alguma coisa dá sinais de possuir-me, está presente. Não é apenas uma impressão. Mas não faço ideia do que seja. Quero crer que o cansaço tenha me alterado, quem sabe. O…
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Para se pensar em crocodilos e borboletas
As coisas da realidade mostravam-se sempre espantosas, ainda que alguém as visse todos os dias.Era preciso distrair-se delas, o que equivalia a vê-las todos os dias, para então assombrar-se, irresistivelmente. Água explodindo em sua cabeça, em seus ombros, o primeiro jato repentino antes que girasse de volta a torneira até adequar-se, e ao fluxo, a…
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Andante de um concerto barroco
A vida não é só para ser vivida, há algo mais que não compreendemos. Mas nada tão sério que não se possa atingir pela música. Como quando nos encontramos daquela vez, em casa de Ruth, sendo a noite a mesma, até a frequência da chuva parece reavivar minha memória daquela noite-hoje. Sim, mas vamos para…
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Um par de amigos, um caso ímpar
Que isso? Que isso que a Nasa está explorando Marte, a Europa está quebrando a cara, o Supremo julgando a bandidagem da política, e você… você… “Não entendo, velho.” Meu amigo, o Paulo Marcos, havia comprado um par de sapatos que depois demonstraram não lhe ter servido adequadamente, ao contrário do que lhe pareceu ao…
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Por quem o luto imprevisto?
Há um tempo para cada sentimento que se manifesta e que se dissipa. É preciso que seja assim. Trata-se da saúde emocional da humanidade. Vamos lá, você também deve ter tido uma experiência semelhante. E não? Tente recordar, registre-a. Era uma vez um gato xadrez… – começava assim uma velha cantiga, lembra? Você só quer…
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A primeira história mágica interrompida
Em outra fase conheci o fim da história. Antes não o soubesse: a duração desse enigma era motivo de eu estar vivo. A primeira vez que me lembra ter ouvido uma história deu-se, magicamente, em uma noite de chuva, e eu não estava em casa. Ao redor da cama, fazíamos um aglomerado de crianças curiosas…
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Homens (não tão) fortes à procura
Mas sim, voltava para incomodá-lo uma lembrança que podia jurar extraviada para sempre… Só depois de ter voltado pela quarta ou quinta vez aos mijadouros é que admitia estar perdendo o controle sobre sua lucidez. Enquanto urinava, tinha ânsias de vomitar, com o fedor morno daquelas latrinas. Paredes encardidas, riscadas à caneta ou a canivete.…
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Onde não havia palavras
Não me lembrava qual rei secular ou general antigo havia atravessado qual fronteira. Mas queria muito saber por que tudo aquilo havia desaparecido para sempre, após tantas desgraças. Nada mais intencional terá melhor resultado em nossos dias, aliás, bem pouco pôde ser feito desde que Machado, nosso feiticeiro-mor, e desde que Augusto, cientista das sombras,…
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Já viu o prédio onde ela mora?
Os endereços são transitórios ou duram toda uma vida, o que muda é estar alguém vivo para habitar sempre um mesmo lugar. Mas Treze, de alguma forma, atraíra-se por ele, vira algo diferente nele, o que nem sempre alguém notava. Pensa enquanto anda, anda enquanto pensa, nunca lhe faltara a resignada consciência de que não…
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Treze não era uma fada qualquer
Dessa vez teve vergonha de perguntar se ele vivera uma noite de sexo com ela. Mas mordia-se o lábio inferior, muito suavemente, com grande curiosidade. Não era bem uma carta, mas um bilhete. Foi bom ter conhecido você… E os momentos que passamos juntos… Por favor, não me procure mais… Aquele endereço que eu te…
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Mal dessas idades…
Eu me defrontava com trechos de outra profundidade. Sentia percorrer-me um arrepio singular, do fundo da existência. Mal dessas idades é estar sempre esperando. De outras também, ou será mal de todas as minhas idades, meu próprio mal transcorrendo ao fundo de todos os dias, caso eu o admita de uma vez, essa ingenuidade de…
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Herói sem rumo
Dentre as antigas aquarelas da memória e outros gestos de nuvens, tais são algumas das imagens que nunca se diluem. Coelho me havia feito recordá-las quando anunciou que os instrumentos se unissem. Eu as revejo sempre que quero retomar a esperança. “Corre, vai chamar todo mundo!”, ordenou-me o menino que comandava nosso time, com isso…
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Versos versus mundo
De um lado, as palavras (que podem mudar o mundo). Do outro lado, o mundo. Que não tem nada a ver com as palavras. Eu alugava um pequeno apartamento que Verena ajudou a transformar. Não só com objetos. Não só o apartamento. Foi ela quem me incentivou a deixar os cabelos compridos e a prendê-los…
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Adeus, Águas Claras
A chuva que caiu à tarde antecipou nossa partida em um dia.Romão dirigia um velho sedã de interior espaçoso. Verena ia ao seu lado. Que não se depreenda de meus escritos um clone de minha pessoa, aparentemente humano, mas sem sangue, sem carne, propenso a desejos metafísicos mais do que a desejos naturalmente mais intensos…
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O gineceu reconquistado
Nem sempre sabemos ao certo o que buscamos. Mas é algo que os covardes fingem ter encontrado para nos manter próximos de seus limites. Noite de lua clara. Romão, Cândido e Clemente iam ao concerto. Eu queria apenas estar sozinho, longe do som infernal que se espalhava pelo descampado, que parecia irradiar-se pelo mundo. Com…
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O centro em parte alguma
Meu inconsciente vê. Meus olhos são cegos. Sou muito pequeno para acreditar em alguma coisa. Não vejo. Não sei. E estou preso às correntes da vida, aos ciclos e ao tempo. “Pablo não apareceu hoje. Dona Norma não lhe perguntou nada?” “Não, senhor. Ela está preocupada?” “Um pouco, sim, senhor Júlio. Mas ele sempre volta.…
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Por que deixar rastros?
A vida é sempre uma transição, mas em alguns casos isso parece mais intenso. Os poetas já nascem derrotados, vencidos por uma realidade que impera contra sua sensibilidade para ninguém. Mais um dia pela frente. Nada para fazer. Cândido e Clemente queriam ver o rio ainda uma vez, antes de partirem no dia seguinte, não sei…
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Fronteiras de fumaça, luzes insuficientes
Os artistas se encontravam, ora irradiando alegrias, ora parecendo querer transmitir a todos um clima de sombria desesperança, como se numa determinada noite estivessem todos de acordo em considerar a vida um conjunto de melancólicas situações. Oásis. O outro bar. Música ao vivo. Cantor, violão, percussionista precariamente equipado: nem mais do que isso seria necessário…
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Mais uns dias, por que não?
Uma intensa sensação de alívio supondo-se que nossa vida tenha se cumprido. Porque nada precisa de nós. Nem as maiores instituições do mundo, nem os grilos mais próximos. Não fui ao concerto nessa noite. Tentei escrever à luz de uma lanterna, mas não pude concretizar um verso sequer. Suspirei desanimado, cansado mesmo, não só desse…
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A onda dentro de um vidro
Todas essas imagens e fatos mal explicados criavam uma atmosfera incômoda de mistério e impotência diante de alguma resposta inacessível. Creio que aí teria começado em mim uma necessidade muito intensa de conhecer a verdade. O mar às vezes é cinzento. Claro que sim. Você não sabia? Sei do que estou falando. Nossa cidade fica…
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Não apagou um agora mesmo?
Difícil reconhecer que tanto essas imagens soam exageradas quanto possíveis. Tanto quanto sua imaginação produz imagens sinistras, flui também, involuntariamente, a sequência que leva à aproximação daqueles rostos… Acende outro, não se importa com isso. Mas parece-lhe que o cigarro anterior se esfumou espaço fora sem que o percebesse. É preciso admitir. Não consegue evitar.…
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Truque bem-educado
Eu não queria admitir, mas sua proximidade me incomodava, acelerava-me a pulsação. Por motivos óbvios, digamos. No dia seguinte, ainda com Verena na cabeça, tentei escrever um poema. Até consegui terminá-lo. Mas ficou espichado, redundante, uma chatice. Não dava vontade de ler mais de uma vez, como ocorre com os bons poemas. Eu me propunha…
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Como cães farejadores
As infâncias parecem não envelhecer nunca. Júlio repassa retratos antigos: ali estão seus pais, seus tios e primos de seus pais, todos ainda crianças. Hoje, essas crianças não existem. E aquele mundo que as cercava, que era tudo, magicamente desapareceu. “Ei, moço!”, a mulher de rosto redondo e dentes irregulares, de sua barraca de bijuterias,…
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Treze descuida-se de um segredo
E como parecia desde o início acertado entre eles, com um mínimo de palavras e quase secretamente, seguiam em busca do lugar onde ficassem juntos, isolados dos que nada confessavam em diários íntimos. Dos que não se importavam com o registro. Dos que não precisavam saber… Alcançaram a larga avenida, de tráfego rápido e bem…
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Uau!
Quando ouvi a palavra, o código, as sílabas mágicas que me abriam seu nome, foi como se ela toda florescesse. Quando só há imagens é porque não encontramos ainda as palavras. O chá-mate escurecido, nunca o bastante que mesmo a manhã de nuvens não pudesse tornar claro, produziu um efeito extraordinário sobre meus sentidos. Eu…
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Treze pode continuar
Depois do que Bruno lhe dissera, ou tentara lhe dizer, ele a examinava com redobrada curiosidade, como tendo à sua frente a encarnação de alguma dissimulada feiticeira ou de uma misteriosa criatura mítica, influenciado por uns adereços, colares e pulseiras étnicas. Ruas obscuras, postes de lâmpadas anêmicas… – não terá sido um artifício romântico demais…
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Qualquer coisa morna
Ela tinha os olhos claros, vivos e brilhantes. Parecia inteligente, além do mais. E a beleza, como a inteligência, também assusta. Pela manhã, ergueram uma barraca em frente à nossa. Um grandalhão de barba e cabelos negros, curtos. Um rapaz magro mas musculoso, loiro de cabelos escorridos, corpo rígido, bermuda desfiada. Uma garota clara, robusta…
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Treze, uma abelha assassina?
“O que então? O que eu tenho a perder? Ela é algum tipo de maníaca, alguma abelha melífica, vai me assassinar depois de nos acasalarmos?” Bruno percebeu que ele já declinava a seus exemplos exagerados e obsessivos, próprios das situações em que não pretendia voltar atrás. “Você vai o quê?”, Bruno e seu cigarro pela…
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Os três patetas sem violência
Algumas latinhas nos puseram a pique. Dormimos com os cobertores trocados, nas posições mais incômodas que se pudessem conceber em uma barraca daquelas. Mais dois nomes, vá lá: Cândido e Clemente. Esses dois… Cada um deles, como dizem, uma flor de pessoa. Cândido Rosário Cruz e Clemente da Trindade. Identificavam-se comigo, porque também eu era…