Office in a Small City por Edward Hopper

Tag: ficção

  • Os extremos do grande sonho

    Isso era viver, ruas e trânsito humano, reconhecendo a repetição de incontáveis situações diárias sobrepondo-se a um passado acumulado no irreal, no insólito… Tornava a sentir-se respirando e andando, mãos retesadas contra a naturalidade dos movimentos, sangue cegamente visitando cada porção do corpo, isso era viver, ruas e trânsito humano, reconhecendo a repetição de incontáveis…


  • O rival de Churchill

    O rival de Churchill

    Reúne-se com amigos da mesma laia. Todos querem escrever alguma coisa, ninguém sabe por quê. A… CRI… SE… DO… MU… MUN… DO. Muito bem. Titulo sem erros. Centralizado. Conta os toques da linha, subtrai cada letra e espaço do que haverá de ser escrito, divide por dois, conta de novo… Perfeito. A crise do mundo: uma…


  • Música, ruídos: oásis e desertos

    Em contrapartida às considerações abrangentes, amplas, exteriores, opunha-se talvez uma certa necessidade de voltar-se ao centro, à unidade, que era de onde partia qualquer ideia do mundo. Bar do Tomás, depois o Oásis. Como sempre. Cerveja. Vodca. Rostos e corpos, mulheres ainda atraíam seus olhos, obscuramente. Música, breves sinais de bem-estar, mesmo assim sem o…


  • Outra das mil noites

    Receava que qualquer alteração pudesse interferir nessa surda harmonia matinal, quebrando sutilmente o feitiço. Que feitiço? O que era aquilo? Cedo demais para saber. “Assim… Mais forte…”, ela agora menos constrangida, menos hesitante, falando em outro tom, outra fluência. Que vida, não? Ele imaginava que alguém pudesse deliciar-se com sexo a noite toda. Ou o…


  • O que restou de sua grande e última decisão

    O dia que não tencionava viver. Um dia, apenas. A diferença entre tudo. Um dia todo se passara desde o veneno da véspera. Um dia todo para morrer. E fracassara. Quando conseguiu despertar novamente, sentiu como se apertassem suas têmporas com uma morsa. Veias latejando junto ao ouvido. Tonturas. Pontadas no cérebro. Dormira todo o…


  • Um título para isto

    Sempre essa miserável necessidade de ser amado por desconhecidos. Por uma legião de fantasmas que o julgam. O livro foi parar numas poucas livrarias, dois ou três exemplares em cada uma. São pontos de venda modestos, mal situados, pouco visitados, e A canção de pedra não se encontra exposta em nenhuma das vitrines, como o…


  • Senhores de tudo (e agora abençoados)

    E tudo se passa com tal naturalidade que nem mesmo os poetas se incomodam mais. E fazem versos sobre a nudez dos que amam, a sensualidade dos corpos, a solidão da alma e o antigo fato de não saberem quem são. Os bens da Terra, maiúscula mesmo, que é todo o planeta, e até agora…


  • A Noite das Vitaminas

    As venezianas denunciavam vagamente a altura do sol. Outra manhã. Mas não foi isso que o moveu à irresistível lassidão, o que lhe passou outra amostra da morte sob o peso de um sono extraordinariamente profundo. A água corria há algum tempo. Umafr est adec onsci ênci aof erec ia-l he out ravezu ma ponte…


  • O otimismo dos honestos

    O boato sobre a/o amante do doutor Aguiar, juntamente com os/as possíveis clientes envolvidos nas fraudes, já havia chegado ao Iraque. Paralelamente, corria a suspeita de que os tais documentos não assinados referiam-se a uma mesma pessoa, usando nomes falsos, chegando a se supor que havia ali algum envolvimento de uma eventual amante do doutor…


  • O diário de um morto. 6

    O diário de um morto. 6

    Enquanto ando, fecho uma das mãos, sentindo-a firme e obediente à minha força, tendo a convicção de estar vivo a senti-la, constatando sua realidade no extremo de meu braço. Vivo e sei que vivo, o que não significa nada. Quero esquecer que tanto me lembro. Página 113. Cidades em ruínas, poetas mortos, tentativa obstinada. Sinto…


  • Dos males, o verão. Parte 8

    Qualquer homem se apaixonaria por ela Epílogo A miséria e a desgraça sempre existiram. A miséria e a desgraça sempre existiram. A miséria e a desgraça sempre existiram. Com tais palavras, comecei meu dia, repetindo-as metodicamente enquanto caminhava, tentando esquecer os tipos que me cercavam como num pesadelo. Sempre existiram, desde que começamos a nos…


  • O diário de um morto. 5

    O diário de um morto. 5

    Estas mesmas ruas podem ter sido pântanos fabulosos onde os dinossauros ruminavam ervas. Sempre o mesmo lugar. Quanto tempo?. Página 81. Inseto e luminária, longa caminhada, pântanos com dinossauros. Lia à luz da luminária quando um inseto minúsculo voejou rumo à lâmpada e caiu morto sobre o papel muito claro. Tendo diante de mim o…


  • Dos males, o verão. Parte 7

    Estrela em meio ao caos IV Quinta foi talvez o dia mais quente de todos. Um inferno. A primeira coisa que fiz, pela manhã, foi rasgar o papel com o verso sobre a morte ser um poço, desistindo de meu grande poema. Eu o havia esquecido ali em cima, completamente, nem pensava mais no assunto.…


  • O sísifo da Rua Rocha

    O sísifo da Rua Rocha

    Enquanto isso, despertava, vestia-se, deslocava-se da precária pensão onde morava para o trabalho, contribuindo com a continuidade dos dias. Quando se deitava, percebia através das paredes a água vibrando macia dentro dos canos (que ele imaginava muito velhos) em direção aos reservatórios. Um ruído constante e quase secreto. Confundia as impressões que circulavam por seu…


  • O diário de um morto. 4

    O diário de um morto. 4

    A resposta a um enigma, quando encontrada, é sempre mais simples que o próprio enigma. Por vezes, simples demais, de uma simplicidade constrangedora, podendo ser resumida numa frase que surpreenderá a todos e chegará a ser infantil. Página 63. Identidade provisória, enigmas decifrados, relógios imprecisos, a garota grega, um pensamento simples. Meus dias escoam-se pela…


  • Dos males, o verão. Parte 6

    Dos males, o verão. Parte 6

    Encontro no bordel: novas esperanças O resto do dia, custou-me passar. Ao fim do expediente, perambulei um pouco pelas ruas até o cair da noite. Sentia-me fraco, com vertigens. Fui até um bar enfumaçado, no quarteirão de casas velhas, que serviam como prostíbulos, e meu coração encheu-se de esperanças. Entra-se por uma porta estreita de…


  • O diário de um morto. 3

    O diário de um morto. 3

    Eu que não espero nem avanço, antes de me deitar penso no que posso enquanto sou, dou corda ao relógio outra vez. A morte me orienta, me espanta e redime. Página 59. O imperador e o idiota, fósforo no passado, espectro de Munch, pessoas na esquina. Minha vida tem sido uma luta interior incessante entre…


  • Dos males, o verão. Parte 5

    Dos males, o verão. Parte 5

    Divagações com bolhas CAPÍTULO TERCEIRO (NO QUAL SE TRATA DESDE DIVAGAÇÕES COM BOLHAS A UMA DISCUSSÃO PARALELA DE ORDEM FILOSÓFICO-RELIGIOSA NUM BORDEL METROPOLITANO POUCO MOVIMENTADO) Pela manhã, jurei que não prestaria atenção aos ambulantes e desempregados que se multiplicavam pelas esquinas. Mas foi inevitável que ouvisse a voz arrastada de um sujeito moreno, sorriso matreiro…


  • O diário de um morto. 2

    O diário de um morto. 2

    Pode-se dizer que nossa consciência de mundo (e de universo) seja bastante desenvolvida com relação aos outros animais. De resto, em relação a quê? Página 55. Local de nascimento, questões de consciência, o alpinista. As pessoas têm de nascer em algum lugar, por isso estou aqui. Apenas isso. Não me ocorre nenhuma nação, povo ou…


  • De como perdemos Val

    De como perdemos Val

    A morte põe tudo em segundo plano. Os planos de todos em segundo plano. Porque todos os planos de todos não a levam em conta, e isso a ofende. “Oi! Fala, Souto, e aí, velhão?! Opa, quanto tempo, hein? E então? Quando é que nós vamos tomar uma?” “Dan, liga a TV.” “Como assim?” “Liga a…


  • O diário de um morto. 1

    O diário de um morto. 1

    Sei que os lugares existem independentemente de nós. Mas quando revejo um pátio, um ladrilho trincado, um tanque ou muro umedecido, sinto que os reinvento através de meus olhos, através do que me sinto sendo hoje. Ser o que sou hoje é a única maneira de revê-los. Página 27. Velha casa, sala de espera, chuva.…


  • O que fez com ela? – com o corpo dela?

    O que fez com ela? – com o corpo dela?

    Ela sente que uma única palavra pode quebrar o encanto. Pode estilhaçar a sequência do que vinha sendo exposto tão espontaneamente. “Quando lembro de outras namoradinhas que eu tive, quando penso na Regina e como era divertido ficar com ela no carro… Na Júnia, com aquele jeitinho dela de intelectual ativista, quando lembro de como…


  • O castigo de escolher

    O castigo de escolher

    Adivinha a solução do pesadelo. Não apenas desistir do mundo. Renunciar ao que é. Aqui está, Júlio, o momento que se aproxima, o que por fim o incita a mover-se pela última vez: o castigo de escolher. Por acaso, a TV. Cena de um filme que não tratava disso. A mulher que vivera todas as…


  • Dos males, o verão. Parte 4

    Dos males, o verão. Parte 4

    Pior é não ser o fim Além dos camelôs licenciados, há também verdadeiras legiões de ambulantes, em cada ponto do centro. São jovens e velhos, desempregados ou aposentados, homens e mulheres de meia-idade, lutando como podem para sobreviver sob o sol desta terra, contra o verão infeliz de nossas cidades. Ficam de pé, abordando os…


  • Nenhum gesto, nenhum grito

    Nenhum gesto, nenhum grito

    Ele por fim sorri com grande espontaneidade. Sorri como se… Muito interessante. Só agora me dou conta de que ele raramente sorria. Raramente sorria. Tal como o recordo. Sim, agora o percebo melhor. Agora, tão tarde. Nunca pensei que ele pudesse morrer, outro pensamento bastante tolo. Como estaria ele, eu pensava, numa noite escura e…


  • Acesso irresistível

    Acesso irresistível

    No fim, nunca soubemos o que lhe havia causado aquele acesso. O fato é que ele nos contagiou, nos pôs felizes por alguns minutos, irresistivelmente felizes. Por algum motivo, a rotina burocrática andava confusa, talvez o acúmulo de trabalho e o esgotamento natural, decorrentes de tais esforços contínuos, minassem o condicionamento dos funcionários, assim prejudicando…


  • Dos males, o verão. Parte 3

    Dos males, o verão. Parte 3

    A ameaça sombria de destinos possíveis Quando acordei, vi dois envelopes meio enfiados por baixo da porta, o que misteriosamente renovou-me uma centelha de esperança. Rasguei rapidamente o primeiro: Este é o momento ideal para você adquirir o nosso cartão de crédito… Depois, o segundo: Chegou a oportunidade que você tanto esperava para finalmente fazer…


  • Imagens recentes do funeral de Bruno

    Imagens recentes do funeral de Bruno

    Umas flores, lançadas com suavidade: o esquife descia ao som das últimas preces. Júlio não rezava. Não fingia. Aceitava as condições. Como não? Bruno. Vinte e cinco anos. O tempo não existe. E não existe mais para ele. Não os acidentes, Augusto. Não me incomodam os assassinatos, as tragédias coletivas. Mas a vertigem, meu caro,…


  • Dos males, o verão. Parte 2

    Dos males, o verão. Parte 2

    O verso extraordinário Os santos não eram santos. Mas sendo essa a imagem que guardamos deles, ou melhor, que nos guardaram cabeça adentro, o importante é que nos inspirem. Há ainda homens que não são canalhas. Esses talvez pertençam àquela seleta galeria de sábios, meia dúzia deles, por assim dizer, que a cada geração sustentam…


  • A eterna tolice de tentar

    A eterna tolice de tentar

    A súbita notícia ao fim daquela tarde cinzenta, a tarde de nuvens da qual ele jamais regressaria. Júlio apertou a gola do casaco. Aquele vento era irmão de chuvas. Nas escadas, ele lhe voltou. Em meio ao trabalho quase esquecido, o trecho em que soubera registrar sua solidão atravessara as barreiras insólitas do tempo para…


  • No tempo (e no templo) das enciclopédias

    No tempo (e no templo) das enciclopédias

    Não importa o que se faça de insano, alguém sempre corre o risco de aparecer numa enciclopédia. ALBINONI, Tomaso – compositor italiano (Veneza, 1671 – idem, 1750) Músico barroco que só se tornou conhecido do público cerca de duzentos anos após sua morte. Com relação à inumerável produção de alguns de seus contemporâneos, Albinoni escreveu…


  • Dos males, o verão. Parte 1

    Dos males, o verão. Parte 1

    Cordeiro, a salvação O que de mais belo conheci na Terra, Nathanael, é minha fome.  – André Gide, Os frutos da terra 1 Meu dinheiro acabou ontem. A cinco dias do salário. E o escritório não concede vales a quem quer que seja. Convenci a dona da pensão a também esperar mais uns dias, já…


  • Coisas não tão graves

    Coisas não tão graves

    Vanda, mais uma pessoa – e seu sonho de si, sua denúncia de fraude. Pareceu aliviada quando eu lhe disse que não estava magoado, apenas surpreso. Que não a censurava, e talvez fizesse o mesmo se me atraísse outra mulher. Ela tinha de escolher aquele lugar. Galerias, vitrinas espelhadas, lojas e lanchonetes, tudo o que…


  • O aniversário dos macacos

    O aniversário dos macacos

    Ele, uma criatura solitária, taciturna, alguém que diariamente assistia à dissolução da luz que parecia duradoura, à gradual escuridão da noite de todos os dias. Como seus parentes humanos, não sabia ao certo o que o incomodava quando envolvido com um desses momentos.Vinte e cinco anos, disseram. Uma aglomeração de visitantes festivos, que fizeram questão…


  • Uma sombra a caminho

    Uma sombra a caminho

    Ali estavam as bonitas pernas de Lea, de proporções prontas a qualquer prova, o desafio velado à concretização de um desejo, às expectativas de um artista ou às expectativas masculinas apenas. Manhã de sábado, algum vento. Sol ameno, agradável. Temperatura de outono. Júlio respirava o dia como se todos os fantasmas se dissipassem de uma…


  • Raimundo Terra planeja seu suicídio

    Raimundo Terra planeja seu suicídio

    Atores, atrizes? Não passam de produtos, quem não sabe disso? Usados, como todos. Parecem deuses, mas têm intestinos.Selada a última carta, desce às ruas. O apartamento, trancado pela última vez. Última, suspira. Tem o absurdo cuidado de levar o guarda-chuva, que uma garoa alternada com chuvisqueiros insiste sobre a cidade por esses dias. Próximo aos…


  • A menos que se instalassem dois sóis

    A menos que se instalassem dois sóis

    Dia e noite poderiam ser suprimidos se o planeta não girasse, um acaso mecânico, nada é tão místico assim. Mas haveria, de qualquer maneira, um grande lado escuro e um grande lado claro… Da primeira vez que ouvira esse adágio, sem mesmo conhecê-lo por nome, tivera o intenso e grandioso desejo de que por toda…


  • O Morro dos Lobos

    O Morro dos Lobos

    Na vila, todo mundo o conhece: o Quim da fazenda. Quim Bento, o bobão.Ninguém ficava imune ao sorriso em viés, aos desastrados acenos de braços curtos. Outro sobrevivente do massacre dos pioneiros. Do tempo em que eu, tolamente, acreditava poder ser um novo Guimarães Rosa. Mas não pode haver outro Guimarães Rosa. Nem outro Machado…


  • Voyager 2

    Voyager 2

    Será que ainda não contaram isso a ninguém? A jovem locutora à frente da tela sorri às vezes, irradiando encantos.Meus semelhantes seguem tranquilos, serenos e responsáveis como se cada um deles… “Boa noite, capital! Temperatura em declínio, deve cair mais amanhã. Esta é a estação mais alegre da cidade!” Todo telejornal tem um mapa-múndi ao…


  • Peter Pan na toalha

    Peter Pan na toalha

    O preço que se paga por ser homem é a solidão.De outra forma esse homem transforma-se em cidadão, funcionário, pai e esposo, ou qualquer outra espécie de artigo devidamente catalogado. Um antigo conto que sobreviveu ao massacre dos pioneiros. Dos 20 aos 25 anos, escrevi uma quantidade de contos, movido por aquele impulso cego do…


  • Passeios, pensamentos, posições

    Passeios, pensamentos, posições

    Exageros à parte: podia haver algo mais perverso que a natureza? Suas relações de brutalidade, sua fome de preservar-se, ainda que para isso não apresente sequer um objetivo, uma razão que a justifique. Ela o arrasta ao centro, às lojas, às confecções. À papelaria. Os emblemas, as gravuras, os adesivos, os pôsteres, os cadernos. Os…


  • Nós, os fortes, te agradecemos

    Nós, os fortes, te agradecemos

    Uma maneira secreta de aceitar e negar a nitidez do mundo, seus perigos, seu silêncio. Os ruídos que o revelam antes da música. Olhando entre a noite e as grades do Orquidário e seu bosque, outra vez o que me invade ronda a alameda em perspectiva: postes de duas lâmpadas, sob globos sem rosto, bases…


  • Competências, habilidades, trabalho em grupo

    Competências, habilidades, trabalho em grupo

    Sentada no carpete da sala, pernas cruzadas. Ela tem um caderno no colo, bate de leve com a caneta no joelho. Coça a cabeça com as duas mãos, revolvendo os cabelos atrás das orelhas. Franze a testa. Chupa a caneta. Ele se faz de preocupado. “Boa noite, capital! A máxima hoje foi de 15 graus,…


  • Sem ação, sem reação

    Sem ação, sem reação

      Mas não era difícil ver que eu andava abatido e indiferente. Nem o tombo do Expedito me havia entusiasmado muito. A única coisa diferente que me lembra haver marcado um desses dias foi quando o Heitor Expedito despencou da escadaria, logo após haver dito ao doutor Aguiar que num instante lhe traria uma tal pasta…


  • (O sol na primavera desperta odores pestilentos…)*

    (O sol na primavera desperta odores pestilentos…)*

    Sinto a necessidade do registro, contra a crença geral de que todos os idiomas serão extintos. Talvez eu guarde, entre meus sonhos, uma resposta proibida. * Título convencionado para identificar o manuscrito que segue, reproduzido, tanto quanto possível, sem lacunas e integralmente. O sol na primavera desperta odores pestilentos, mefíticos, sei. Gases e oxidações de…


  • De intimidades e ousadias

    De intimidades e ousadias

    Já não tinha forças para dizer o que fosse, a palavra mágica que a tudo abrangesse. Olhos fechados, por um momento ele sentiu que sonhava com os livros. Júlio e Vanda acreditam, mas não ousam confessar, nem um ao outro nem a qualquer pessoa, que vivem uma grande paixão, assim evitando exposições inúteis, quando tudo…


  • As duas vidas de Edmundo Campos

    As duas vidas de Edmundo Campos

    Fatias de mundo, história fragmentada (um dia apenas) em tantas cidades e países. Cristaliza-se o passado. Passado da humanidade, registro dos grandes eventos. A memória de cada pessoa. A literatura tem páginas de anjo, ratos sonhando, monstros melancólicos, outros nem tanto. – Very literary dreams, cap. II, p.11 (2a. edição, Vinci, 1766) Vera não o…


  • Não foi tão ruim, mas foi ruim

    Não foi tão ruim, mas foi ruim

    Nós, gordos e magros. Gerações que se sucedem e se repetem. Gente entrando e saindo, gente sentada ou de pé. Dançando, bebendo. Beijando-se. Desaparecendo. Todos mais ou menos semelhantes, o que absolutamente não serve de consolo. Abriu a porta. Estava de preto. Maquiada, cabelos presos. Vestido curto, justo, fechado no peito até o pescoço, ombros…


  • Os retratos de Marta Rosana

    Os retratos de Marta Rosana

    A sociedade, penso eu (mas não lhe digo), é basicamente formada pelos que se salvaram, inclusive da miséria. Os outros (que outros?) não provarão da aventura humana. Vamos entrar vamos entrar, diz o velho com certa impaciência. A onda aromática invade-me as narinas. Móveis antigos, o mofo das cortinas e o próprio velho causam-me certa…


  • Testamento entre suas últimas manias

    Testamento entre suas últimas manias

    Da última vez que estivera em seu apartamento, Júlio guardara a sinistra impressão de que os móveis, as coisas estavam todas no lugar como se há muito tempo ninguém morasse ali. A ordem especial que era a própria imagem do abandono, a ordem cheia de presságios de quem, absurdamente, esperava morrer. Não importa que tudo…