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Categoria: Romance
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O castigo de escolher
Adivinha a solução do pesadelo. Não apenas desistir do mundo. Renunciar ao que é. Aqui está, Júlio, o momento que se aproxima, o que por fim o incita a mover-se pela última vez: o castigo de escolher. Por acaso, a TV. Cena de um filme que não tratava disso. A mulher que vivera todas as…
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Nenhum gesto, nenhum grito
Ele por fim sorri com grande espontaneidade. Sorri como se… Muito interessante. Só agora me dou conta de que ele raramente sorria. Raramente sorria. Tal como o recordo. Sim, agora o percebo melhor. Agora, tão tarde. Nunca pensei que ele pudesse morrer, outro pensamento bastante tolo. Como estaria ele, eu pensava, numa noite escura e…
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Acesso irresistível
No fim, nunca soubemos o que lhe havia causado aquele acesso. O fato é que ele nos contagiou, nos pôs felizes por alguns minutos, irresistivelmente felizes. Por algum motivo, a rotina burocrática andava confusa, talvez o acúmulo de trabalho e o esgotamento natural, decorrentes de tais esforços contínuos, minassem o condicionamento dos funcionários, assim prejudicando…
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Imagens recentes do funeral de Bruno
Umas flores, lançadas com suavidade: o esquife descia ao som das últimas preces. Júlio não rezava. Não fingia. Aceitava as condições. Como não? Bruno. Vinte e cinco anos. O tempo não existe. E não existe mais para ele. Não os acidentes, Augusto. Não me incomodam os assassinatos, as tragédias coletivas. Mas a vertigem, meu caro,…
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A eterna tolice de tentar
A súbita notícia ao fim daquela tarde cinzenta, a tarde de nuvens da qual ele jamais regressaria. Júlio apertou a gola do casaco. Aquele vento era irmão de chuvas. Nas escadas, ele lhe voltou. Em meio ao trabalho quase esquecido, o trecho em que soubera registrar sua solidão atravessara as barreiras insólitas do tempo para…
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No tempo (e no templo) das enciclopédias
Não importa o que se faça de insano, alguém sempre corre o risco de aparecer numa enciclopédia. ALBINONI, Tomaso – compositor italiano (Veneza, 1671 – idem, 1750) Músico barroco que só se tornou conhecido do público cerca de duzentos anos após sua morte. Com relação à inumerável produção de alguns de seus contemporâneos, Albinoni escreveu…
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Coisas não tão graves
Vanda, mais uma pessoa – e seu sonho de si, sua denúncia de fraude. Pareceu aliviada quando eu lhe disse que não estava magoado, apenas surpreso. Que não a censurava, e talvez fizesse o mesmo se me atraísse outra mulher. Ela tinha de escolher aquele lugar. Galerias, vitrinas espelhadas, lojas e lanchonetes, tudo o que…
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Uma sombra a caminho
Ali estavam as bonitas pernas de Lea, de proporções prontas a qualquer prova, o desafio velado à concretização de um desejo, às expectativas de um artista ou às expectativas masculinas apenas. Manhã de sábado, algum vento. Sol ameno, agradável. Temperatura de outono. Júlio respirava o dia como se todos os fantasmas se dissipassem de uma…
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A menos que se instalassem dois sóis
Dia e noite poderiam ser suprimidos se o planeta não girasse, um acaso mecânico, nada é tão místico assim. Mas haveria, de qualquer maneira, um grande lado escuro e um grande lado claro… Da primeira vez que ouvira esse adágio, sem mesmo conhecê-lo por nome, tivera o intenso e grandioso desejo de que por toda…
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Voyager 2
Será que ainda não contaram isso a ninguém? A jovem locutora à frente da tela sorri às vezes, irradiando encantos.Meus semelhantes seguem tranquilos, serenos e responsáveis como se cada um deles… “Boa noite, capital! Temperatura em declínio, deve cair mais amanhã. Esta é a estação mais alegre da cidade!” Todo telejornal tem um mapa-múndi ao…
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Passeios, pensamentos, posições
Exageros à parte: podia haver algo mais perverso que a natureza? Suas relações de brutalidade, sua fome de preservar-se, ainda que para isso não apresente sequer um objetivo, uma razão que a justifique. Ela o arrasta ao centro, às lojas, às confecções. À papelaria. Os emblemas, as gravuras, os adesivos, os pôsteres, os cadernos. Os…
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Competências, habilidades, trabalho em grupo
Sentada no carpete da sala, pernas cruzadas. Ela tem um caderno no colo, bate de leve com a caneta no joelho. Coça a cabeça com as duas mãos, revolvendo os cabelos atrás das orelhas. Franze a testa. Chupa a caneta. Ele se faz de preocupado. “Boa noite, capital! A máxima hoje foi de 15 graus,…
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Sem ação, sem reação
Mas não era difícil ver que eu andava abatido e indiferente. Nem o tombo do Expedito me havia entusiasmado muito. A única coisa diferente que me lembra haver marcado um desses dias foi quando o Heitor Expedito despencou da escadaria, logo após haver dito ao doutor Aguiar que num instante lhe traria uma tal pasta…
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De livros e desejos adormecidos
Seu drama era vivido ali, entre duas páginas abertas. Sobre as águas do majestoso fiorde, a barcaça funerária ardia em cores intensas. Outras pessoas enlutadas assistiam solenemente ao rito. Os livros associaram-se a alguns primeiros sinais de que me lembro. Antecipavam sensações mais tarde vividas em condições rotineiras, mas enriquecidas de uma estranha aura de…
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De intimidades e ousadias
Já não tinha forças para dizer o que fosse, a palavra mágica que a tudo abrangesse. Olhos fechados, por um momento ele sentiu que sonhava com os livros. Júlio e Vanda acreditam, mas não ousam confessar, nem um ao outro nem a qualquer pessoa, que vivem uma grande paixão, assim evitando exposições inúteis, quando tudo…
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Não foi tão ruim, mas foi ruim
Nós, gordos e magros. Gerações que se sucedem e se repetem. Gente entrando e saindo, gente sentada ou de pé. Dançando, bebendo. Beijando-se. Desaparecendo. Todos mais ou menos semelhantes, o que absolutamente não serve de consolo. Abriu a porta. Estava de preto. Maquiada, cabelos presos. Vestido curto, justo, fechado no peito até o pescoço, ombros…
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Testamento entre suas últimas manias
Da última vez que estivera em seu apartamento, Júlio guardara a sinistra impressão de que os móveis, as coisas estavam todas no lugar como se há muito tempo ninguém morasse ali. A ordem especial que era a própria imagem do abandono, a ordem cheia de presságios de quem, absurdamente, esperava morrer. Não importa que tudo…
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As folhas tenras da alface
Quando pequeno, imaginava que as frutas e as verduras, ao contrário de nascerem animais ou gente, aceitavam ser o que eram para que eu as saboreasse à mesa. Possuí-la à sombra e à luz de Gauguin foi mais do que eu poderia esperar. Esse privilégio aumentava a dimensão de meu prazer, nem tanto por integrar-me…
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À luz amarelada de Gauguin
À noite, alheia a tudo o que possuía, fecharia os olhos, guardando-os mansamente como se antes deles, antes dela, nunca houvesse acontecido qualquer outra coisa. Júlio deliciava-se com o vinho branco. Os cubinhos de queijo também o comoviam com seu sabor, arrancando-lhe patéticos gemidos de satisfação. Só Vanda ele não havia provado ainda. Para começar…
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Queijo, vinho e… “o disco novo dele”
Um ligeiro arrependimento de não ter sido um dia forte o bastante para lutar por Treze. E logo afastou esse pensamento também, chegando a achá-lo engraçado, até mesmo sem sentido, que coisa estranha é o amor. Este, o andar. Como um simples aviso pode me incomodar assim? Júlio comprimindo os lábios e girando a cabeça,…
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A edificante manutenção do tédio
Nunca tantos me aborreceram tanto em tão pouco tempo. E eu, que punha em dúvida minhas próprias opiniões, já não podia mais que desprezar as deles. Pradinho queria saber de minha volta à cidade. Atirei-lhe uma ou duas palavras que deveriam bastar, mas não: ele aproveitava tudo. “Não é todo mundo que suporta esta cidade.…
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Por sorte, algo sobre o sábado
Contava os dias da semana tentando fixar na memória as feições de seu rosto que, por escapar-lhe à nitidez no princípio, quase o fizera acreditar que não estivesse apaixonado. Vanda chegara no outono especialmente para contagiá-lo com a nebulosa impressão de que alguma coisa, afinal, começava a dar certo. No outono? E daí? Isso eram…
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Foi bom ela não ter vindo
Eu tinha a impressão de que Vanda se parecia com Bruno. Era despreocupada e sensual. Para minha sorte, talvez, ele conhecera Lea primeiro, ela que também merecia sem muito esforço a atenção dos homens, outro estilo de fêmea… Meia hora andando em círculos no saguão de entrada. Os mesmos cartazes revistos dezenas de vezes causavam-lhe…
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Muito, muito desconfiados
“Quem irá controlar os mercados, as fusões, as evasões de capital, os destinos dos que trabalham? Quem será que vai nos esmagar?” Todos desconfiavam de minha sanidade mental. No mais, levando-se em conta as graves crises sucessivas que atravessam a nação, naturalmente meus colegas vivem tentando explicar por que vai tudo sempre tão mal, contando…
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… e esquecer o resto
Ajude-me, se me distraio. Lembro-me de eu ter lhe perguntado as horas, ela disse apenas: “É mais tarde do que você imagina.”. Juntos até o fim da festa. Ninguém os incomodou, o que parecia incrível. Também não perceberam o avanço das horas. Assim são as festas. Não, a festa já não era a mesma. Uns…
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Tudo porque eram as páginas de um homem
Era apenas um homem. Mas era algo. Acreditava que o diário valesse por si só. Acreditava-se o que podia pensar, o que podia supor. Há algo de muito estranho em estar vivo. Haver vida. Tão desnecessário quanto não. Que mais você quer? Claro, nada a perder. A aventura está lançada, como qualquer moeda. E a…
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Atrás de seu século, não existe nada
Pressentia seu aspecto ruinoso, historiado talvez por lembranças cinzentas e esmagadoras. Parecia louco. E nunca o vira tão lúcido. Não as palavras. O olhar. Claro que me lembro. Tenho certeza. Foi a primeira vez que me defrontei com o que mais tarde chamaria minha loucura. Mas, entenda, não é uma crise avulsa, um mal-estar de…
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Um e outro, dois lados da coisa
Nem parecia a mesma da noite passada, a que lhe respondia movimentos ansiosos, transpirando impaciência. A placidez do sono, o casal lascivo. A inocência da morte. Os sintomas opressivos da crise iminente haviam implantado nele a impressão definitiva de ser, além de um homem, uma circunstância, uma peça provisória e frágil. Uma aparência insólita,…
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Girassol do mal
Demolido o bar de onde saíram, a própria cidade envelhecida de chuvas à margem de outra, num delírio surdo, mas vertiginoso, em que nada era ele. Disse que não falaria mais de Bruno, mas ele precisa voltar. “Júlio, eu estou dizendo: elas são umas taradinhas!” Ele não sabia de que mangas saíam as garotas que…
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Não gosto que me chamem assim
Eles perderam a graça de vigiar-me. E me olhavam feio. Mas quem ia perdendo as graças de qualquer maneira era eu, sem dúvida. Fim das férias. Os primeiros dias de serviço foram menos repugnantes, mais suportáveis do que eu previra. A começar pela nissei que atravessava minha manhã, sempre vinda da estação do metrô, sempre…
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Um relógio, por exemplo
O tempo é a oxidação da realidade, o sol causticante ou a umidade nociva que contribui para a lenta dissolução das coisas. Se reencontro um objeto que me serviu na infância, entendo que é o único resquício, tudo que restou do que não há mais. Esse mesmo objeto toma forma em minhas mãos apenas no…
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Por vezes, como uma canção de ninar
Voltaria outra manhã, que nunca é a mesma. O sempre das manhãs que voltam é que é sempre o mesmo. O que está acontecendo? Alguma coisa dá sinais de possuir-me, está presente. Não é apenas uma impressão. Mas não faço ideia do que seja. Quero crer que o cansaço tenha me alterado, quem sabe. O…
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Para se pensar em crocodilos e borboletas
As coisas da realidade mostravam-se sempre espantosas, ainda que alguém as visse todos os dias.Era preciso distrair-se delas, o que equivalia a vê-las todos os dias, para então assombrar-se, irresistivelmente. Água explodindo em sua cabeça, em seus ombros, o primeiro jato repentino antes que girasse de volta a torneira até adequar-se, e ao fluxo, a…
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Por quem o luto imprevisto?
Há um tempo para cada sentimento que se manifesta e que se dissipa. É preciso que seja assim. Trata-se da saúde emocional da humanidade. Vamos lá, você também deve ter tido uma experiência semelhante. E não? Tente recordar, registre-a. Era uma vez um gato xadrez… – começava assim uma velha cantiga, lembra? Você só quer…
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A primeira história mágica interrompida
Em outra fase conheci o fim da história. Antes não o soubesse: a duração desse enigma era motivo de eu estar vivo. A primeira vez que me lembra ter ouvido uma história deu-se, magicamente, em uma noite de chuva, e eu não estava em casa. Ao redor da cama, fazíamos um aglomerado de crianças curiosas…
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Homens (não tão) fortes à procura
Mas sim, voltava para incomodá-lo uma lembrança que podia jurar extraviada para sempre… Só depois de ter voltado pela quarta ou quinta vez aos mijadouros é que admitia estar perdendo o controle sobre sua lucidez. Enquanto urinava, tinha ânsias de vomitar, com o fedor morno daquelas latrinas. Paredes encardidas, riscadas à caneta ou a canivete.…
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Onde não havia palavras
Não me lembrava qual rei secular ou general antigo havia atravessado qual fronteira. Mas queria muito saber por que tudo aquilo havia desaparecido para sempre, após tantas desgraças. Nada mais intencional terá melhor resultado em nossos dias, aliás, bem pouco pôde ser feito desde que Machado, nosso feiticeiro-mor, e desde que Augusto, cientista das sombras,…
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Já viu o prédio onde ela mora?
Os endereços são transitórios ou duram toda uma vida, o que muda é estar alguém vivo para habitar sempre um mesmo lugar. Mas Treze, de alguma forma, atraíra-se por ele, vira algo diferente nele, o que nem sempre alguém notava. Pensa enquanto anda, anda enquanto pensa, nunca lhe faltara a resignada consciência de que não…
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Treze não era uma fada qualquer
Dessa vez teve vergonha de perguntar se ele vivera uma noite de sexo com ela. Mas mordia-se o lábio inferior, muito suavemente, com grande curiosidade. Não era bem uma carta, mas um bilhete. Foi bom ter conhecido você… E os momentos que passamos juntos… Por favor, não me procure mais… Aquele endereço que eu te…
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Mal dessas idades…
Eu me defrontava com trechos de outra profundidade. Sentia percorrer-me um arrepio singular, do fundo da existência. Mal dessas idades é estar sempre esperando. De outras também, ou será mal de todas as minhas idades, meu próprio mal transcorrendo ao fundo de todos os dias, caso eu o admita de uma vez, essa ingenuidade de…
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Herói sem rumo
Dentre as antigas aquarelas da memória e outros gestos de nuvens, tais são algumas das imagens que nunca se diluem. Coelho me havia feito recordá-las quando anunciou que os instrumentos se unissem. Eu as revejo sempre que quero retomar a esperança. “Corre, vai chamar todo mundo!”, ordenou-me o menino que comandava nosso time, com isso…
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Versos versus mundo
De um lado, as palavras (que podem mudar o mundo). Do outro lado, o mundo. Que não tem nada a ver com as palavras. Eu alugava um pequeno apartamento que Verena ajudou a transformar. Não só com objetos. Não só o apartamento. Foi ela quem me incentivou a deixar os cabelos compridos e a prendê-los…
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Adeus, Águas Claras
A chuva que caiu à tarde antecipou nossa partida em um dia.Romão dirigia um velho sedã de interior espaçoso. Verena ia ao seu lado. Que não se depreenda de meus escritos um clone de minha pessoa, aparentemente humano, mas sem sangue, sem carne, propenso a desejos metafísicos mais do que a desejos naturalmente mais intensos…
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O gineceu reconquistado
Nem sempre sabemos ao certo o que buscamos. Mas é algo que os covardes fingem ter encontrado para nos manter próximos de seus limites. Noite de lua clara. Romão, Cândido e Clemente iam ao concerto. Eu queria apenas estar sozinho, longe do som infernal que se espalhava pelo descampado, que parecia irradiar-se pelo mundo. Com…
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O centro em parte alguma
Meu inconsciente vê. Meus olhos são cegos. Sou muito pequeno para acreditar em alguma coisa. Não vejo. Não sei. E estou preso às correntes da vida, aos ciclos e ao tempo. “Pablo não apareceu hoje. Dona Norma não lhe perguntou nada?” “Não, senhor. Ela está preocupada?” “Um pouco, sim, senhor Júlio. Mas ele sempre volta.…
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Por que deixar rastros?
A vida é sempre uma transição, mas em alguns casos isso parece mais intenso. Os poetas já nascem derrotados, vencidos por uma realidade que impera contra sua sensibilidade para ninguém. Mais um dia pela frente. Nada para fazer. Cândido e Clemente queriam ver o rio ainda uma vez, antes de partirem no dia seguinte, não sei…
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Fronteiras de fumaça, luzes insuficientes
Os artistas se encontravam, ora irradiando alegrias, ora parecendo querer transmitir a todos um clima de sombria desesperança, como se numa determinada noite estivessem todos de acordo em considerar a vida um conjunto de melancólicas situações. Oásis. O outro bar. Música ao vivo. Cantor, violão, percussionista precariamente equipado: nem mais do que isso seria necessário…
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Mais uns dias, por que não?
Uma intensa sensação de alívio supondo-se que nossa vida tenha se cumprido. Porque nada precisa de nós. Nem as maiores instituições do mundo, nem os grilos mais próximos. Não fui ao concerto nessa noite. Tentei escrever à luz de uma lanterna, mas não pude concretizar um verso sequer. Suspirei desanimado, cansado mesmo, não só desse…
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Não apagou um agora mesmo?
Difícil reconhecer que tanto essas imagens soam exageradas quanto possíveis. Tanto quanto sua imaginação produz imagens sinistras, flui também, involuntariamente, a sequência que leva à aproximação daqueles rostos… Acende outro, não se importa com isso. Mas parece-lhe que o cigarro anterior se esfumou espaço fora sem que o percebesse. É preciso admitir. Não consegue evitar.…
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Truque bem-educado
Eu não queria admitir, mas sua proximidade me incomodava, acelerava-me a pulsação. Por motivos óbvios, digamos. No dia seguinte, ainda com Verena na cabeça, tentei escrever um poema. Até consegui terminá-lo. Mas ficou espichado, redundante, uma chatice. Não dava vontade de ler mais de uma vez, como ocorre com os bons poemas. Eu me propunha…