Office in a Small City por Edward Hopper

Categoria: Os últimos dias de agosto

  • Páginas claras, penumbra (trecho)

    … que acontecem Texto apresentado no evento promovido por Irene Coimbra, no Hotel Village Inn, abril 2019. O trecho a seguir é parte do romance Os últimos dias de agosto, meu primeiro trabalho nesse gênero. Eu o comecei aos 19 anos e terminei aos 27. ………. É preciso contar. Sempre que o torvelinho de situações,…


  • Quase sem rumo

    Na mesma manhã, ele se lembrava, em que ela em especial lhe sorrira, demorando-se a recolher os dentes sob os lábios dilatados, depois conservando o sorriso ainda na boca fechada, ele lhe fizera, em um guardanapo de papel, o seguinte desenho (com a correspondente inscrição): XÍCARAS A JATO VIAGENS FASCINANTES PODEM NASCER DO CAFÉ DA…


  • A esperança lhe arranha a testa

    A esperança lhe arranha a testa

    Primavera. Uma esperança, não é? Outro lapso, claro. Vamos, vamos. As esperanças não são nada, lembra? Dia de sol ameno, correntes menos frias e temperatura média, facilitando-lhe afastar pensamentos idiotas desagradáveis enquanto lhe proporcionavam pensamentos idiotas agradáveis. Agosto ia ao fim. Como parte da confusão climática que o planeta vivia nos últimos anos, a primavera…


  • Um dado de um jogo de dados

    Desceu correndo as escadas, por pouco não tropeçando em Pablo e Cândido, que o fitavam com seu costumeiro sarcasmo de esfinge, incomodados por terem perturbado seu sossego. Você também provou de um veneno infalível, acreditou no que escrevi certa vez – o tempo todo em que estive sozinho à mesa deste café, revendo meu diário…


  • A um passo de seu rosto

    Dedicava a ela, por mero machismo, o desfecho de seus duelos secretos. Sua parcela de ridículo triunfo. O bom menino em nome da classe humana. O fiel e medíocre representante da história e de tudo o que não queria mais representar. Desceram ao subterrâneo, deixando para trás o fim de tarde nublado. Junto à faixa…


  • Perto daquela estátua estranha

    “Também uma exposição retrospectiva de contemporâneos no outro pavilhão, olha só.” “Estranho…” “Estranho o quê?” “Se são contemporâneos, como pode ser retrospectiva?” “Que bobo. Nossa, mas que bobo. Não sei por que perco meu tempo com você.” “É a primeira vez que você me telefona no escritório. A que devo esse prazer?” “Não seja cretino,…


  • Um rosto aos 25 anos

    Um ano além dos calendários previstos, que para ele passava a significar um século, uma espécie de período em que as horas não se definiam pela posição do sol, mas pela perspectiva de um encontro. Num momento de patético lirismo, lembrou-se do que uma vez havia escrito em seu diário sobre Vanda e as verduras,…


  • O mito do animal-mestre

    “Você tem alguma história parecida com a do seu amigo?” “Não. Não me lembro de nada parecido.” “É porque tenho a impressão de que você tem sempre algo a dizer.”  “Quem pediu pão de queijo?! Não é possível…” “Bruno me dizia, por exemplo, ‘Vou contar uma coisa que eu nunca contei pra ninguém, nem pra…


  • Eu tenho um diário

    O que me estranha é sermos sempre nós os que vivemos. E todas as civilizações extintas não valem mais do que o nosso dia. Júlio se preocupava com coisas pequenas e também se preocupava com coisas grandes. Sabia que um detalhe da natureza, uma minúcia bem considerada, podia atenuar um grande mistério. Sabia também que…


  • Explicação do surgimento da mancha sinistra

    Só uma situação de escandalosa obscenidade poderia salvar uma cena como essa, entre dois personagens mal conhecidos, declinando à caricatura. Quem lhe indicara o médico: uma colega de trabalho, a Maria das Graças. Maria das Graças: casada conforme as aparências, mãe de dois adolescentes, no fundo ansiosa pela oportuna aventura que a conduzisse a um…


  • Advento da mancha sinistra

    Mas devo reconhecer que não foi de todo um golpe baixo. Pouco antes, um anjo mensageiro, vindo do nada entre a multidão, surgiu à minha frente, era o sinal: uma criatura loira, cabelos claros e longos, vestido alvo, de tecido leve – só não estava descalça, o que era de se esperar de um anjo…


  • E os trens funcionando perfeitamente

    “De onde vem sua coragem? Você já pensou nisso?” “Não preciso de muita coragem”, Estela com estranha naturalidade. “Coragem não para os grandes obstáculos ou eventuais tragédias”, Júlio estreitando os olhos contra o vento. “Coragem para atravessar um dia qualquer, sabe, sem chuva nem contratempos.” Identificava sempre o prenúncio de uma remota alegria quando encontrava…


  • Classificados, respeitados, esquecidos

    Nascimento e morte, curiosos registros. Os critérios se contradizem, a cada época sua necessidade e moral. René F. A. Sully-Prudhomme (1839-1907) – França Theodor Mommsen (1817-1903) – Alemanha Björnstjerne Björnson (1832-1910) – Noruega Frédéric Mistral (1830-1914) – França Jose Echegaray (1832-1916) – Espanha Henryk […] A lista prossegue até o presente. Talvez atravesse os séculos…


  • Síntese de cristal e sombra

    Rembrandt registrava, na evolução de seus autorretratos, um rosto imune aos adjetivos, de um homem também inclassificável, que nunca se deixara abater. Seria possível imitar aquele olhar e estendê-lo ao longo da vida? Que tipo de perdas o enrijeceriam? A ideia sobrevive, não os homens. Lutar pela vida é também uma ideia que se sustenta,…


  • Johann Fust e a máquina de enganar

    O mundo não: os homens. Outras pessoas, em diversas posições da velha hierarquia, indiretamente, tão indiretamente que acabavam sempre invisíveis, voláteis, imunes. Cinzento por toda parte. Lutar pela vida era óbvio e necessário. Que valor podia haver nisso? Não era de se estranhar que ele no fundo rejeitasse todos os bons exemplos de pessoas que…


  • E o lugar será outro

    Júlio voltou o bule ao balcão. Tempo mínimo para pensar. Alguma gracinha ou vai levar isso a sério? “Amanhã… podemos tomar leite.” “Quem pediu café?” O rapaz trouxe um pequeno bule fumegante que esqueceu perto deles, sobre o balcão. Estela voltou-se para Júlio, disfarçando o riso. Ele, com um gesto de cabeça passando-lhe que nada…


  • De um passado em tons de cinza

    Não é tão tarde. Mas seu inconsciente já faz contas de como poderá vencê-lo, e isso ignora as horas, o mostrador digital ou qualquer outro marcador de tempo que se tenha jamais construído. Enquanto o ouvia, àquele homem de calva que tão bem guardava memórias de sua cidade e de seus familiares, Júlio não conseguia…


  • Cinzento por toda parte

    Alguém gritava uma ordem de serviço, uma voz distante. Outro carregava um grande pacote, um pouco do peso de estar vivo, como todo cidadão que compra e paga, e percorre sua vida repetindo opiniões que acredita serem suas, outro portador dos discursos governamentais e da fala de seu patrão, salvo honrosas exceções. Um homem caminha…


  • Só ela sabia

    Tinha o bolso cheio de fichas, tinha certeza. Onde teriam ido parar? Cheio de datas e pessoas. Anos de sua vida, anotações. Ambições de poderosa modéstia. Desejos de assustadora simplicidade. Seus silêncios. Pedras polidas que guardara da infância. A loirinha acompanhava seus repentes. Olhava-o agora por baixo da manga do garçom que se inclinava, uma…


  • O aprendiz de feiticeiros

    Danilo se dirige em sonhos aos seus fantasmas literários, vivos e mortos. Bate levemente um livro sobre outro, produzindo poeira e ideias fracas. Ia chamá-lo Sir Golding quando me lembrei de que você não foi agraciado com esses títulos antiquados e pomposos. Os reis dessa sua terra homenageiam seus filhos famosos, que teriam realizado algo…


  • Real e insuficiente

    Não havia futuro em ficar assistindo a si mesmo entre os gestos mais simples, pois todo homem é feito para morrer, como uma casa um dia acaba demolida sem que interesse a alguém saber o que guardava entre seus cômodos. Há várias noites não conseguia dormir bem. Tinha sono à tarde, em meio ao expediente,…


  • Não há linhas retas até Estela

    Tantas vezes se deu com habilidade a associação de uma dezena de símbolos somente para se constatar que era tudo falso ou tão verdadeiro que não necessitava dos textos, das telas e das partituras, que só o que sempre buscamos é o orgasmo e talvez o amor, esta palavra, apesar de suas estranhas variações. Tantos…


  • Sonho do rio antigo

    Bem agora, enquanto nos observa, está pensando na organização da matéria, apostando que a vida busca aperfeiçoar-se, tornar-se complexa, alcançar a consciência e o conhecimento. Concluindo por fim que o homem é o produto da natureza sobre si mesma. E a consciência, a ferramenta com que o universo procura interpretar-se. “Vocês se parecem com Pablo…


  • Os extremos do grande sonho

    Isso era viver, ruas e trânsito humano, reconhecendo a repetição de incontáveis situações diárias sobrepondo-se a um passado acumulado no irreal, no insólito… Tornava a sentir-se respirando e andando, mãos retesadas contra a naturalidade dos movimentos, sangue cegamente visitando cada porção do corpo, isso era viver, ruas e trânsito humano, reconhecendo a repetição de incontáveis…


  • Música, ruídos: oásis e desertos

    Em contrapartida às considerações abrangentes, amplas, exteriores, opunha-se talvez uma certa necessidade de voltar-se ao centro, à unidade, que era de onde partia qualquer ideia do mundo. Bar do Tomás, depois o Oásis. Como sempre. Cerveja. Vodca. Rostos e corpos, mulheres ainda atraíam seus olhos, obscuramente. Música, breves sinais de bem-estar, mesmo assim sem o…


  • O que restou de sua grande e última decisão

    O dia que não tencionava viver. Um dia, apenas. A diferença entre tudo. Um dia todo se passara desde o veneno da véspera. Um dia todo para morrer. E fracassara. Quando conseguiu despertar novamente, sentiu como se apertassem suas têmporas com uma morsa. Veias latejando junto ao ouvido. Tonturas. Pontadas no cérebro. Dormira todo o…


  • A Noite das Vitaminas

    As venezianas denunciavam vagamente a altura do sol. Outra manhã. Mas não foi isso que o moveu à irresistível lassidão, o que lhe passou outra amostra da morte sob o peso de um sono extraordinariamente profundo. A água corria há algum tempo. Umafr est adec onsci ênci aof erec ia-l he out ravezu ma ponte…


  • O diário de um morto. 6

    O diário de um morto. 6

    Enquanto ando, fecho uma das mãos, sentindo-a firme e obediente à minha força, tendo a convicção de estar vivo a senti-la, constatando sua realidade no extremo de meu braço. Vivo e sei que vivo, o que não significa nada. Quero esquecer que tanto me lembro. Página 113. Cidades em ruínas, poetas mortos, tentativa obstinada. Sinto…


  • O diário de um morto. 5

    O diário de um morto. 5

    Estas mesmas ruas podem ter sido pântanos fabulosos onde os dinossauros ruminavam ervas. Sempre o mesmo lugar. Quanto tempo?. Página 81. Inseto e luminária, longa caminhada, pântanos com dinossauros. Lia à luz da luminária quando um inseto minúsculo voejou rumo à lâmpada e caiu morto sobre o papel muito claro. Tendo diante de mim o…


  • O diário de um morto. 4

    O diário de um morto. 4

    A resposta a um enigma, quando encontrada, é sempre mais simples que o próprio enigma. Por vezes, simples demais, de uma simplicidade constrangedora, podendo ser resumida numa frase que surpreenderá a todos e chegará a ser infantil. Página 63. Identidade provisória, enigmas decifrados, relógios imprecisos, a garota grega, um pensamento simples. Meus dias escoam-se pela…


  • O diário de um morto. 3

    O diário de um morto. 3

    Eu que não espero nem avanço, antes de me deitar penso no que posso enquanto sou, dou corda ao relógio outra vez. A morte me orienta, me espanta e redime. Página 59. O imperador e o idiota, fósforo no passado, espectro de Munch, pessoas na esquina. Minha vida tem sido uma luta interior incessante entre…


  • O diário de um morto. 2

    O diário de um morto. 2

    Pode-se dizer que nossa consciência de mundo (e de universo) seja bastante desenvolvida com relação aos outros animais. De resto, em relação a quê? Página 55. Local de nascimento, questões de consciência, o alpinista. As pessoas têm de nascer em algum lugar, por isso estou aqui. Apenas isso. Não me ocorre nenhuma nação, povo ou…


  • O diário de um morto. 1

    O diário de um morto. 1

    Sei que os lugares existem independentemente de nós. Mas quando revejo um pátio, um ladrilho trincado, um tanque ou muro umedecido, sinto que os reinvento através de meus olhos, através do que me sinto sendo hoje. Ser o que sou hoje é a única maneira de revê-los. Página 27. Velha casa, sala de espera, chuva.…


  • O castigo de escolher

    O castigo de escolher

    Adivinha a solução do pesadelo. Não apenas desistir do mundo. Renunciar ao que é. Aqui está, Júlio, o momento que se aproxima, o que por fim o incita a mover-se pela última vez: o castigo de escolher. Por acaso, a TV. Cena de um filme que não tratava disso. A mulher que vivera todas as…


  • Nenhum gesto, nenhum grito

    Nenhum gesto, nenhum grito

    Ele por fim sorri com grande espontaneidade. Sorri como se… Muito interessante. Só agora me dou conta de que ele raramente sorria. Raramente sorria. Tal como o recordo. Sim, agora o percebo melhor. Agora, tão tarde. Nunca pensei que ele pudesse morrer, outro pensamento bastante tolo. Como estaria ele, eu pensava, numa noite escura e…


  • Imagens recentes do funeral de Bruno

    Imagens recentes do funeral de Bruno

    Umas flores, lançadas com suavidade: o esquife descia ao som das últimas preces. Júlio não rezava. Não fingia. Aceitava as condições. Como não? Bruno. Vinte e cinco anos. O tempo não existe. E não existe mais para ele. Não os acidentes, Augusto. Não me incomodam os assassinatos, as tragédias coletivas. Mas a vertigem, meu caro,…


  • A eterna tolice de tentar

    A eterna tolice de tentar

    A súbita notícia ao fim daquela tarde cinzenta, a tarde de nuvens da qual ele jamais regressaria. Júlio apertou a gola do casaco. Aquele vento era irmão de chuvas. Nas escadas, ele lhe voltou. Em meio ao trabalho quase esquecido, o trecho em que soubera registrar sua solidão atravessara as barreiras insólitas do tempo para…


  • No tempo (e no templo) das enciclopédias

    No tempo (e no templo) das enciclopédias

    Não importa o que se faça de insano, alguém sempre corre o risco de aparecer numa enciclopédia. ALBINONI, Tomaso – compositor italiano (Veneza, 1671 – idem, 1750) Músico barroco que só se tornou conhecido do público cerca de duzentos anos após sua morte. Com relação à inumerável produção de alguns de seus contemporâneos, Albinoni escreveu…


  • Coisas não tão graves

    Coisas não tão graves

    Vanda, mais uma pessoa – e seu sonho de si, sua denúncia de fraude. Pareceu aliviada quando eu lhe disse que não estava magoado, apenas surpreso. Que não a censurava, e talvez fizesse o mesmo se me atraísse outra mulher. Ela tinha de escolher aquele lugar. Galerias, vitrinas espelhadas, lojas e lanchonetes, tudo o que…


  • Uma sombra a caminho

    Uma sombra a caminho

    Ali estavam as bonitas pernas de Lea, de proporções prontas a qualquer prova, o desafio velado à concretização de um desejo, às expectativas de um artista ou às expectativas masculinas apenas. Manhã de sábado, algum vento. Sol ameno, agradável. Temperatura de outono. Júlio respirava o dia como se todos os fantasmas se dissipassem de uma…


  • A menos que se instalassem dois sóis

    A menos que se instalassem dois sóis

    Dia e noite poderiam ser suprimidos se o planeta não girasse, um acaso mecânico, nada é tão místico assim. Mas haveria, de qualquer maneira, um grande lado escuro e um grande lado claro… Da primeira vez que ouvira esse adágio, sem mesmo conhecê-lo por nome, tivera o intenso e grandioso desejo de que por toda…


  • Voyager 2

    Voyager 2

    Será que ainda não contaram isso a ninguém? A jovem locutora à frente da tela sorri às vezes, irradiando encantos.Meus semelhantes seguem tranquilos, serenos e responsáveis como se cada um deles… “Boa noite, capital! Temperatura em declínio, deve cair mais amanhã. Esta é a estação mais alegre da cidade!” Todo telejornal tem um mapa-múndi ao…


  • Passeios, pensamentos, posições

    Passeios, pensamentos, posições

    Exageros à parte: podia haver algo mais perverso que a natureza? Suas relações de brutalidade, sua fome de preservar-se, ainda que para isso não apresente sequer um objetivo, uma razão que a justifique. Ela o arrasta ao centro, às lojas, às confecções. À papelaria. Os emblemas, as gravuras, os adesivos, os pôsteres, os cadernos. Os…


  • Competências, habilidades, trabalho em grupo

    Competências, habilidades, trabalho em grupo

    Sentada no carpete da sala, pernas cruzadas. Ela tem um caderno no colo, bate de leve com a caneta no joelho. Coça a cabeça com as duas mãos, revolvendo os cabelos atrás das orelhas. Franze a testa. Chupa a caneta. Ele se faz de preocupado. “Boa noite, capital! A máxima hoje foi de 15 graus,…


  • De livros e desejos adormecidos

    De livros e desejos adormecidos

    Seu drama era vivido ali, entre duas páginas abertas. Sobre as águas do majestoso fiorde, a barcaça funerária ardia em cores intensas. Outras pessoas enlutadas assistiam solenemente ao rito. Os livros associaram-se a alguns primeiros sinais de que me lembro. Antecipavam sensações mais tarde vividas em condições rotineiras, mas enriquecidas de uma estranha aura de…


  • De intimidades e ousadias

    De intimidades e ousadias

    Já não tinha forças para dizer o que fosse, a palavra mágica que a tudo abrangesse. Olhos fechados, por um momento ele sentiu que sonhava com os livros. Júlio e Vanda acreditam, mas não ousam confessar, nem um ao outro nem a qualquer pessoa, que vivem uma grande paixão, assim evitando exposições inúteis, quando tudo…


  • Não foi tão ruim, mas foi ruim

    Não foi tão ruim, mas foi ruim

    Nós, gordos e magros. Gerações que se sucedem e se repetem. Gente entrando e saindo, gente sentada ou de pé. Dançando, bebendo. Beijando-se. Desaparecendo. Todos mais ou menos semelhantes, o que absolutamente não serve de consolo. Abriu a porta. Estava de preto. Maquiada, cabelos presos. Vestido curto, justo, fechado no peito até o pescoço, ombros…


  • Testamento entre suas últimas manias

    Testamento entre suas últimas manias

    Da última vez que estivera em seu apartamento, Júlio guardara a sinistra impressão de que os móveis, as coisas estavam todas no lugar como se há muito tempo ninguém morasse ali. A ordem especial que era a própria imagem do abandono, a ordem cheia de presságios de quem, absurdamente, esperava morrer. Não importa que tudo…


  • As folhas tenras da alface

    As folhas tenras da alface

    Quando pequeno, imaginava que as frutas e as verduras, ao contrário de nascerem animais ou gente, aceitavam ser o que eram para que eu as saboreasse à mesa. Possuí-la à sombra e à luz de Gauguin foi mais do que eu poderia esperar. Esse privilégio aumentava a dimensão de meu prazer, nem tanto por integrar-me…


  • À luz amarelada de Gauguin

    À luz amarelada de Gauguin

    À noite, alheia a tudo o que possuía, fecharia os olhos guardando-os mansamente como se antes deles, antes dela, nunca houvesse acontecido qualquer outra coisa. Júlio deliciava-se com o vinho branco. Os cubinhos de queijo também o comoviam com seu sabor, arrancando-lhe patéticos gemidos de satisfação. Só Vanda ele não havia provado ainda. Para começar…