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Categoria: Lisette Maris
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Relâmpagos (trecho)
Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, Feira do Livro, Centro Cultural Palace, junho 2019. Quando penso em minha infância, vejo um menino atrás da vidraça numa noite tempestuosa – rosto sem sorrir, olhos iluminados por relâmpagos que o fascinam. O relâmpago cai das alturas, precedendo o estrondo que lhe corresponde, move a terra,…
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As cinco estações (trecho)
Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, junho 2019. Verão. Canção dos vaga-lumes E sua luz, sua breve luz. Duravam só o verão. Encantavam-me em criança, pedia a meu pai que os explicasse. “Por que vaga-lume, pai?” “Era caga-lume, virou vaga-lume.” Eu ria, pedia outra vez que recordasse a cantiga de atraí-los. Cantávamos juntos,…
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Cores, sombras: aquarela de passagem (trecho)
Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, maio 2019. Este conto é sobre um menino que pensa em desenhar e pintar para registrar seu universo, desde a infância, e que mais tarde se encontra com sua consciência a mostrar-lhe que o tempo, naturalmente, haverá de desmanchar tudo que um dia existiu. ………. Calçamentos de…
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Damares (trecho)
… que acontecem Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, na Livraria Paraler, e no encontro de escritores promovido por Irene Coimbra, no Hotel Vilage Inn, março 2019. Parte da literatura trabalha com elementos mágicos, fantasiosos, surreais, uma tradição que remonta à Antiguidade, como nas narrativas de As mil e uma noites, e chega…
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O final dos contos de fósseis (trecho)
… que acontecem Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, fevereiro 2019. Não resisto, detenho-me diante da casa. Concretada a caixa de correspondência: não recebiam cartas, contas ou cartões os moradores que nos sucederam? Perturbam-me os grandes tipos do aviso (VENDE-SE), o rumor de vozes na sala. Subo os três (quatro, quem sabe?) degraus…
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Meu gatinho Dedalus
… tenho a impressão de já ter visto algo de branco entre as estrias, algo de cinza junto às orelhas… Esse amiguinho, de pelo ruivo, por vezes castanho (tenho a impressão de já ter visto algo de branco entre as estrias, algo de cinza junto às orelhas), ajeita-se na cama, ao meu lado, bom companheiro, enquanto…
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O réquiem das crianças (trecho)
… que acontecem Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, outubro 2018. Antonio Candido dizia que a literatura é o sonho acordado da civilização. Assim, quando criamos ficção, estamos recriando nossa realidade. Nenhum sonho é um sonho por si mesmo, ele sempre tem base no mundo real. Em nossa memória, as lembranças cristalizam-se, fossilizam-se,…
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Lisette Maris em seu endereço de inverno
Lançamento da nova edição A terceira edição de Lisette Maris em seu endereço de inverno ficou pronta. Esse livro, que reúne contos muito variados, foi escrito entre momentos sombrios e outros de intensa luminosidade. Não era (como nenhum livro meu é) um projeto, mas uma seleção resultante da atividade literária de um período em que predominavam os…
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Lisette Maris, 3a. edição
A gárgula de caninos dourados prenuncia as presas ruidosas que investem contra a grade do jardim. Uma criada inexpressiva aconselha que eu entre pelo portão lateral. Damares mora nesse sobrado razoavelmente luxuoso, mas que também não é a oitava maravilha mais antiquada do mundo. Cozinha: copa: antessala: corredor: a criada, que nunca me olha nos…
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O que tenho em comum com os tiranossauros
Ante a nudez da menina rendida, a saliva escorre-me entre os dentes afiados. A fome e a sede forçam-me a dominar essa adolescente frágil a quem não resta senão sucumbir às vontades que amplamente se desenvolvem na penumbra do predador lascivo, poderoso, efêmero. Lisette Maris em seu endereço de inverno 53. Antropologia aplicada – próximo…
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O caminho das ruas de flores vermelhas
Se lhes digo “Olá!”, então passa um silêncio. Se me aproximo calado, ouço que murmuram entre si segredos inacessíveis. Ignoram-me. Mas estão ali. Eu as reconheço, sem dúvida, mas elas não a mim. Peço-lhes que me escutem ou devolvam um sinal que me permita compreender. Algo, o que finalmente me faça compreender. Depressa, antes que…
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Braile contra a luz
Admirava-me que as palavras estivessem presas às coisas e não caíssem como um ramo seco de uma árvore. Que um vento não as embaralhasse e uma árvore não passasse a se chamar poste ou cavalo. Um cão, menino. Uma casa, ratoeira. Um homem, pedra. A literatura não é outra coisa que um sonho dirigido. […]…
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Estudo com cristais. O réquiem das crianças (13/13)
Penso ver em seu rosto todos os rostos. Em todos, o preço da paz. Em todos, o impulso da vida. Em todos, a face da morte. A trilha de lajes hexagonais atravessa a noite – e a tormenta. Leva-me a essa manhã de árvores que, aos poucos, se dividem e se alinham entre alamedas, muretas…
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Estudo com cristais. Marina (12/13)
Não há linha do horizonte, sim um cinturão de neblina sobre um oceano de cobre. A tarde lenta e real, desde já perdida. Sentado sobre a rocha mais ampla, entre outras que formam o semicírculo irregular nesse extremo da praia, diviso, a distância, o vulto em movimento, uma mulher. Esse corpo, conforme se aproxima, ultrapassa…
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Estudo com cristais. A tormenta (11/13)
Amo os castelos porque são definitivos. Cada grande bloco mantém-se ali, desde um dia antigo, algo semelhante às esculturas milenares, que o tempo sinaliza, mas não arrasta. Os cristais de gelo, embora ostentando formas simples, têm a alma intrincadamente ramificada. Não cai a neve, e não a espero. Volto-me ao céu, aos cristais que o tornam…
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Estudo com cristais. Criptógamas (9/13)
A multidão, a cidade refletida, o ponto de ônibus, o ponto. Então eu a vi. Nesse dia, eu a vi. A flor de seis pétalas pode ocorrer em qualquer estação. Qualquer parte. Mesmo onde não se supõe um jardim. Ela é rara e efêmera. Dá-se a todos, ainda que poucos a apreciem em seu esplendor…
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Estudo com cristais. Carina (8/13)
Rosto atrevido, gestos audaciosos. E tem medo. Frágil, como todos os fortes. “Você nem olha pra mim. Será que é homossexual?” “Quem sabe?” “É ou não?” “Se fizer meu tipo…” “Chegue mais perto.” Carina me parece próxima à geometria: rosto anguloso, realçado por cabelos curtos, queixo em linha reta e lábios finos, de corte preciso.…
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Estudo com cristais. Verdes renovam o silêncio (7/13)
Pressinto que as respostas estejam por toda parte. Aqui mesmo. Na água que verte. O jardim que me cerca. O relógio de sol. O labirinto de pedras. Clave de Sol talvez seja a versão flutuante do que, nas abelhas do alvéolo, múltiplas de seis, é consistente e carnal. Quero que saiba, Clave de Sol: somente…
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Estudo com cristais. Silene (6/13)
Sempre acreditei que a sensualidade se associasse mais às manhãs. Sexo e beleza são o mesmo em meu espírito. Uma única nuvem preenche o céu urbano, trazendo a todos uma manhã triste. “Não há manhãs que sejam tristes. Doença de poetas.” Silene esquiva-se de meu gesto e ergue-se da cama. Descalça, como se maior fosse…
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Estudo com cristais. A menina dourada (5/13)
Fotografada no álbum de alfazemas, como saída de um cromo. São sonhos que jamais esquecerei. O relógio avança. Em todos os sentidos. Aos que isto leem, ao que registra. Aos amantes e aos que não o foram. Aos que ousaram ou apenas viveram. Seis entre as mulheres que me possuíram cristalizam-se, numa tentativa de subverter…
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Estudo com cristais. Cristal quase um relógio (3/13)
Em outro quadrante eu a encontrei, num quarto sem endereço. Tentarei adivinhar seu nome, seu verdadeiro nome, antes que o hexágono torne a girar, quase um relógio. Registrar a palavra diamante é quase cristalizá-la – e cristalizá-lo –, cristalizar o hexágono bidimensional, plano e limitado, símile do papel que o comporta e da palavra que…
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Estudo com cristais. Clara (2/13)
Os carrilhões da catedral mais próxima situam-nos à meia-noite. Cabe a nós agora recriar nossa parcela de noite, a noite que perpassa o mundo. O odor característico que emana dos bastidores, tenho certeza, para sempre há de tornar-me a esta furtiva impressão de clandestinidade. Clara fecha a última porta. Acende uma luz tênue que mais…
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Estudo com cristais. O prisma e a pirâmide (1/13)
Há algum calor em sua figura distraída, dispersa. Uma fragilidade que qualquer palavra pronunciada violentará como se trinca um espelho. A feira de artesanato me lembra que toda paz tem seu preço. Desde os primeiros ourives e os artistas rudimentares, a colmeia humana tem sofrido toda sorte de flagelos e tumultos que, de certa forma, se…
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Lisette Maris. A oitava noite mais fria de todas (15/15)
Voltarei a vê-los sob outras neblinas, que eles talvez não se impressionem muito com meu relato inverossímil. Minha história é só mais uma história entre muitas. Dalma surge à entrada da barraca, vem até mim. “Então? Trouxe algo para eu ler?” “Não trouxe nada”, respondo. “Não tenho nada.” Dalma percebe que estou prestes a chorar.…
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Lisette Maris. Um sonho afundando em sangue (14/15)
Outra vez parece sorrir entre as presas, como saboreando minha impotência. Quer apenas assistir à minha confusão e com isso enriquecer seu ódio. Volto-me ao caminho. Vou me encontrar com Damares. Aperto a gola do casaco contra a brisa glacial, sigo por minha rua, de árvores esparsas, gramados das casas confundindo-se e repetindo-se até o…
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Lisette Maris. Um silêncio de grandes ventos (13/15)
Faço um sinal para que embarquem enquanto é tempo. Mas já não podem ouvir nem se mover. São agora formações de gelo presas à paisagem da estação. E nada esperam. E nada desejam. Do alto de meu posto, dou as últimas ordens para que Lisette Maris ponha-se a caminho. Damares, tão bela quanto no sonho…
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Lisette Maris. Sinais sutis e sinais gritantes (12/15)
Tudo que eu queria esta noite era contar a ele. Agora eu o sinto como um espião disfarçado entre os mortos. Um animal mitológico que guarda em seu íntimo uma brecha entre as últimas árvores do inverno. Peço ao gigante Diego que a chame na barraca. “Então? Parece que veio correndo, que foi? Quer um…
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Lisette Maris. A sala (quase) secreta das almofadas (11/15)
Ela ouve também, fecha o casaco, recompõe-se. Seu pai parece próximo. Tornará a passar por aqui em breve. Estará de óculos. Quando vi Damares pela primeira vez, ela não tinha nome. E hoje me atrevo, quem diria!, a confessar-lhe, na sala das almofadas, meu sonho ridículo com o capitão Newman, especialmente detalhando a sequência em…
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Lisette Maris. A viagem improvável do capitão Newman (10/15)
Todos os ruídos que produz essa partida espetacular são devastadores. Ao mesmo tempo, incrivelmente suaves. – 57 – _________________________________________________ Capítulo XIII A DESCOBERTA O escaler aportou no flanco norte, oposto à rota da baía. O capitão Newman mediu com os olhos a distância da nau ancorada, girou o rosto bem barbeado, de queixo intrépido, e…
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Lisette Maris. Seus olhos estreitos, sem se desviar das cinzas (9/15)
Olha as cinzas como fixando um ponto para além do que vê. Sinto que vou me engasgar não com a saliva, mas com o silêncio. “Essa moça acredita em Deus?” “Não sei, mãe. Ela parece ser muito inteligente.” “Como? Ainda não perguntou isso a ela? O que tanto vocês conversam então?” “Ora, mãe. Você…
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Lisette Maris. Mapas e diários de não viajar (8/15)
Entre outras considerações, esse meu ancestral remoto acreditava, aliás, que os homens necessitavam dos diários de bordo, não tanto como um relatório de viagem, mas como um registro da solidão. Amanhã encontrarei Dalma e Diego junto ao fogo brando, contarei a ela de como levei Damares pela cintura sob os arcos do bairro velho, de…
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Lisette Maris. O doce ferrão de sua primavera secreta (7/15)
Ofereço-me ao que quer que faça, sinto-me capaz do que não posso, por ela. Seus olhos esperançosos lançam-me centelhas e cristais marinhos. Diário de bordo. De acordo com a posição do Sol e a fase dos calendários, Lisette Maris atravessa agora a última etapa desta estação glacial. Damares não me pergunta sobre o inverno, talvez…
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Lisette Maris. Caminhar, como faço agora (6/15)
Às vezes é preciso viver sem esperanças, sem esperanças mesmo, continuar. Caminhar, como faço agora. Crescer, fatalmente. Gosto de acordar muito cedo e flagrar as casas fechadas, dentro das quais as pessoas se encontram ainda na faixa nevoenta que separa do sono os calendários. A manhã mal instalada, focos frescos e sombras remanescentes, tudo se…
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Lisette Maris. Enquanto temos carne, ossos… e sangue (5/15)
Os cabelos soltos escondem-lhe o rosto de perfil, cílios trazendo um último reflexo da íris. É mesmo o que vejo? Damares é especial, e isso me corrompe. “Compreendo que poucos podem ser livres dos Evangelhos, menos ainda poderiam considerar a vida com outra maturidade. Mas Karl Allen não ajuda muito, se é que me entende.…
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Lisette Maris. Objetos que se movem (4/15)
Minha mãe, como os outros, impressiona-se muito com esses truques vagabundos que não nos ajudam em nada. Ela me abraça como há muito não faz, realizada e nervosa, contagiada pela euforia reinante, com o veneno do triunfo. Um casal de mesma estatura, ambos exageradamente polidos e atentos às normas da boa educação, aos bons costumes.…
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Lisette Maris. Persistência do inverno (3/15)
A bruma que nos envolve é a mesma que nubla seu silêncio. Olhos muito claros, azuis e intensos, ela parece atrair luz. O inverno já dura treze anos. Ninguém sabe por que isso acontece, e também não se sabe quando vai acabar. Mas ninguém se espanta, ninguém nada pergunta. Nosso velho vizinho, em sua…
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Lisette Maris. Damares (2/15)
Seria capaz de qualquer sacrifício para que essa manhã jamais terminasse. Damares olha-me de frente, e seus olhos atiram-me uma lâmina de luz. A gárgula de caninos dourados prenuncia as presas ruidosas que investem contra a grade do jardim. Uma criada inexpressiva aconselha que eu entre pelo portão lateral. Damares mora nesse sobrado razoavelmente luxuoso,…
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Lisette Maris. A escuna ancorada (1/15)
Volto-me ao caminho, quero esquecer esse endereço por enquanto. Vou me encontrar com Damares. Tive sempre o gosto por estas histórias. Tanto e tão bem que finalmente perdi todo poder sobre mim mesmo. – Fiódor M. Dostoiévski, Memórias do subsolo A casa onde moro é uma escuna, mas poucos compreendem. Uma fragata, já…
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Nós, os fortes, te agradecemos
Uma maneira secreta de aceitar e negar a nitidez do mundo, seus perigos, seu silêncio. Os ruídos que o revelam antes da música. Olhando entre a noite e as grades do Orquidário e seu bosque, outra vez o que me invade ronda a alameda em perspectiva: postes de duas lâmpadas, sob globos sem rosto, bases…
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(O sol na primavera desperta odores pestilentos…)*
Sinto a necessidade do registro, contra a crença geral de que todos os idiomas serão extintos. Talvez eu guarde, entre meus sonhos, uma resposta proibida. * Título convencionado para identificar o manuscrito que segue, reproduzido, tanto quanto possível, sem lacunas e integralmente. O sol na primavera desperta odores pestilentos, mefíticos, sei. Gases e oxidações de…
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As duas vidas de Edmundo Campos
Fatias de mundo, história fragmentada (um dia apenas) em tantas cidades e países. Cristaliza-se o passado. Passado da humanidade, registro dos grandes eventos. A memória de cada pessoa. A literatura tem páginas de anjo, ratos sonhando, monstros melancólicos, outros nem tanto. – Very literary dreams, cap. II, p.11 (2a. edição, Vinci, 1766) Vera não o…
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Os retratos de Marta Rosana
A sociedade, penso eu (mas não lhe digo), é basicamente formada pelos que se salvaram, inclusive da miséria. Os outros (que outros?) não provarão da aventura humana. Vamos entrar vamos entrar, diz o velho com certa impaciência. A onda aromática invade-me as narinas. Móveis antigos, o mofo das cortinas e o próprio velho causam-me certa…
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O telefone pela manhã
Não, eu não lhe digo isso. Ele é que parece dizer-me. A racionalidade que faz de mim um homem prático parece não ter cura, leio em seus olhos. 1 Que iríamos passear, era sábado. O centro, uma quinquilharia qualquer. No centro, como você gosta. Você entende? Ele não responde. Desde que papai foi sepultado, três…
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A cidade de um país
Adentro a sala, tenho à frente a mesa dos conspiradores, entre eles seu poderoso líder. Acabo de ver seu rosto, e agora tenho de morrer. Caí na cilada e estou sozinho. Corro para o fundo, vejo que alguns deles saem pela mesma porta, sem a minha pressa. Eu, que sempre me envolvi em todas as…
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Óculos
Meu irmão mais velho editou outro volume de contos. Ele tem a vista perfeita, imune a quaisquer desvios, todo ele é contrário a mim, sendo eu o único míope entre os irmãos, pretendendo ansiosamente escrever contos como ele, escondendo do mundo meus rascunhos secretos, envergonhado de minha vasta miopia, esmagado por minha impotência, enquanto tento…
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Últimas noites do burocrata obstinado
Novamente o sonho dos papeizinhos, e mal os sentia entre os dedos, escapando-lhe antes que pudesse recuperá-los e torná-los classificados aos seus devidos lugares, e essa agonia durou menos do que a outra. A noite seguinte trouxe-lhe pesados fichários que carregava com as duas mãos, porém algo inusitado e assombroso contrariava-lhe o ânimo e o…
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Andante de um concerto barroco
A vida não é só para ser vivida, há algo mais que não compreendemos. Mas nada tão sério que não se possa atingir pela música. Como quando nos encontramos daquela vez, em casa de Ruth, sendo a noite a mesma, até a frequência da chuva parece reavivar minha memória daquela noite-hoje. Sim, mas vamos para…
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Registro de ciclos e movimentos
A Terra gira e recicla seus ossos. Há escombros impalpáveis, fendas na memória. Tantas vezes restaurada e ainda assim, na junção das hastes, o oliva-ferrugem, óxido de azuis na roleta que hoje conta os mortos. Junto ao orquidário, junto ao chafariz e ao banco de pedra, aqui onde me sentia seguro sem considerar o verdadeiro…
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Chancelaria e viagem
…seja este dia ou esta página, agora que tão intensamente atravesso as tardes de perdidas luminosidades, tão parecidas com a minha infância, de mesmo calor e mesmo incômodo, até finalmente intuir que um dos objetivos da vida é, magicamente, estar aqui. Medicamento sob prescrição médica, que diferença faz? Esbarro em tantos semelhantes sadios, mal os…
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Nádia alcançada, meu último rosto
Senti as noites de minha juventude, o calor e o sereno de madrugadas sem fim, constatei prostíbulos que me escaparam às palavras enquanto os vivi e que não procurei resgatar na poesia das cartas. Identifiquei cada festa, cada momento de orgasmo e vertigem, cada solidão.