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Categoria: Conspiração dos felizes
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Em menos de vinte e quatro horas…
Texto publicado na revista Ponto & Vírgula, n. 44, março/abril 2019. Em menos de vinte e quatro horas, dois colegas, separadamente, disseram algo sobre eu acabar sozinho no futuro. “Desse jeito, você vai acabar sozinho”, uma colega normalmente muito agitada, dela eu recordo cada palavra, fácil. Eu não respondia. Não me importo de ficar sozinho.…
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Tudo à flor da pele
O que me obrigava a trabalhar por alguma coisa ou ser alguém, como todos? Que compromisso eu tinha com o resto dos homens? Podia pensar outra vez, o que era pior. Raciocínios banais ocorriam-me como revelações, tudo parecia do avesso. O que há sobre o mundo são os cérebros de hoje, que imaginam o passado.…
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Que momento é este?
Esquinas conhecidas. Mesmo lugar, mesma pessoa. Experiência, dizem. Quando for velho, o que saberei? O que os velhos sabem? Nessa mesma tarde, pude pôr em prática minha atitude alternativa. Por que não teria coragem? Sou um homem ou uma melancia? Deu-se com uma daquelas garotas que ficam em determinados pontos do centro, prancheta à mão.…
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Brincadeira com bichos
O que achei de fato interessante foi o bicho escolhido, um escorpião. Achei interessante mesmo. E era um rapaz anêmico, olhos fundos, parecia doente. Sempre detestei ter de participar do que quer que fosse. Sempre mesmo, desde que me entendo por gente. Mesmo em criança, isso me parecia repulsivo. Tinha a impressão de ser forçado…
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Todos nós morreremos na semana que vem. Parte 7
Às vezes torno a embriagar-me de esperanças Sentia-me tão bem que poderia rir de meus pesadelos. Falo sério. Embora eu pressentisse tal entusiasmo como transitório, pretendia vivê-lo o mais que pudesse, pelo maior tempo possível. O que pretendo com isso? Justificar, explicar alguma coisa? Absolutamente. Foi só um sonho que tive. Qual seria então a…
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Como desviá-los de si mesmos?
Como pode um ser humano de verdade submeter-se a semelhante tarefa? (Por extensão, perguntava-me o mesmo quanto aos jogadores. Por trás dos vidros da grande loja, o arranjo das incontáveis telas de TV, muitos aparelhos ligados ao mesmo tempo, multiplicando imagens de uma partida de vôlei que, evidentemente, não me interessava. Uma coisa dessas nunca…
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Todos nós morreremos na semana que vem. Parte 6
Dias nítidos, claros pesadelos Eu mal podia afirmar se ainda sonhava ou não, se estava vivo. Em minha memória desenrolava-se outra vez o pesadelo do passado. Sou o que chamam uma mente atormentada. Não importa. Tenho tido dias difíceis, mas tem valido a pena. Acreditava em certas coisas que hoje sei falsas, mas não me…
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Eu, onde estou?
Um novo calafrio, dessa vez mais agudo. Isso também não importa. Nem o que me aconteceu ver e ouvir enquanto errava sem qualquer intenção por essas ruas. Eu observava tudo e não conseguia vislumbrar o que fosse importante. Nunca o suficiente. Pessoas por toda parte, homens com valises, funcionários uniformizados, estudantes e seus livros, qualquer…
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Todos nós morreremos na semana que vem. Parte 5
Uma pergunta perigosa Ainda: não é a crença ou a descrença o que me impede de tentar morrer. Disse certa vez que não me suicidava por falta de fé, mas isso é ridículo, além de ser uma grossa mentira. “Ateus: não têm nem vergonha de dizer que são ateus…” Ora, não importam todas as histórias…
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Eram eles os doentes, não eu
Sentia-me perfeitamente lúcido, o que era admirável. De uma lucidez cristalina e reveladora, num dia tão cinzento. Talvez não fossem pensamentos, mas sensações. Tanto pior. Intuir a ilusão do real aniquila eventuais teorias fornecidas pela razão. Mesmo sem a febre, eu me sentia doente. Intuição, verdades sentidas. Para tentar definir tais sensações, é preciso vencer…
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Todos nós morreremos na semana que vem. Parte 4
Panfletários, mas por quê? É preciso perguntar a todos os que vivem por que fazem tudo o que fazem. Eles, sem dúvida, terão respostas prontas, justificativas, pretextos. Eu não. O tempo passa, nem a vida é uma verdade. Assim como se olha ao passado, posso adivinhar minha vida no futuro, uma inconcebível ausência. Outras vidas estarão…
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Em meio a tudo tão certo
Talvez nada seja mais perigoso, mais forte que a indiferença. Sob a luz estranha de um prisma assim, até a noção de perigo perde seu significado. Saí para almoçar, desejando qualquer coisa que não se parecesse com meu dia. Mas esse dia estava em toda parte, meu dia era eu mesmo, não o dia. O…
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Todos nós morreremos na semana que vem. Parte 3
O fato de estar vivo Tudo não passa de um exagero imaginativo, um sofisma de mau gosto. A morte é uma ideia abstrata e não pode ser considerada uma das faces desse todo. “Cara ou coroa?”, pergunta-me um deles, com uma moeda. Esse sujeito vive fazendo isso. Tem um marco alemão que ganhou ninguém se…
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Todos nós morreremos na semana que vem. Parte 2
Pesadelos recorrentes Por que me acontecia sonhar coisas assim? Por que a morte não me dava tréguas? Cenas tão nítidas como as de meus pesadelos eram o que mais me causavam pânico, sendo tudo tão claro e cotidiano. Mais à frente, há um grupo de instrumentistas, música latino-americana típica. Estão sempre ali. Suas canções são…
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Todos nós morreremos na semana que vem. Parte 1
O idiota incurável Antes de prosseguir, quero deixar claro: a vida e a morte são o que mais me preocupa. Por quê? Ora, pois são apenas tudo. Sou o que chamam uma mente atormentada. Não que procure ser assim ou chamar atenção para isso. Ocorre que, após algum tempo de muitos dias lúcidos e situações…
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Pós-escrito tardio (mas irresistível)
Falei-lhe de Vanessa sem mencionar, intencionalmente, seu nome. Dei-lhe pistas, descrevi seu rosto e sua voz. Não, nada. Outra vez casualmente, num misto de milagre e diabólica coincidência, esbarrei em Copérnico mais de trinta anos depois. Custou-lhe reconhecer-me. Parecia alterado, confuso. Outros, os mesmos: estávamos ambos grisalhos – nele, a ligeira calva destacando os cabelos lisos. Quem…
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Foi só um sonho ruim
Minha viagem que continuava, sem autorização. Meu sonho se fazia por si mesmo. Meu sonho se alimentava da solidão em que eu me via. Meu sonho erguia-se no escuro. Como um monstro. Passada a evacuação que me havia exorcizado, eu me sentia a criatura mais desprezível de nosso país. Tive muita vergonha de mim mesmo.…
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Quase uma conclusão
Peguei-me a brincar que alguém me chamava da porta. Eu próprio criava as palavras, a entonação afetuosa de quem se preocupava comigo. Quando me vejo estirado num esquife e pronto a ser sepultado, entendo que não quero lutar por coisa nenhuma. No fundo, é o que sinto. Não quero fazer nada pelo meu país. Nem…
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Praguejando em silêncio
Mas eles me viram e acenaram, os malditos, chamando-me pelo nome. Não imaginam o quanto me é difícil viver com o que sou. Quando cheguei ao bairro, após o salto espetacular que me havia projetado para fora daquela carroça sacolejante, eu já não podia fazer outra coisa senão correr, correr muito. Parecia um possesso. Aos…
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A vida, sempre mais forte
As portas se abriram com estrépito. Qualquer espécie de engrenagem ameaçadora, mas sempre, sempre inofensiva. Era ainda o meio da tarde. O metrô não muito lotado deu-me uma chance e um assento. À minha frente, uma mulher pobre, de seios grandes, feia mas de olhar bondoso, com seu bebê ao colo, contando à passageira ao…
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Válido apenas para pequenas viagens
Compreendi que os havia perdido para sempre. Que o meu passado havia se perdido para sempre.. Movido por um lapso de autocontrole, disfarcei (mal) meu nervosismo e fui me levantando desajeitadamente, pedindo-lhes licença e que aguardassem por um minuto, não saíssem dali, hein? – em tom de fazê-los achar muito engraçada essa brincadeira de não…
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A tarde (e tudo o mais) pela metade
Sei muito bem, Vina. De uma maneira ou de outra, ninguém sairá ileso de nenhum encontro humano. NOVO PLANO BENEFICIA MICROEMPRESAS Findo um regime de arbitrariedades, descobrimos, assombrados, que boa parte de toda a riqueza do país era, de alguma maneira e em proporções diferentes, enviada ao exterior, sem que alguém o pudesse denunciar. Os…
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Hei de continuar fingindo sempre
Tenho apenas minha morte como certeza. Uma vez aqui, tudo me atormenta e exige continuidade. Então, passou pela calçada uma família distraída e de bem com o dia. Os jovens pais levavam pelas mãos um casal de crianças pequenas. Um garotinho de óculos que se parecia comigo recordou-me drasticamente a infância. Sua irmã menor, também…
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Encantos que se quebram ao meio-dia
Considerava com certa melancolia o sorriso próprio dos otimistas, dos inocentes. Talvez os maiores culpados. GOVERNO OTIMISTA: NOVO PLANO JÁ TRAZ RESULTADOS Minha manhã decorreu como um surdo pesadelo de nuvens e ruas molhadas. Apertando campainhas, interfones, porteiros eletrônicos. Encarando pessoas feias, desonestas ou apenas desorganizadas, vidas pelo avesso, mentes pela metade. Mostrando papéis, credenciais,…
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E aquela tarde suave, tão bela…
Se bem que, nesse andamento de agourentas circunstâncias, o que mal ou bem acontecesse, que acontecesse de qualquer maneira. Em minha vida, o pior já havia acontecido. Como bom conhecedor de minhas diarreias, entendo que a formação de gases, e não exatamente as contrações intestinais, é o que força a saída e causa o mal-estar.…
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Vina disparue
Só então me dei conta de que estava encharcado. Que tinha me perdido de Vina. Que não a encontraria mais. Chuva fina e silenciosa desde o fim da tarde. A noite sobre a cidade, como as manhãs, não revela as consequências das decisões ministeriais, atos e decretos. Não se mostra a ruína como numa panorâmica.…
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Foi então que…
No começo, tudo são esperanças, e as palavras as alimentam. Mais à frente, nos espera o mundo. Imune às palavras. Mas talvez eu esteja enganado sobre a primavera. Talvez seja tudo a minha solidão, o fato de voltar-me Vanessa e atingir-me com a mesma intensidade. Eu diria que naquele momento seria capaz de qualquer coisa…
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Prendendo-a pela mão
E o que poderia proteger-me agora? Quem me confundiria com um herói? “Quando doutor que não se ninguém ainda dizendo todo no esgoto que não vocês vocês também eu aqui.” O estrapilho girava e dançava enquanto rosnava o que tinha a dizer. Simulava, com os braços, asas de aves e de aviões. Entre seus estranhos…
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Somos cópias produzidas pela repetição
Naturalmente exagerava um pouco, é compreensível. Aliás, Vanessa estava tão bonita e agradável que nem de longe parecia uma boneca empolada. Ao contrário do que eu vinha radicalmente decidindo até há pouco, eu poderia sim, por um instante armado de fera convicção, abrir mão de qualquer ideia de vingança, servindo-me do inesperado pretexto que o…
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A vida com mil riscos
Não era aquela a rua do terminal, eu estava enganado. Só então me dei conta de que não tínhamos para onde ir. “Será que no mundo todo chove?”, disse ela, como se de fato não houvesse mais que dizer, sendo aquela a última frase possível num dia como aquele, ainda em curso, ainda possível. “No…
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Agressividade dos pombos
Ainda disseram muitas tolices, e nenhuma vez mencionaram o dia ou a primavera. Achei isso notável e digno de registro. Copérnico e Vanessa – não é que já ia me esquecendo deles? – lembraram um comercial de TV, desses que ninguém aguentava mais, no qual um sujeito sem camisa tocava saxofone na sacada de um…
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Comer alguma coisa, a vida outra vez
Andamos muito, sem falar. Separados. Sem saber, ela me arrastava por caminhos que normalmente eu tentava evitar. GOVERNO QUER O APOIO DE TODOS NO COMBATE AOS ESPECULADORES Não fui à livraria, não queria mais a ovelha ruiva. Ela própria rompera seu encanto ao revelar-se uma criatura aprisionada, fraca e dependente. Aliviou-me a decisão de nunca…
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Perigosas canções inofensivas
A canção traz uma incômoda nostalgia de algo que não alcançamos. Uma sensação de derrota à luz do dia. Qual era a contrapartida disso? Os que berravam canções estridentes e ruidosas como a servir de hino à sua revolta, de exorcismo a seus demônios? Também de nada serviria se Copérnico fosse um entusiasta dos metaleiros…
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Minha parte entre o sol e as chuvas
Não é a chuva o que me deixa triste. Não sei mais o que me deixa triste. A tempestade. Mais tarde, pelos noticiários, conheceremos as vítimas de enchentes e desabamentos. Parece incrível, mas é assombroso, que a cada momento nasçam e morram pessoas por toda parte. Milhares, milhões. A diluição do individualismo pode nos deprimir, não…
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Excentricidades e harmonias
Não tenho nenhuma vergonha de confessar isso. Não tenho vergonha de confessar nada. A esta altura de minha vida, a solidão progressiva e pungente afeta-me de maneira a conduzir minhas atitudes alucinadas. Daí porque resolvi ficar. Para se ter uma ideia, e a propósito de tal solidão, cheguei a escrever uma série de cartas a mim mesmo, enviando-as metodicamente…
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Meu tempo sem previsão
Não se sabia mais quando ocorreria ou não um desses aguaceiros devastadores. Vina e sua mala. Os choques. A chuva. Minha cota na tempestade. Pensando nela enquanto me lançava às ruas de segunda-feira, em busca de endereços e devedores. Tudo outra vez. Pela manhã, costumo me sentir um pouco atordoado, por nenhum motivo especial, por…
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Eu ali, de uma maneira infernal
Ao tempo, só podemos dar-lhe nome. O mais, basta que se aguarde com paciência, e um último silêncio nos caberá a todos. “E vocês? Há centenas de anos, tipos como vocês se repetem sobre a Terra. E agora, o que são? Vocês, que não aceitam nunca ser vencidos, que se afligem com a simples ideia…
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Para eles, não há história
Esses homens não são como nós, revendo álbuns e sonhos idiotas da juventude. O que acabou, acabou. NOVO PORTA-VOZ REFORÇA QUE O REMÉDIO É AMARGO MAS NECESSÁRIO Sim, os conselhos (e consolos) e discursos são todos para nós. Sempre para nós. Quando ocorrem demissões em massa, deflagram-se campanhas otimistas nas mídias, mostrando que o importante…
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O que Copérnico não imaginava: todos queriam ser o Sol
O demônio deve ser isto, o sem fim da contestação. Graças a ele, existem a arte e a ciência. Dizem que um homem maduro compreende as pessoas a ponto de não mais julgá-las ou criticá-las. Mas que me importa ser um homem maduro? Nunca foi esse o meu objetivo. A voz de Copérnico e a…
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A vida é um vício, não é?
Eu não queria dizer a ela: sofria outra vez a densa impressão de que no mundo não havia nada a ganhar ou a perder. Apenas a mesma antiga e estranha travessia movendo-se entre os vivos, cada qual sua própria luta e coragem vãs. “Essa trouxe o cachorrinho, olha só… Ele mija na perna de um…
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Restos de meu pequeno mundo perdido
Eu juntava restos das revistas em quadrinhos que os outros garotos desprezavam. Ia à feira semanal com escassas moedinhas, buscando na banca de revistas usadas o que meus recursos, tão avessos à urgência de minha sede, permitissem. Como dizia, as mesas ocupavam-se todas, ao redor. Eu ainda associava as pessoas, as coisas, à literatura, um…
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Os morcegos do dia
Os morcegos têm pressa. Não há mais o pouco a pouco. Afiam os caninos à noite, na obscuridade, abatem-se sobre a manhã incauta do povo. Do edifício mais alto, partia uma nuvem de morcegos que sobrevoava a noite. Desmembrava-se, fragmentava-se numa infinidade de indivíduos negros, ganchos voadores que entravam pelas janelas, invadiam as casas sem…
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Entre fetiches e delírios, tudo muito secreto
Há algo que nos move às misteriosas variações do prazer primordial. Nós, não sendo psicanalistas nem sexólogos, felizmente não os compreendemos. E podemos vivê-los. Ainda assim, tive a grata mas incômoda impressão, no fundo um daqueles nebulosos sinais espontâneos que já se insinuam prontos a convencer-nos de uma nova verdade (ou de uma velha verdade…
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Esperança, mas que dramalhão!
Era inútil desdobrar-me em pretextos. Ela não era normal e parecia decidida a ficar. Estranhei que batessem à porta do apartamento. Mas, sim, a campainha vivia me traindo, defeito na fiação. Umas oito da noite. “Oi”, disse ela. Uma mala de livros. A mesma camiseta exigindo o fechamento das indústrias poluentes. Calça justa, tênis encardidos.…
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Controlados pelo costume
Vanessa era uma mulher deliciosa, digna de ser preservada em alguma imagem sem artifícios. Fora disso, o tempo continua com seu estranho gosto pelas metamorfoses. Os grupos cresciam ao redor. Gargalhadas mecânicas e outras manifestações de frivolidade revelavam-se aos poucos, iam envenenando o ar. Tive vontade de erguer-me de repente e contar a todos ali…
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A encantadora ovelha ruiva. Parte 2 (I Ching, estrelas, patrão)
A única coisa que eu podia afirmar a mim mesmo era que aquela ruivinha supersticiosa me inspirava, naturalmente. O mais são confusões: amor, paixão, desejo, um carnaval de lixo semântico que só serve para piorar o sofrimento de todos nós. Tinha fome, mas queria antes passar na livraria – a ovelha ruiva. Sua imagem quase…
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Persona non grata – mas eu já sabia
Para minha desgraça, pareciam ser todos como eles, de sobrenomes intermináveis. Lá, era tudo muito caro. “Boa tarde.” Ah, agora ele vem. Deve ter visto Copérnico chegando. Não parece dar-me atenção, pois percebe que sou um qualquer, de sobrenome curto. Esse é dos bons. “Boa tarde”, eu respondi. Só eu. Nem assim o garçom me…
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Coisas de rua e encontros desastrados
Livro-me de todos eles no intervalo de almoço. Gosto de estar sozinho. Quero estar sozinho o mais possível. Viver minha única vida. A tarde vinha se mesclando à noite, o mundo ia perdendo seus contornos. Eu caminhava em direção a um amontoado de entulho deixado na calçada, suspirava de cansaço por qualquer mísero obstáculo que…
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Cantiga medieval de tristes vassalos
Os rapazes de seu meio dispunham de mil vantagens sobre mim, sob todos os pontos de vista. Menos o do amor. A mesma idade. Não o mesmo passado. O que passou não mais se altera, todos aqueles dias se foram, e minha adolescência já não pode ser outra. Vanessa havia me desprezado, e Copérnico também, separadamente.…
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Cuidado: ele tem um guarda-chuva
Deixam cilindros na Lua, plaquinhas em Marte, latarias em órbita… Aonde pensam que vão, se saírem daqui? PORTA-VOZ ADMITE QUE GOVERNO NÃO TEM MAIS CONTROLE SOBRE A CRISE Ele poderia ter acrescentado: e quer o esforço de todos no sentido de… – como sempre fazem. Foi negligente, talvez ingênuo. À parte isso, jornais expostos em…