Office in a Small City por Edward Hopper

Categoria: Literatura

  • Pai a casa torna

    Pai a casa torna

    Olhe, olhe só para isso: as flores ainda estão aqui. Sei que não são as mesmas, mas são da mesma espécie. Os outros novos moradores as preservaram de alguma forma, olhe só. Ou foram replantadas mais tarde. Ou… Sei, sei, já vi o degrau. Eu o conheço muito bem. E não estou brincando, você sabe.…


  • A âncora

    A âncora

    Nossa prestativa vizinha da frente vinha ver-nos todos os dias. Acrescentava curiosidades sobre a plantinha, que se desenvolvia rapidamente, elogiava os bons tratos. A casa dela era escurecida de plantas. Prometeu-nos fertilizante especial, inseticida forte, terra tratada. No sábado, pegou-meem casa. Logoque se retirou, minha companheira puxou-me a um canto. “Cuidado com o que diz…


  • Crônica de canção feita ao mar

    Crônica de canção feita ao mar

    Minha jangada vai sair pro mar… – ensinava dona Dorinha regendo-nos com um lápis. Com toda a voz de meus onze anos, entre os de minha classe e mesma formação, eu repetia as canções bonitas que nos mostrava essa mestra, enquanto acompanhava no perfil da colega, na fileira ao lado, o movimento de seus lábios,…


  • O mar dos meninos

    O mar dos meninos

    Como a toda criança aparentemente sadia, o mar e os navios encantavam-me. Nunca tinha visto um, nem mar nem navio, fora dos livros ilustrados em que os descobria. Desde aquelas antigas embarcações egípcias, passando por caravelas enfunadas e vapores ruidosos, até encouraçados em guerras mais recentes (até isso!), todos me pareciam belos.


  • Hoje, acabaram-se as xícaras

    Hoje, acabaram-se as xícaras

    Despertei com o ruído na sala, Maria Célia recolhendo xícaras, copos, cinzeiros, o que restara mais que a memória de uns amigos da noite anterior. O jogo ia se tornando confuso com seus pires lascados, xícaras sem asa, e nenhum de nós se lembrava mais de quantas xícaras e pires havia de fato. Às vezes…


  • A mesma aventura

    A mesma aventura

    “Bom dia a todos.” Por isso todos me observam quando subo ao ônibus, pela manhã. Não se diz bom-dia a todos, especialmente com tal sinceridade. Estranham roupas que mal se ajustam e fazem de mim um cidadão deselegante, sem interesse. Óculos que mal se ajustam ferem-me o nariz e as orelhas. Mal eu me ajusto…


  • Sonho 772. Vista do mirante

    Sonho 772. Vista do mirante

    Vista de um mirante. Sonho com estranhas torres.É quando compreendo que meu espanto nunca foi senão uma faceta de meu medo. Estou no terraço, junto ao parapeito, do que me parece a noite mais clara, o edifício mais alto do mundo. As cidades não nasceram ainda. Todo o firmamento festeja a noite de mil sóis.…


  • Sonho 3305. O hamster da faculdade

    Sonho 3305. O hamster da faculdade

    ”Isso tudo vai acabar”, diz o coordenador pensativo, sem olhar para mim, como se fitasse um horizonte que não existia lá dentro. ”Mas como?”, pergunto surpreso. ”Há tantos alunos, tantos cursos…” ”Os templos de Luxor…”, ele murmura, interrompendo-se em seguida. ”Sim, eu entendo. Mas… tão rápido?”


  • Sonho 2413. A jovem viúva

    Sonho 2413. A jovem viúva

    Vestido e chapéu escuros, renda fina cobrindo-lhe o rosto, certamente de luto, ela o esperava sentada na pequena sala ao lado. Quando ele entrou, viu-a pelas costas, ombros e cabeça baixa. Pronunciou seu nome, e ela virou-se, erguendo-se e entregando-se rapidamente num abraço muito forte, movido por uma emoção e uma carência intensas. “Era para…


  • Não me venham falar da Lua

    Não me venham falar da Lua

    Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. …parágrafo de abertura de “A metamorfose”, por Franz Kafka, que nos conta de maneira também muito simples o que aconteceu com o desafortunado Gregor Samsa, um destino absurdo e miraculoso que não desejamos nem para… Bem, talvez o…


  • Um único tiro

    Um único tiro

    “É, eu estava com ela, já disse”, pegando o nariz de Liana, rindo. “Eu não disse não, menina?” Beijos na orelha e no pescoço dela, a mesma estratégia adolescente de tentar neutralizar a companheira, fazendo-a arrepiar-se num frêmito de desejo, uma palavra, uma expressão que ele adorava imaginar enquanto isso acontecia de fato. Fssss… –…


  • Arca com retratos do pai. Parte 1

    Arca com retratos do pai. Parte 1

    Tudo isso não passava de alucinação para mim – essa infância que ouvia dele, seus pais e avós, a quem mal ou não conheci. Só em minha fantasia podia vislumbrar os funerais dessa ancestral, quando iam todos a pé, trajando a indumentária da colônia e portando archotes no inverno. A vegetação do vale, os caminhos…


  • A moeda de milhões

    A moeda de milhões

    Incontáveis são as sutilezas que envolvem a sexualidade humana, não menos que as grosserias, os desejos inconfessáveis, as taras dissimuladas, as distorções e excentricidades, os tabus subvertidos, as violações à força, a infidelidade camuflada em velhas arcas de família, por vezes deflagrando episódios de paixão doentia, obsessões incuráveis e crimes violentos, porém só um leve…


  • Desdobramentos de um réveillon secreto

    Desdobramentos de um réveillon secreto

    Tornamos a nos conhecer na reunião que move a numerosa família à casa da matriarca em sua cidade. Ali os mais velhos apreciam clássicos do jazz e trilhas de cinema. Dessa vez pareceu-me claro de sua parte, quando todos deixaram a sala rumo aos fogos e às festas previstas a céu aberto, e ela passou…


  • Anões na interpretação de textos

    Anões na interpretação de textos

    Roman Jakobson, um dos formalistas russos e pioneiro na análise estrutural da linguagem, procurava valores nos textos literários que pudessem justificá-los em si mesmos, independente de seu contexto histórico ou social. Tomando como modelo o poema O corvo, de Edgar Allan Poe, ele viu nessa obra sinais representativos desses valores, tanto sob uma perspectiva formal…


  • Enquanto seu ônibus não vem

    Enquanto seu ônibus não vem

    Regina tinha os lábios finos mas tentadores. Com a mesma nitidez daquelas noites, o rosto dela aproximava-se para mais um delicioso beijo, sempre um delicioso beijo – o nariz pequeno, as maçãs do rosto, os cabelos curtos e loiros soltando pontas irregulares ao redor das orelhas, o contorno de seu rostinho quadrado desaparecendo conforme os…


  • Os mocinhos da matriz

    Os mocinhos da matriz

    Foram a uma cidade próxima, a trabalho, acompanhando um gerente que tinha muita esperança no futuro deles. (Ah, se ele soubesse…) As meninas da filial, que eles estavam a poucos quilômetros de conhecer, representavam, para alguns, uma agradável esperança. Para Danilo, certamente. Acreditava no destino, sabia que mais cedo ou mais tarde encontraria a mulher…


  • Todos nós, de vez em quando…

    Todos nós, de vez em quando…

    Cris e seus periquitos australianos. Eram dos pais dela, melhor dizendo. Ela morava com eles – com os pais e com os periquitos. Havia um grande viveiro na área externa do apartamento, que tinha o privilégio de ser no térreo. Cris convidara Danilo e mais uma colega a estudar inglês em sua casa naquela tarde,…


  • Autorretrato 23 (curta-metragem)

    Autorretrato 23 (curta-metragem)

    Há algum tempo tive a grata satisfação de ver um dos meus contos adaptados à tela por Bruno Garavello, que roteirizou e dirigiu o curta-metragem Autorretrato 23


  • Dia após dia

    Dia após dia

    Ainda que tentasse evitar – o que nunca faço – as ruas costumavam cercar-me de cenas avulsas, frases ouvidas por acaso, pessoas em movimento protagonizando os dias, todos os dias antes que viessem outros, outro tempo, outras gentes.


  • Viajando com Peter Pan

    Viajando com Peter Pan

    Oh England, my lionheart! Peter Pan steals the kids in Kensington Park.


  • Velhas novidades

    Velhas novidades

    De toda parte os caminhos pareciam convergir para conduzi-lo ao que fosse seu centro secreto, o que seria inverter as coisas: seu centro é que buscava realizar-se e se utilizava do que mais lhe acorresse ao redor. Como dizer algo assim aos seus amigos, para quem todos os bares eram apenas território de caça? Fala-se…


  • Chegadas partidas

    Chegadas partidas

    Ninguém fora despedir-se de mim na rodoviária. Nem era de se esperar, admito. Ainda assim, muito em segredo e contra o mais provável, até o último minuto eu supunha que algo diferente pudesse acontecer, são peças que a esperança nos prega. Dela, sempre fica algum ranço desse especial veneno, próprio a criar outra precária ilusão,…


  • Você, que não queria ler isto

    Você, que não queria ler isto

    Quem de nós nunca experimentou uma sensação de impotência, quase de amargura, ao adentrar uma biblioteca ou grande livraria e tomar consciência da proliferação de títulos e autores ali acumulados, os textos à espera de olhos que os percorram, os autores de inteligências que os admirem e até, quem sabe, tanto quanto os livreiros, de…


  • Meu colega triste

    Meu colega triste

    Mas eu era assim, analítico. Ou supunha ser. Observava tudo em meus colegas, naturalmente ou não. Certos dias houve em que me sentia tão aguçado, tão perfeitamente lúcido e desperto, que quase poderia apostar na iminência de alguma fulgurante revelação, em meio a um momento qualquer. Isso nunca aconteceu, claro. Só me ocorria comparar tal…


  • Última chance com incêndios

    Última chance com incêndios

    As crianças que se perseguiam, de risos e vozes que eu assimilava como à distância, passaram entre mim e as chamas interrompendo meu estado de fixação involuntária. Que era isso? Uma maneira de concentrar-me? Distrair-me? Essa noite trazia algo de abandono. Meus olhos haviam perdido os contornos da fogueira em movimento, a nitidez das fagulhas…


  • O misterioso Paul Celan

    O misterioso Paul Celan

    Romeno de nascimento, Paul Antschel, na versão germânica, ou Ancel (cuja inversão de sílabas usou para definir seu pseudônimo), sobreviveu ao Holocausto. Mas nos campos de extermínio nazistas perdeu todos os outros a quem amava. Essa desgraça, como naturalmente se pode deduzir, marcou para sempre sua vida e sua obra.


  • Eu morri pela beleza – a arte de Emily Dickinson

    Eu morri pela beleza – a arte de Emily Dickinson

    Sim, a arte de Emily, a arte dos inéditos. Há outros casos curiosos de autores que não conseguiram publicar seus textos em vida. Talvez o mais conhecido para nós, de língua portuguesa, seja o poeta Fernando Pessoa, que em vida publicou seu poema Mensagem por ter sido classificado em um concurso literário – ele ficou…


  • Carpe diem

    Carpe diem

    Não pergunte, Leuconoe – é errado querer saber – que fim os deuses reservam para mim ou para você. Também não se apegue aos exatos cálculos babilônios. É melhor sofrer o que quer que seja do que saber se Júpiter determinou ou não invernos futuros ou se faz deste o nosso último, este que impõe…


  • O homem do violão azul

    O homem do violão azul

    Este fragmento de poema aparentemente inofensivo de Wallace Stevens dá o que pensar sobre as escolhas dos artistas e as condições da arte. O músico Tom Zé encantou-se ao conhecê-lo.


  • Sete anos em Manhattan

    Sete anos em Manhattan

    Por vezes não sabemos por que fazemos algo. Mas um dia alguém descobre por nós. E quantos, como eu, não teriam buscado respostas para a vida? – o que afinal significa buscar respostas para si mesmos. Tenho a sorte de reter muitas lembranças, o que tanto me serviu quanto me prejudicou.