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Categoria: Literatura
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O número zero e as dez mil coisas
As conquistas humanas primeiro impressionam pelo desafio aos limites. Depois nos cansam como se tudo fosse apenas uma alegoria, uma amostra do que éramos capazes… Não sabe o que pensar? Ora, não é o fim de tudo. Conheci poetas que nos aconselhavam a não pensar, eles próprios passaram a vida pensando, pensando, pensando… Outros houve…
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Beckett – Malone morre
As palavras adquirem poder próprio quando manipuladas por um mestre como Samuel Beckett, esse irlandês a um tempo obscuro e brilhante, que sabia, como poucos, tecer uma admirável linha de equilíbrio entre o sentimentalismo e a observação objetiva. No trecho a seguir, o personagem, Saposcat (ou simplesmente Sapo), revisita sua infância, quando era ignorado na…
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Episódios de minha desastrosa inclusão social
Mas sempre alguém me chamava de volta ao assunto na mesa que nos servia. Perguntavam o que pensava eu de certas notícias, eu ia mentindo como podia, claro, para contentá-los a todos. Já disse que o teto era baixo e opressivo. O sanitário masculino não dispunha de vitrô ou de qualquer saída de ar, por isso…
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O meio-dia cinzento
Sentia-se outro, a partir do nada. Fazia daquela chuva uma referência gratuita para ser agora e à frente, para tornar a viver, prosseguir sem qualquer passado. O meio-dia cinzento do intervalo de almoço trouxe a chuva de surpresa que os forçou, a Júlio e aos outros, aos cidadãos desse dia, ao refúgio sob toldos e…
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Poe – A queda da casa de Usher
Um dos primeiros contistas norte-americanos, pioneiro da novela policial e do gênero terror na literatura, Edgar Allan Poe é notável por diversos motivos, inclusive por transitar com enorme talento entre a prosa e a poesia, sempre assessorado por uma admirável noção de estética. Um desses motivos é sua extraordinária capacidade de descrição, como se observa na amostra…
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Se é que eu suportava alguém…
Nessa época, eu imaginava (quase sem querer, juro) algumas de minhas colegas passeando pelo escritório seminuas. Bem, bem. Coisas de primatas. Eu comecei motivado, entusiasmado, por que não? Atendia clientes ao balcão, dedicando-lhes o máximo de atenção e simpatia, conforme eu mesmo me aguentava. A assistente do doutor Aguiar, aquela que eu disse que poderia…
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A grande notícia trágica
Enquanto isso, uma conclusão se desdobrava em outra, entre tantos como ele ao redor e à luz dos olhos de cada um. E sempre essa viagem se repetia. E sempre havia gente nos vagões. DIRIJA-SE À PLATAFORMA OU ACESSO MAIS CONVENIENTE ORIENTANDO-SE PELAS PLACAS DE SINALIZAÇÃO. No metrô, também se comentava a notícia mais chocante…
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O escravo se diverte
Não posso negar que alguma vez também palpitou em mim um tesão de esperança pela mascote do escritório. Mas ela era tão magrinha, enjoadinha, irritadinha… Beethoven acreditava que os seres humanos eram todos iguais. Beethoven! Para estragar tudo, basta citar o senhor Antão de Almeida, que, mesmo tendo sido um crápula mesquinho e oportunista durante…
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Algo entre dois silêncios
Desde o começo, eu vinha tentando evitar que isto parecesse triste ou trágico, não sei. Tenho lido pouco, pouca coisa ou quase nada tem despertado minha atenção. Nessa mesma noite, ouviram um grito. Algum edifício próximo, quem sabe. Júlio acordou primeiro, foi à janela. Bruno praguejou, protegendo-se com o travesseiro, logo voltou a dormir. Um…
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Esses homens…
O doutor Aguiar, notadamente um homem de talento. Podia passar da austeridade ao afeto, com pessoas diferentes, claro, como se acendesse uma lâmpada. Primeiro dia. O doutor Aguiar recebeu-me com tal disposição e tanta cordialidade que eu quase me convenci de seu caráter humanitário. Mas logo pude ver-lhe o fundo da alma, ao observar sua…
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Bruno, o fantasma, e a medusa e…
Toda juventude, todo desejo e sua respectiva consumação, todo encontro e encantamento, toda intimidade, experiência e êxtase estejam submetidos às mesmas leis de ausência que atravessam toda atualidade. Parece incrível. E é verdade. Bruno não tinha vinte anos quando deixou sua cidade. Uma de suas últimas aventuras quase acabou por envolvê-lo em sérios apuros, porque…
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Adeus, Júlio Dias
O tempo, em minha crença precária, era vinculado às distâncias e não tinha estas garras a arranhar-me os olhos. Estas unhas nervosas sobre o meu rosto. Choveu o dia todo em que eu parti. Como a servir de fronteira entre duas fases de minha vida, a chuva fina insistiu em molhar todas as estradas, sem…
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Inconsistência dos retratos
Lamentando, de certa forma. Ou sorrindo em silêncio, alguma ternura ou Sempre vivenciamos muito mal nossos verdadeiros tesouros, daí por que um dia acabamos por perdê-los. Janela do vagão, vento em meu rosto, fios de meus cabelos grisalhos, eu procurando concentrar-me no que lia, mas a cada cinco minutos voltava o livro ao colo e…
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Das balanças à justiça: o cego era eu
O doutor Aguiar apresentou-me aos colegas. Naquela época, eu apertava a mão de todo mundo. Antes de conseguir emprego como escriturário, eu já havia sido escravo numa fábrica de balanças. Uma firma antiga, dessas que ostentam logomarcas comemorativas por 50, 80, 300 anos sem falir, e nas quais se lê algo como: meio século de…
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Por sorte, tudo imperfeito
Vertigem da lua alta que não inspira, ar insuficiente. Respostas talvez encontradas, outra vez perdidas no sempre de minha breve viagem. Tudo era antes, enquanto. Eu é que cheguei. Você também, claro. Entende agora quando digo vertigem? O cemitério abandonado, degraus em ruínas por sobre os quais passeia um luar sem cânticos. Sonho com lugares…
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Pateta
Abracei-me ao Pateta. Chorei por ele pela primeira vez. Compreendi que não havia chances para uma criatura tão inofensiva e sem forças. Aconteceu-me encontrá-lo por acaso, junto ao rio. Três garotos carregavam um saco que se mexia. Perguntei, e um deles afrouxou a abertura para que eu visse parte do dorso de um animal imundo…
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Não são estas as minhas certidões
Porque às vezes tenho pena de minha inocência. Tenho pena de meus sonhos. Deixava meu nome inteiro. Meu nome completo, com esmerada caligrafia. “Tem certeza?” “Como, se tenho certeza? Claro. Sem dúvida.” “Não são? Tem certeza mesmo?” “Claro. Claro que não. Quero dizer, não são. Não são as minhas. Sei muito bem quem eu sou.…
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A sereia suicida
Andersen já começa a punir sua personagem com um recado claro e sinistro de que não há margem para o fracasso. De que o preço é alto quando se trata de desobediência. “Por que se diz afogar, como em: ‘Houdini morreu afogado’? Afogado não é quando se morre queimado? Com fogo? Afogar não é com…
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A tudo, faltava um algo
Quem visse a fachada desse prédio animava-se com uma puta boa impressão. Mas a maioria das empresas é assim, com jardins que nos convencem. Eu trabalhava como escravo num escritório dito de advocacia, mas por onde circulava toda sorte de documentos e barbaridades. Nos primeiros dias, tentava familiarizar-me com a ideia algo incômoda, meio nebulosa,…
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Marcas de gentis predadores. Abertura (O jogo que ele não quer mais)
Contar o pior. Será que ela quer saber o pior? Quase sempre, saber o pior é saber a verdade. Quem quer saber o pior? “Por que você ainda quer saber sobre ela?” “Por que não? Fico curiosa.” “Sobre a morte dela, quero dizer.” “Por que não? Quero saber. Só isso.” O entendimento entre a claridade…
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Não são fotos como as outras. 3
Por toda parte, as coisas continuam acontecendo pela única vez. Pouco antes do fim da tarde, os inválidos vão desaparecendo, resguardando-se da noite. As calçadas ficam vazias, e ninguém mais precisa ter piedade. Ainda um guardião (com certa persistência ao longo de outros dias) Assim como os mendigos e os inválidos, o homem do realejo…
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Eu, um mentiroso crônico
Perdi oportunidades. Rompi contratos. Sempre fui inoportuno e desastrado, porém, estranhamente, essas perdas nunca me incomodaram muito. Sou o que ninguém quer ser Tornei-me um mentiroso crônico e devo isso a Verena. Foi ela quem fez esclarecer parte de minha aversão pelos meios literários, acadêmicos e outros de rotina não menos aborrecida. “Você é ou…
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Fria manhã dos que se procuram
Era uma fase confusa, como a de todo mundo nessas idades. Pensei seriamente em estudar, mas, por essa época… eu já era triste. “Gosto muito de andar assim com você. Conversando…” “Também.” Braços dados, por causa do frio. Os cabelos dela oscilam, sobem e descem pouca coisa, a cada passo. Retraindo o queixo, ele sopra…
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Não são fotos como as outras. 2
Afinal, todos nós nos consideramos especiais e eternos, só o tempo sabe que não o somos. Viver é difícil, velha novidade. E aqui estamos todos. Arautos do fim dos tempos O mulato de bigodinho grisalho, terno escuro, bem passado, agourento, discursa agitando a bíblia que reabre periodicamente, vociferando, entre aleluias, ameaças e pragas coletivas. Parece…
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Um último projeto em ruínas
Nessa mesma noite, fiquei pensando no fato de ele estar morto e de ter sido alguém, assim ter vivido, viajado, dormido e copulado, como eu. Acendi um cigarro. Arnowitz começava a me impressionar. Logo compreendi que não estava lidando com um homem comum – isto é, não apenas um estudioso de renome, um erudito de…
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Borboletas com relógio ao fundo
O personagem deve manter o leitor dividido entre o riso e a piedade. Bons personagens são os que manipulam e confundem. “Bercedes!”, gritou a velha. “Bercedes!” A moça chegou em seguida, trazendo-lhe o chá. Desde que fora trabalhar naquela casa, Mercedes passara a renunciar a certas Técnicas esgotadas. Truquezinhos baratos. Que tédio. A morte não…
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Sonho 1741. Momento na galeria
Ela não reage. Seu rosto parece sem cor. Talvez esteja morta. Talvez seja apenas uma impressão, devida ao excesso de luz ambiente. Sentada ao meu colo, sobre minhas pernas, de frente a mim, ela me beija fortemente, ao que correspondo com igual vontade, deliciado com esse privilégio. Estamos sobre uma mureta larga, de superfície lisa,…
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Não são fotos como as outras. 1
Sol e moedas brilham. Dia de intensa claridade. Nunca o bastante para atenuar-lhe a escuridão. Tome. Não são fotos como aparentam à primeira vista. Trago-as também em minha memória de palavras. Sei o que lhe ocorre, isso de um quadro e mil palavras, vá lá. Não, nunca foi assim. Se eu nada dissesse, você se…
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Constanza
Depois, as agruras da vida, em forma de uma bruxa má, passam a alimentá-los dia após dia, mas de outra maneira: fazendo-os inchar e engordar, com a intenção declarada de devorá-los em breve. Eles estão presos. Estão casados. Constanza é a minha amiga imaginária. Mas é claro que ela existe. Não, não é nenhum fantasma…
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O dia e a noite sobre as estações
Vi meus próprios olhos olhando-se a si próprios, por dentro e de frente. E impressionei-me com um homem baixo e franzino que fechava a última porta da história, dizendo: “Acabou.”. Para iludir minha desgraça, estudo. Intimamente, sei que não me iludo. – Augusto dos Anjos, Poema negro 1 Três horas. Está certo. Está sempre certo.…
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Era ela, a minha maior inimiga
O jogo maior deriva do plano inapreensível que os homens menosprezam e evitam, mas que os vencerá a todos: o tempo. E o tempo, queira ou não, tudo atravessa. Ao que interessa. Minha incontida necessidade de expressão decorre de minha tremenda dificuldade em compreender as coisas. Não só isso. Algumas vezes não se tem ainda…
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Sonho 1128. A pedra de atrito
Então ele se deita no chão, com o rosto entre os braços, e irrompe a chorar convulsivamente, como uma criança. Eu me aproximo, querendo saber o que aconteceu. Meu amigo e eu caminhando por um bosque claro e tranquilo, árvores bem espaçadas, chão de folhas pardas, amarelas e cor de ferrugem, formando camadas de piso…
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Dona Norma e o último Coelho
São apenas histórias. Pouco importa sejam verdadeiras, o que vale é que sejam contadas e que alguém se identifique com elas. Nem isso, nem é preciso tanto. Como todos os que contam, também corro o risco de me perder. Houve da parte de Júlio um esforço diplomático para convencer dona Norma a aceitá-los como inquilinos,…
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Chora, menino
Que estranho caminho para um pensamento. Que bobagem. Ainda bem que eu não falava isso em voz alta. Um grande ponto de interrogação montado com pedras, cortadas geometricamente, como pequenos tijolos. Logo abaixo da lápide. Era a parte superior, exposta, de uma sepultura que ele lembrava ter visto em algum cemitério da região, alguma cidade…
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Persistência dos labirintos
Eu finalmente parecia ter encontrado um quarto. O que em princípio me impressionou foram os estranhos ruídos que… Escrevo movido por desesperados ideais de busca. Obstinação, é certo. Há gestos imensos na tentativa de compor cada trecho. Acima disso, a morte e a indiferença humana. Alguém se interessa? Teseu executa o Minotauro, com isso dando…
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Sonho 1512. A clínica e o funeral
Receio que, talvez, magicamente, aqueles cobertores o façam desaparecer. Ou o transportem a um subterrâneo simetricamente oposto às moradas dos deuses, geralmente no alto das montanhas enevoadas. Próximo aos dois degraus da entrada, no jardinzinho malcuidado de uma casa modesta e antiga, alugada para servir de clínica psiquiátrica ou de repouso, algo desse gênero, eu…
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Quita, a estrela distorcida. Bruno, mal resgatado.
Com o tempo, nós nos perdemos de vista. Até nunca mais nos vermos. Eu sim, revi seu rosto em sonhos que me fizeram sofrer. Estela, desde o início, me lembrava Quita – a expressão de seus olhos atentos, ela que talvez fosse minha primeira namorada se de minha parte se houvesse consumado o beijo que…
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Júnia
O caso era o mais antigo do mundo: a atração entre um homem e uma mulher. O caso eram eles. Encontros são carências. Júnia é o estopim de uma bomba. Mas Danilo não sabe disso. E segue, como todos. Não pode prever o futuro. Tem de se arriscar. Se quiser encontrar o amor. Se…
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Retomadas e recaídas: de volta ao baile de máscaras
Pouco me importava ter nascido no passado ou no futuro, pois estaria sempre no presente. O que, principalmente, realmente importava era vencer a neblina. A neblina. Quando por fim recobrei a calma (eu estava chorando) e ergui os olhos para o mundo, senti que havia alguém, e voltei-me para ver. O menino esquivo e silencioso…
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Você ainda tem essa arma?
Liana pensa por um instante que Ana Lúcia não seria dele. Nunca. Mesmo pensando nela como uma menina fácil. “Não. Eu a joguei fora naquela noite. Não podia ficar com ela, imagine.” “Por que não?” “Por que não? Ora, porque… Porque não. Se a polícia conseguisse um mandato e revistasse a minha casa e eu…”…
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Sem rumo, entre rascunhos lamentáveis
E minha enxaqueca não ajuda muito. Cefaleia, no caso, fica mais bonito. Mas dói como qualquer palavra. Aqui começa a segunda parte do romance A seta de Verena, Cadernos (I), que revela as tentativas do personagem de escrever algo que o satisfaça e o justifique como autor, oscilando entre as tentações da técnica e os…
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A Walther PPK
Eu via o metal refletindo uns pontos de luz que vinham de algum lugar a que nem prestei atenção. Os olhos dela, no motel, brilhavam como o metal. Hidratado ou não, Danilo sentiu sua boca seca, com gosto de pedra ou areia. Ficou quieto. Depois, quase sorriu. Depois, pareceu irritado. “Grávida? Não, não. Não acho…
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Pedras, cometas, fichas alucinantes
A harmonia não pode durar muito, ela depende de sua própria desorganização para se reorganizar, como sempre. A simetria é oposta à vida, sim, foi o que você mesmo disse. O bar, você quer. Pista de dança no centro do retângulo. Longo balcão de impermeável, densamente estampado com estrelas, espirais, meias-luas e outros míseros sinaizinhos…
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Sentimentos são defeitos nossos
“Na hora passou pela minha cabeça aquilo de ela encarar os sentimentos como defeitos nossos. Que era esse o problema. Era essa a nossa imperfeição, a nossa desgraça: ter sentimentos.”
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Apodrecendo ao seu lado
A vida se cruzava por toda parte, entre fluxos de tráfego, pedestres nas calçadas, nas faixas de segurança… Todos sempre se deslocando em busca de alguma coisa, vivos, tentando se realizar de alguma forma. Enquanto isso, em silêncio, ela apodrecia ao meu lado.
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Queremos o fim do Quixote
Sempre me impressionou muito que as pessoas andassem com calma – mesmo entre conhecidos e em suas próprias cidades. Também muitas vezes acreditei que a maneira de andar, assim como alguns gestos viciados ou cacoetes, fosse a sugestão de que a natureza orgânica começasse por eles a apresentação dos sinais de alguma desarmonia mais profunda.…
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O nome dela era Vanda
Após tê-la conhecido de perto, sentiu que se fazia, a corça, muito mais inalcançável, mais do que antes, quando não passava de uma sombra indefinida, e como se desde o primeiro momento ele desejasse, sem saber, alcançá-la. Ousadias avulsas. Resultado de superfície. Cansativos rituais de acasalamento. Mas no momento incerto, depois tornado certo, o desejo…
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Assim são as festas
A desconhecida voltou à sala, acenou a uns amigos, o que fazia ver que não estava na festa até então. Especialmente abraçou outra garota. Perguntou por ela e por alguém mais, antes de iniciar o ritual de trocar beijos contados à altura da orelha ou estalados em falso, no ar, com uns rapazes que aparentemente…
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Vanda vence a água e as nuvens
Mal podia vê-la, a roupa que fosse, eu chegando ao apartamento, já a desejava com toda a saliva a sufocar-me a garganta, essa sensação inconfundível que precede e já desencadeia os estados de grande excitação, e isso me cegava, impedia-me considerá-la ainda como pessoa, mal tinha tempo de pensar em qualquer outra coisa caso ela…
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Registro de ciclos e movimentos
A Terra gira e recicla seus ossos. Há escombros impalpáveis, fendas na memória. Tantas vezes restaurada e ainda assim, na junção das hastes, o oliva-ferrugem, óxido de azuis na roleta que hoje conta os mortos. Junto ao orquidário, junto ao chafariz e ao banco de pedra, aqui onde me sentia seguro sem considerar o verdadeiro…