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Continuando teus olhos. 001
Ainda no banho, Leon constatava, como de hábito, que seu interesse por aquela garota inclinada na cama desaparecia gradualmente até tornar-se coisa nenhuma. Passou por ela buscando o espelho da parede. Logo que saía do boxe e enquanto se enxugava, essa conhecida impressão se consolidava naturalmente. Ritinha, mais ou menos envolta em uma toalha clara, que era como ela gostava de se mostrar e se esconder em momentos como aquele, encenando uma de suas formas mais discretas de nudez, ressentida e buscando conversa, seguia com os olhos aquele homem que se movia com praticidade e alguma pressa.
“Eu não gosto do que você faz comigo”, pretendendo ser incisiva.
Aos quarenta e dois, observando o próprio corpo, Leon considerava naturalmente sua forma física, algo de que absolutamente não poderia se queixar.
“Como é?”, ele quase retórico, sem alteração alguma na voz. Tocava e sentia, em meio a certos movimentos da toalha, as formas que faziam dele um exemplar orgulhoso de seu gênero, o trunfo principal de sua masculinidade, agora decaindo ao descanso.
“Ouviu o que eu falei?”, Ritinha quase desafinando, tornando agudos os últimos fonemas.
Agora, sua seminudez calculada não tinha qualquer efeito sobre o parceiro. Nem mesmo sua nudez completa. Para Leon, aquela altura, até mesmo um beijo e um abraço adquiriam o peso de um incômodo, uma tarefa aborrecida e quase obrigatória para selar o desfecho de uma noite consensual de prazeres e sono compartilhado. Mas não era obrigatória. Ele sabia disso. Acabava de fechar o cinto e buscava sua camisa azul-clara, cuidadosamente disposta sobre o encosto de uma cadeira para que não amarrotasse. Amanhecia, e enquanto se arrumava com o mesmo zelo de sempre, Leon já antecipava itens e problemas de seu dia de trabalho à frente, na vara federal. O espelho que lhe servia instalava-se logo acima de um móvel estreito, no hall de entrada do pequeno apartamento dela – sobre ele, um porta-retratos com a imagem de seu sobrinho e um vaso de vidro estreito, base plana, em forma de tubo de ensaio, com uma flor amarela já meio passada emergindo a partir de um caule fino, cortado ao meio pelo efeito da refração da luz na água.
“Você não se importa comigo, é isso que eu percebo. Com nada do que eu faço na minha vida.”
Leon calçava suas meias escuras, sapatos muito bem escovados.
“Ouviu o que eu falei?”
“Um-hum…”
A claridade atravessando os vidros mostrava Ritinha sem ação, algo preguiçosa, algo angustiada, e, mesmo tão jovem, abatida por olheiras cinzentas, faltando-lhe mínimos impulsos para iniciar um pranto indignado.
“Eu admirava você. Era o professor mais interessante da faculdade. Era o meu professor predileto…”
“Não estou mais lecionando, você sabe disso. Saí daquela porcaria de faculdade medíocre.”
“Eu sei. Mas não é isso. Não é isso. É que eu lembro de tudo… Como eu me encantei com você… Como você se encantou comigo…”
Ele emitiu um breve grunhido de tédio.
“Não fale por mim.”
Ritinha ressentia-se ainda mais, magoada pelo tom direto e quase automático com que lhe chegavam as falas dele.
“Não gosto de tudo o que você faz comigo na cama”, repetiu, como tentando adverti-lo de alguma coisa.
Nó da gravata, perfeito. Olhando-se no espelho. Rosto. Cabelos.
“Não parece. Não percebi. Você finge muito bem.”
Ela fechou e abriu os olhos. Quase uma careta.
“Queria pelo menos saber se nós estamos bem. Se está tudo bem com a gente. Com nós dois.”
“Não está não?”, conferindo cada botão da camisa. O banho morno o tornara aromatizado e fresco, por inteiro.
“Quando vou poder te ver no seu trabalho? Quando vamos sair de mãos dadas? Dar uma volta, fazer compras…”
“Preste atenção”, ainda ao espelho, de costas para ela. “Vou falar uma vez só. Se você vier com essa conversa de novo, se tentar alguma coisa besta nesse sentido, vou alertar o segurança do Tribunal, e você não vai passar nem pela entrada do estacionamento. Ouviu?”
Ritinha contendo lágrimas com dificuldade.
“Pra que falar assim? Pensei que você me amasse de verdade… Você já disse que me amava uma vez…”
“Eu nunca disse isso. Não fique inventando coisas. Isso me irrita. Me causa mal-estar.”
“O quê? O que irrita você? Eu querer ser a sua namorada? Fazer como todos os casais do mundo fazem? Te abraçar em público…?”
“O que me irrita? Falar em amor e essas criancices.”
Ela se controlou bravamente para não cair num choro desenfreado e humilhante.
“Fico pensando se a sua mulher souber disso… O que você acha que ela ia fazer?”
Leon foi até a beira da cama, curvou-se para alcançar-lhe o rosto de frente. Sua firmeza abalava ainda mais a vulnerável ex-aluna.
“Ela já está separada de mim”, falando sério e seco. “Pediu o divórcio oficialmente há duas semanas. Você quer o contato dela? Ela vai achar engraçado se souber que eu tenho um caso com uma menina chorona. Quer o contato dela? Fala!”
Definitivamente humilhada, agora chorando baixinho, tentando controlar-se ainda.
“Tenho vinte e cinco anos”, um soluço sentido. “Vale tudo para me diminuir, para me ofender? Me fala você agora! Por que fica me tratando desse jeito? Com essa covardia! Me fala!”
Leon acabava de vestir seu longo casaco escuro. Fora do ambiente climatizado que mantinha tudo agradável no apartamento dela, teria de encarar o frio intenso lá fora.
“Me fala agora! Não seja covarde! Vai, me fala!”
Ele abriu a porta da frente, sem qualquer alteração nos passos bem marcados, portando sua maleta de mão. Pronto para seu dia de trabalho. Um juiz federal, no auge de sua carreira. Aliviado, desde esse mesmo momento, por estar deixando Ritinha e tudo aquilo para trás.
“Eu preciso ir.”
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