Office in a Small City por Edward Hopper

Sobre “Vencidos, uma questão de tempo”

O conto “Vencidos, uma questão de tempo” trata de três jovens soldados encurralados em um apartamento semidestruído no que restou de uma cidade bombardeada.

“Se vou morrer hoje, tudo bem, eu pensava. Só o que me trazia um incômodo nervosismo era imaginar como morreria. Um só daqueles mísseis, se atingisse o apartamento, se atingisse, digamos, o centro da sala, não me daria tempo para um último suspiro. Força de expressão, claro: por que eu haveria de querer um último suspiro? Se atingisse outro cômodo, quem sabe, talvez eu morresse sob escombros, gemendo alguma coisa incompreensível ou amaldiçoando todas as guerras do mundo.”

Eles aguardam um ataque aéreo que deve ocorrer a qualquer momento, arrematando a destruição quase total daquela parte da cidade.

“Eu voltava quase instintivamente para perto da mesinha, no canto da sala, agachava-me ao lado dela, afrouxava um pouco o capacete, como se assim pudesse, ridiculamente, proteger-me. Era o único móvel ali. Outra possibilidade era a de uma dessas explosões, deflagrando um abrupto deslocamento de ar, atirar-me prédio afora, estilhaçando a ampla janela de vidro, fazendo-me um cadáver carbonizado e distorcido lá embaixo. Haveria sangue?”

Uma situação de ansiedade em que os pequenos gestos parecem perigosos e inúteis, e a tendência é negar as possibilidades reais de morte iminente.

“Eu não estava propriamente nervoso. Percebia em mim uma indiferença intermitente, uma capacidade quase terapêutica de distrair-me, esquecendo-me de tudo que me levara até ali, como se uma nuvem entrasse e saísse por meus olhos, por vezes uma sensação de alívio e, ainda assim, uns sinais avulsos de grande preocupação.

‘Vocês ouviram?’, Franco inclinando-se pela porta da cozinha.

‘Não. Não ouvi nada’, adiantei-me.”

Os três adivinham o medo e a apreensão que tentam esconder uns dos outros.

“Somos o que restou de um pelotão mal orientado, formado por jovens confiantes e ingênuos: nós. Franco levava muito a sério sua posição de sentinela, na cozinha imunda. Victor estava a cargo da máquina: ficava de pé, junto à larga janela de vidro, por onde se mostrava a vasta lateral cinzenta do outro prédio e um céu não muito diferente. Essa ampla janela, que constituía praticamente toda uma parede da sala, causava-me arrepios, fazia-me sentir muito mais vulnerável. Eu quase podia ouvir o tilintar dos estilhaços. Tudo era uma questão de tempo. Tudo, em nossa vida, é uma questão de tempo, penso eu.”

De qualquer forma, o narrador não deixa de ser realista, ainda que evasivo em suas precárias filosofias.

“Eu não acreditava como eles. Não tinha fé como eles. Chegava a pensar que nós mesmos nos conduzimos cegamente a tudo que nos acontece. Que no fundo não morremos por uma causa. Apenas atravessamos o tempo, com nossas escolhas. Nem pela pátria, nem por um amor. Trata-se, como sempre penso, de uma questão de tempo. Morremos porque a natureza nos quer de volta.

Inconsistência dos retratos – Guia de leitura

Imagem: Hans Hofmann. Sem título. 1949.

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