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Teus olhos na escuridão. 56
Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastador.
Nessa mesma noite, uma inesperada aparição pública: o primeiro-ministro De Castro surpreendeu a todos (as mídias televisivas tiveram de se apressar na interrupção de seus programas, para transmitir seu pronunciamento), entrou a discursar diretamente do Palácio da Liberdade, esclarecendo, muito sério, tranquilo e elegante, mas sem que seu olhar e suas mínimas expressões faciais lograssem disfarçar um grau latente de hostilidade, que eram gratuitas e inaceitáveis tantas calúnias sem fundamento, tal como haviam sido publicadas, de maneira leviana e capciosa, por um periódico tendencioso e irresponsável, que só podia ter como objetivo prejudicar a unidade da nação. Em outra parte de seu discurso, carregado de tensão e pontuado por breves pausas graves, ele avisou que, se tivesse de cair, não cairia sozinho. Esse último recorte gerou reações especulativas férteis. Sim, e só eu e mais alguém sabíamos disso. Cairiam todos. Sem que um pudesse salvar o outro. Como pinos de boliche. E as instituições governamentais enfrentariam uma enorme dificuldade para substituí-los, a cada participante do mesmo esquema, dada a extensão dos terminais nervosos do aparato todo, que fazia descer sangue e enxofre até as camadas mais baixas do parlamento e de algumas secretarias específicas.
Quando o dia voltou e amanheceu, nublado e promissor de águas, o país todo ainda falava na minha matéria. E tudo se voltava para a Facto, único periódico a publicar algo sobre a complexa engenharia criminosa envolvendo o alto escalão do governo. Toda a equipe se voltava para os televisivos. Não havia como alguém pensar em qualquer outra coisa.
Por mais de uma hora, o editor-chefe permaneceu quieto, neutro, ausente. Nesse tempo, o Tato entrou em sua sala e a deixou, andando rápido, três vezes. Finalmente, o Edison me chamou para conversar. Imaginei que fosse levar a maior bronca do Mundo Livre, antes de ser demitido, só por não ter passado a matéria a ele antes de torná-la pública. Eu o havia atropelado – como havia atropelado toda a imprensa e o próprio governo, as autoridades máximas da nação. Mas ele foi sóbrio, cauteloso. E me disse: “Você viu os números? Seu tópico está a caminho de um recorde de visitas. Reproduzido à velocidade da luz. Até nos países vizinhos, de língua espanhola. E a Facto está em toda parte, na pauta do dia. Não param de chegar mensagens. Os seguidores só aumentam, segundo a segundo, de maneira frenética. Três patrocinadores novos me procuraram agora cedo. Dois deles são gigantes do mercado.”
Pedi desculpas por não tê-lo informado sobre o texto, algo excepcional e fora da rotina, uma clara desobediência aos procedimentos internos. Mas ele nem respondeu a isso. Também não me olhava de frente. Não aceitou nem rejeitou minhas desculpas, agiu como se não estivesse me ouvindo. Saímos de sua sala.
Ele chamou a atenção de toda a equipe, nos reuniu, ou não propriamente nos reuniu, apenas posicionou-se à frente de nosso espaço e iniciou seu recado. Alguns colegas se levantaram, outros apenas giraram seus corpos, com suas cadeiras. Ele dispensou toda a equipe após essa primeira meia hora de expediente.
“Pessoal, vamos encerrar por aqui hoje!” Bateu três palmas decididas no ar. “Todos nós sabemos da repercussão do nosso trabalho. Estão circulando palavras e expressões como renúncia, golpe na República, escândalo histórico etc. Os olhos da nação estão voltados para nós aqui, para a Facto. Hoje é um dia histórico. Nossa revista deu um salto gigantesco, e espero que a gente possa sustentar isso. E eu sei que sim, porque vocês todos são feras! Não vamos publicar mais nada hoje. Essa repercussão toda está apenas começando, e nós não sabemos aonde isso vai dar. Todos vocês estão dispensados. Isto não é uma opção. Quero que vão embora, que vão para casa, para onde quiserem, acompanhar os desdobramentos disso em outro lugar. Parabéns a todos! É ótimo poder contar com vocês. Vocês são extraordinários! Ah! E hoje à noite, a partir das oito, todos no Prime Time, por conta da Facto. Vamos comemorar!”
Meus colegas aplaudiram também, uns aos outros. Foram desligando seus pontos e saindo, motivados e prodigalizando grandes vibrações de alegria. Eu quis ficar um pouco mais, o Edison não se importou. Ele disse: “Tô indo. Qualquer coisa, me liga.”.
As emissoras televisivas que não exibiam noticiários pela manhã interrompiam suas programações. Infocamps entrando ao vivo a todo instante. Fiquei mais uma hora e meia por ali, não trabalhando, mas tentando absorver toda aquela tsunâmica repercussão. Meu nome, como previsto, não saía a público: isso me tranquilizava e me garantia a vantagem de saborear esse meu ato anônimo de coragem sem ser incomodado.
Em meio a todo o frenesi das novidades ainda vivas, uma mulher veio a público denunciando o primeiro-ministro por assédio sexual. As redes de televisão a disputavam a tapas. Corri a ouvir seu depoimento, com algum ranço viciante de esperança – mas não, não era a voz dela.
Percebi que alguém se aproximava. Ruído mínimo. Identifiquei uma figura dinâmica, chegando por trás, quase refletida por meus óculos, à margem de minha visão. Não me movi, não tirei os olhos de minha tela. Era o Octavio Germano, que ainda não havia me cumprimentado.
“Tato! Não vi que você estava aí.”
“Sei. E você vai ficar aqui, é?”
Eu o via contra as poucas luzes acesas, quase na penumbra, por causa de nossas instruções para economizar energia elétrica. (Isso era decorrente da escassez provocada pela crise hídrica, causada por uma progressão de fatores incidentes que o governo fez acreditar que fossem irrelevantes e que agora emergia com toda força. As autoridades tentaram esconder a situação ao máximo, até o último momento, quando um dos diretores da Superintendência Energética Nacional veio a público revelar os dados reais do problema, enquanto, à sua revelia, ele próprio acabava de ser demitido sumariamente.)
“Marco, para isso aí”, disse meu colega em tom imperativo e nada simpático.
“O que você quer, Tato?”
Ele puxou uma cadeira com impaciência, sentou-se bem perto, inclinou-se para a frente, focado em mim, em tom incisivo.
“Não se faça de bobo! Não está vendo que estão todos indo embora?”, fez um gesto largo com o braço, apontando todo o ambiente. “Não sabe por que o Edison nos dispensou hoje?”
“Ele quer comemorar o sucesso de nossa equipe.”
O Tato se irritou com minha resposta rápida, com minha ironia, que lhe deve ter soado insolente. Uns fios de seus cabelos loiros despenteavam-se sobre sua testa.
“Não me tome por um idiota!”, ele quase rosnou. “O seu tópico não passou pelo Edison, eu sei. Não passou por ninguém. Ninguém sabia dele. Você vai arcar com tudo isso sozinho.”
“Arcar com o quê? Somos uma democracia plena. Imprensa independente. Um país do Mundo Livre.”
“Não seja tolo desse jeito!”, quase um urro reprimido, entre dentes.
“Lembra do De Generis? ‘Diga o que quiser. Acredite quem quiser.’”
Ele se deteve, a um instante de agredir-me com um soco (e ele devia ter um bom soco!), gesto que por pouco não progrediu. Fúria dolorosamente contida. Virou o rosto.
“Vá embora daqui, Marco. Vá logo! Suma!”
“Estou sendo demitido, por acaso? E por você?”
“Pior do que isso.”
Girei na cadeira, mirei o rosto dele de frente, com sutil atrevimento. Eu não me lembrava de tê-lo visto assim alguma vez, tão sério, realmente sério, preocupado além do normal, intencionalmente escondido em algum canto da redação, para abordar-me no momento certo, talvez pronto a surpreender-me com alguma atitude imprevisível.
“Vamos lá, me diga então!”
Ele se levantou, empurrou lentamente sua cadeira para o lado, ajustando-se a postura, pondo-se, num momento, inteiramente sob controle.
“Olha, Marco. Eu não sei em que merda de conspiração você se meteu. Mas não pense que nós somos ingênuos. Não aposte nisso.”
“Nós? Nós quem?”
“O Ministério Público e a Polícia Federal estão em polvorosa. Isso vai comprometer até as nossas relações internacionais. O país vai colapsar.”
“E dai?”, eu falei, sem nenhum sinal de recuo. “Mais trabalho para todos nós. Para toda a imprensa.”
“O que você quer? Voltar ao século 20? Quer ficar fumando o dia todo ao lado de uma máquina de escrever?”
“Não seja exagerado. Você é culto, inteligente. Sabe que no século 20 havia coisas piores do que as facultativas. Só que de outro gênero.”
Seus olhos claros se tornaram escuros. Não era efeito das poucas lâmpadas acesas. Eles de fato se transformaram ali mesmo, à frente dos meus, sem que ele mudasse minimamente de posição. Como acontecia com a Tracy, de olhos celestiais, que se transmudavam conforme seu humor.
“Não importam as pessoas em seu dia a dia, com suas coisas de sempre. Uma ou outra pessoa não tem importância. É preciso comprometer-se com um ideal. Viver por ele. Morrer por ele. Tudo que nos acontece pessoalmente tem que ser superado. O ideal tem de estar acima de qualquer coisa. Nós acreditamos nisso e lutamos por isso, enquanto milhões e milhões de outros apenas passam pelos dias, quando muito, buscando bagatelas sem um sentido maior. Quando fazemos amigos, nos enfraquecemos. Sentimentos não nos fazem bem. Quando perdemos um ou outro aliado, não nos afetamos: faz parte do risco. Faz parte do jogo.”
“Nós quem? O que está dizendo, Tato? Que conversa idiota é essa?”
“Você sabe por que a Cleo não veio hoje, não sabe?”
“Não. Já tentei falar com ela, mas…”
“Ela foi detida. Já estava sendo monitorada.”
“Como é que é?”
“Parece que as notícias não são boas. Ela foi submetida a interrogatório. Garantiram que foram usadas apenas técnicas básicas, nos procedimentos. Mas ela tinha uma deficiência cardíaca. Você sabia disso?”
Levantei-me de repente, a cadeira quase caiu de lado. Nossos rostos estavam à mesma altura.
“O quê?! Que história é essa? Como você sabe disso?”
“Temos nossas fontes, não temos?”
“O que aconteceu com ela? Que história é essa?!”
Silêncio de quem sabe, desafiador.
“O que acontece com muita gente, todos os dias, no mundo.”
“Que história é essa, Tato?! Você enlouqueceu?”
“Ela deve ter sido detida anteontem, não ontem. Por isso você não conseguiu falar com ela.”
“Como você pode saber disso? Isso é mentira, não pode ser! Eu não confio em você!”
“Vá embora, Marco”, ele disse calmamente, sem mover um milímetro a cabeça. “Para o mais longe que puder.”
“Eu não confio em você, Tato! Você está acostumado a mentiras, trabalha com mentiras, elogia as mentiras bem elaboradas…”
“Você, falando em mentiras? Acha que não percebemos a relação? Foi só depois que a Cleo chegou que as coisas começaram a acontecer. Logo saiu aquele seu tópico sobre a reconstrução do Estádio: um verdadeiro torpedo, causando estragos na boa condução da política em nosso país. De onde veio essa Cleo? Como entrou aqui? Como ela sabia do seu tópico antes de ele ser publicado?”
“Ela não sabia.”
“Ninguém mais guarda livros em casa, só você – e ela! Vê isso como uma coincidência?”
“Claro, mas claro que sim. É uma coincidência. Mais pessoas colecionam livros impressos, você sabe disso.”
“Isso de guardar livros em casa é, no mínimo, suspeito. Para quê? É como se estivessem cultivando alguma coisa.”
“Mas que bobagem! Sim, por que não? Por que não cultivar alguma coisa?”
“Ela seduziu você. Isso tudo foi armado. Não sei como nós não percebemos a tempo.”
“Nada disso! Nós quem? Você está pensando tudo errado. A Cleo não sabia de nada. E, pelo que está dizendo, posso lhe garantir que você também não sabe de nada.”
Ele deixou de me encarar, um gesto de ajustar as calças. Olhou de lado.
“Suma daqui, Marco. Não quero um duelo com você, não sejamos patéticos. Desapareça por sua conta. Não fique por perto. Procure algum parente, outra cidade… Estou lhe dando um bom conselho, entenda isso. Estou sendo seu amigo agora.”
“Como? Agora?”
“Vá logo, não seja ingênuo. Não seja tolo!”
Ruído vindo de uma das salas do fundo. Passos curtos e bem marcados, som de saltos no piso frio. Fiquei paralisado, perplexo. A Iara carregava sua bolsa e uma sacola de papel com a logomarca de uma loja de roupas. Eu nem tinha percebido que mais alguém estava ali, em silêncio, nas sombras.
“Iara…”, eu quase gaguejei.
Ela parecia pálida sob aquela luminosidade anêmica. Sua pele negra bonita, que se mostrava no rosto, no pescoço e nos ombros, nos braços de proporções admiráveis, destacados por uma blusinha de alças finas, e na parte inferior das pernas, ao fim de sua saia discreta, sua pele agora me lembrava o marrom acobreado de algumas frutas. Ela me ignorou por completo. Nem olhou em minha direção.
“Tato, o aero está chegando. Vamos?”
Cumplicidade explícita. Eu não sabia o que dizer a mim mesmo. O Tato lhe dirigiu um gesto com a mão, quase impaciente, significando que ela se fosse dali, que o esperasse em alguma outra parte. Ela ainda ficou um instante inerte, então obedeceu, quieta, e saiu pela porta da frente.
“Acho que você não tem noção do que fez, do que está fazendo”, disse ele enquanto se afastava, sem tirar seus olhos escurecidos dos meus. “Mas acho, também, que tem sim.”
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