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Teus olhos na escuridão. 48
Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastador.
Na segunda-feira, tentando concentrar-me no trabalho, ouvi a conversa do Gabriel com o Hélio enquanto passavam por meu ponto.
“Os índices de pobreza e de pessoas abaixo da linha da pobreza estão muito altos. Você viu a última estatística? O De Castro vai ter que apresentar algum plano, alguma coisa pra mudar isso. Qualquer coisa.”
“Vai nada! Ele vive de propaganda enganosa. Acaba promovendo alguma outra peça de marketing, e todo mundo aplaude.”
Depois, vi que o Tato se aproximava. Saía da sala do Edison. Parecia entusiasmado, pegou-me pelo braço e me conduziu à copa para dividir um café e qualquer conversa que geralmente eu acompanhava com gosto, originadas de nossas afinidades, assim como de nossa improvável sintonia.
“Marco, é o seguinte. Acabei de falar com o Edison e vou antecipar uma fofoca. Mas você tem que confiar em mim.”
“Confiar em você? Está pedindo muito. Dispenso a fofoca.”
“Ele estava me falando de você, comentando algo sobre o seu talento.”
“O quê? Talento?”
“Que você é um ótimo redator, sabe concatenar as ideias e trabalhar com as palavras de uma maneira própria, que chama a atenção.”
“Não pense que vai me sensibilizar com essa melação de chefe. Dá aqui a sua xícara.”
“Jura que o que eu vou lhe dizer agora vai ficar entre nós. Até segunda ordem.”
“Não juro nada. Pode esquecer.”
“Ele está pensando em promover você a redator de facultativas. Acha que você se sairia muito bem nessa área e que isso poderia enriquecer o conteúdo da Facto.”
“Imagine, Tato!”, respondi quase num susto. “Não sou isso tudo não. Nem gosto muito de facs, você sabe. Não vai dar certo.”
“Eu não estou lhe propondo nada. É ele quem está cogitando essa coisa toda. É ele quem deve fazer isso. Só estou antecipando uma tendência. Não tem nada que responder para mim.”
O Tato encostou-se no balcão de granito, quase de pé, cruzando os tornozelos, apoiado de forma a que uma suave corcunda emergisse do alto de suas costas.
“Eu acho que você deve pensar muito bem antes de responder. É uma oportunidade de ascensão como midcom. Podemos até trabalhar juntos em certos temas.”
“Coitado do Edison, não pode mesmo confiar em você…”
Nesse momento, fiquei tentado a contar ao Tato sobre o Heródoto Vendime. Mas não podia fazer isso, absolutamente. Era a saborosa tentação da afinidade, da compreensão mútua. Eu tinha certeza de que ele adoraria saber. Será que teria, como todos nós, se esquecido do consagrado autor do Subverdades? Quando estávamos à porta do elevador, prontos a deixar o magnífico apartamento do professor Vendime, sua esposa, a dona Meridiana, nos deteve para conversar. Pediu que não publicássemos nada da entrevista, disse que ele nem mesmo havia entendido muito bem que estava sendo gravado, e a Cleo, precipitada e simpática, lhe garantiu que não faríamos isso.
“Ele deve ter confundido você com alguma aluna muito próxima ou… alguém com algum tipo de intimidade que não me cabe e não me interessa saber.”
“Pode ser, senhora. Eu nunca tinha visto o professor Heródoto pessoalmente antes.”
“Eu entendi logo que não era você, que era confusão dele. Quando a secretária disse o seu nome (ou errou o seu nome, ou ele entendeu errado o seu nome), o Heródoto ficou feliz e excitado, muito animado, como há muito tempo eu não o via.”
“Parece que ele nem percebeu o engano”, observei.
“Não sei. Ele sempre gostou de falar com alunos, estudantes, jovens. Não sei nem mesmo se ele entendeu que estava dando uma entrevista. Essa doença o confunde um pouco.”
“Senhora”, falei a meia voz, “desculpe, sem querer ser indiscreto: pode nos dizer que doença é essa? Qual é o diagnóstico?”
“É um tipo de demência. Sem motivo aparente. Talvez um fator genético. E os médicos não sabem explicar muito bem essa debilidade física progressiva. Ele parece estar envelhecendo muito rápido, fora dos padrões de sua idade. Mas não sei como.”
Isso, eu podia apostar, faria os olhos claros do Tato cintilarem de fascínio, como os de um felino à vista de uma presa. Era imperioso que eu resistisse ao máximo a essa saborosa tentação. Mas imaginava, um dia, contar a ele. Agora falávamos mais uma vez sobre história, sobre eventos reciclados, sobre eventos esquecidos. Sobre a Revolução de 32, que cada vez interessava menos, após 116 anos, e outros tantos episódios que não despertavam motivações para sua preservação, assim como batalhas ocorridas há muitos séculos podiam ser varridas para a escuridão do esquecimento, sem que ninguém vivesse menos ou mais alienado por causa disso. Ele comentou que a memória coletiva não era nada confiável, que todos nós podíamos ser induzidos a esquecer o que quer que fosse, dependendo da ênfase de quem pretendia manter vivo certo caso histórico e da ênfase em sentido oposto, dissimulada e negativa, de quem preferiria tornar o mesmo caso imune à curiosidade dos leigos, propenso a provocar um grau considerável de apatia até mesmo em leitores potencialmente vorazes.
“Por exemplo, Marco: o 11 de setembro. Você estava lá? Você viu o que aconteceu de fato?”
“Ah, não venha com essa! Eu e você não tínhamos nascido ainda. Sabe muito bem que isso é ridículo.”
“Claro que sei”, ele riu. “Estava só brincando. A única coisa que sobrou desse evento aí foi a dúvida sobre os norte-americanos terem sido avisados ou não.”
“Bom, e daí?”
“Daí que são coisas assim que nos desafiam a produzir facultativas. Imagine que exercício de peso. Não se trata sempre de notícias atuais. Podemos, aos poucos, de maneira deliberada, mudar a história. Sou um entusiasta da ideia. Isso, de alguma forma, é algo belo.”
Tomei um gole de café, fiquei observando sua corcunda e sua displicência, a maneira tranquila como parecia imaginar coisas, tramar possibilidades. Essa ideia de reescrever a história parecia agitá-lo surdamente no momento. Algo que talvez começasse com retoques inofensivos em curiosidades e anedotas, mas que poderia, em qualquer futuro próximo, tornar-se grandioso.
“E para que serviria isso?”
“Serve, se servir. Se for conveniente aos poderes institucionais estabelecidos hoje, no presente, então pode-se contar com a criatividade, a sutileza, o talento de midcoms como eu e você.”
“Que lindo: aos poucos, mudar a história. Muito arrogantes e autoconfiantes, nós dois.”
Ele me deu um tapa no ombro. O Tato não me diria nada daquilo se não tivesse sido instruído, pelo Edison, a me sondar. Eu duvidava de minha criatividade para redigir facs, mas a questão não era essa, como também não era uma questão de aprendizagem ou de técnica: eu não queria contribuir para a confusão do mundo.
“Ficou sabendo que a Niterói inaugurou uma seção específica, só para questionar temas históricos?”
“Não. Não fiquei. É sério?”
“Eu li alguns tópicos. Eles lidam com curiosidades. Detalhes intrigantes. Sugerem que o assassino de Lincoln morreu velho, que nunca foi pego. Que o número de judeus mortos no holocausto é muito menor do que o oficializado. Estão fazendo um trabalho muito interessante. Muito atraente.”
“Facultativas didáticas.”
“O que parece ser um novo filão de ouro, um horizonte pouco explorado até o momento. Gerando boas oportunidades para os profissionais das facs. Ouviu o que eu disse?”
“Ouvi.” Eu estava disperso. Pensando em outra coisa.
“As mitologias, as religiões, as superstições, enfim, você sabe: tudo mentira. As religiões são grandes mentiras institucionalizadas, e uma parte significativa da humanidade não consegue viver sem elas.”
“Sim, eu sei disso. Que novidade.”
“Nosso país já passou por muitas turbulências. Finalmente temos um governo equilibrado e atento. Temos o país que a gente queria ter.”
Se ele percebeu ou não, suas últimas palavras provinham da campanha eleitoral mais recente: “O país que a gente quer”.
“E daí? Por que então precisamos tanto assim de facultativas?”, ironizei, com certa ênfase no verbo “precisar”.
“O ponto, com uma visão mais ampla”, ele abriu os dois braços na horizontal e os reposicionou rapidamente, como alguém que faz um movimento de ginástica, “que, pelo jeito, você não consegue alcançar, é que pouca gente se dá bem com a verdade. Mesmo que a verdade seja, muitas vezes, uma coisa boa.”
A Heleninha entrou tão de repente que nós dois nos voltamos para ela ao mesmo tempo. Seus cabelos curtos ainda eram azuis, sinal de que andava pouco interessada em mudar muito – pelo menos ao longo dos últimos dois meses.
Nosso colega descolou-se do balcão, como empurrado por um ser invisível, sem fazer o menor esforço muscular. Ajeitou sutilmente o cinto, o que me parecia um ato falho de quem passaria a castigar a Heleninha de alguma forma, por tê-lo interrompido.
“Vou ter que voltar”, eu disse.
O Tato é do tipo conservador: não gosta de inovações e diversidade. A Heleninha, principalmente, com seu estilo original e sua autoestima acima de qualquer prova, não lhe agrada, como não lhe agradam artistas e autores que não sejam tradicionais, convencionais, disciplinados e seguidores de padrões fixos de estética, tendências antigas, que atravessam séculos de civilização, reciclando-se com mínimas variações.
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