Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 41

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Na quarta-feira, parte de meu mundo caiu. Era meu pai, em lágrimas, na tela do GP.

“O Fução, Marco… Ele morreu… Fizeram uma maldade com ele…”

Ao amanhecer desse dia, meu pai abriu a porta da frente e viu o Fução caído no gramado. Foi até ele e constatou que estava rígido, sem pulsação. Mesmo assim, acomodou seu companheirinho ao seu lado, no assento da caminhonete, embrulhado em um de seus panos velhos, que mais lhe serviam para brincar do que proteger, e correu ao consultório da doutora Angelina. Ela constatou que o Fução estava cianótico e confirmou sua morte. Provavelmente, dado o estado de rigidez de seu corpo, ele teria morrido algumas horas antes, durante a madrugada.

“Tadinho, Marco… Tadinho…”, meu pai apertava os olhos entre os dedos. “Quem faria isso com ele? Tão bonzinho… Perdi meu amiguinho…”

Ele desmorona como uma criança quando se encontra em situações sensíveis. Senti por ele, sinceramente. Senti pelo Fução, de uma inocência, de uma afetuosidade raras. Compartilhei seu pranto. Tadinho de meu pai, pensei. Papai Bode, espero poder cuidar sempre de você. O Fução também perdia um grande amigo. Teve a sorte de encontrar um representante, atencioso e sensível, da mesma espécie que antes o vinha desprezando e maltratando, sorte de ter sido amado durante a maior parte de sua vida.

Contei à Cleo sobre o Fução: ela começou a chorar enquanto me ouvia. Era estranho. Em nossa cidade, muito pequena, todos se conheciam de alguma forma. Por que alguém faria aquilo com ele? – algo assim premeditado, na calada da noite, quando estariam todos dormindo, a cidade quieta e sem movimento. A vizinhança toda o conhecia: era dócil, não agredia, não assustava, não incomodava ninguém. Ficava por ali, na parte da frente da casa, porque queria, porque talvez se sentisse mais livre e confortável com a brisa fresca da estação mais quente e seca. Inocentão por natureza, não poderia servir como cão de guarda: qualquer pessoa fazia amizade fácil com ele.

A dona Conchinha, com quem falei em seguida, explicando que não teria condições de viajar nesse dia e pedindo a ela que cuidasse de meu pai como pudesse, tornou a me procurar na noite seguinte, seu rosto bonito e calmo na tela de meu personal, para contar-me algo que a havia incomodado: conversando na mercearia, um vizinho lhe dissera que viu dois rapazes, montados numa moto, fazendo voltas nos quarteirões próximos de nossa casa, antes de sumirem. Usavam capacetes escuros, de viseiras opacas. Ninguém pôde testemunhar o que havia acontecido com o Fução, às altas horas da madrugada silenciosa, em Formiga d’Oeste.

“Ele enterrou o Fução no bosque. Dois meninos foram com ele. Perto daquela estradinha de aroeiras, sabe?”

Sim, claro que eu sabia. Conhecia toda a mata nativa, desde a minha primeira infância, desde que passara a brincar de me esconder entre aqueles arbustos e árvores, com meu querido Papai Bode.

A Cleo propôs que eu ficasse em casa. Ela me encontraria à noite, iria até o meu apartamento.

“Como você está, meu lindo?”

Servi cerveja a ela e a mim.

“Muito triste. Só devo estar menos pior do que ele. Há muito tempo eu não o via nesse estado. Inconsolável. Sofrendo muito. Com uma surpresa tão horrível…”

Contei a ela que aqueles dois rapazes obscuros nunca mais foram vistos em Formiga d’Oeste. Coisa de um dia só. Uma noite. Não moravam ali. Não pertenciam ao meio. Não eram conhecidos por ninguém, e a motocicleta que usavam também nunca tinha sido vista por ali. Tinham ido até lá especialmente para envenenar o Fução, por estranho e insensato que pudesse parecer.

“Vamos nos acalmar”, propôs a Cleo, acariciando-me os cabelos. “Talvez a gente não fique sabendo de tudo agora. Talvez não seja bem assim.”

Não, eu não conseguia pensar de outra maneira, e disse isso a ela.

“Foi planejado, Cleo. Premeditado. Aqueles lixos de gente foram até lá para cumprir uma tarefa. Uma missão.”

Conversar com a Cleo me ajudou, me fez bem. Mas minha indignação crescia. Minhas suspeitas só pioravam. E buscavam confirmações. A lembrança clara do Fução me escurecia. E se acrescentava às recordações menos claras que envolviam minha mãe, motivando-me ainda mais a romper com minha passividade. E a tomar decisões. Afrontar essa legião de demônios que se disfarçavam entre os dias, protegidos pela mentira.

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