Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 32

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

O frequentador secreto e discreto do Café Silene prosseguia, com suas anotações, registros e índices para pesquisas posteriores, obediente aos ditados de sua mestra, agora menos afetado por surpresas, mais saudável, mais disciplinado, mais eficiente, salvo quando surgia o nome de algum ministro de Estado ou conhecido empresário, representante de alguma grande corporação, o que lhe arrancava uma exclamação em voz baixa e um momento de suave estupefação, suficiente para assimilar a dura, decepcionante e quase cômica verdade.

“Inacreditável…”

Ela continuava enunciando seus relatos, sem pressa, sem paixão, fazendo desfilar o que fluía de sua memória privilegiada.

“… contratou dois assassinos de aluguel para eliminar a esposa. Ele a levou para jantar em um restaurante da Zona Norte. Os capangas os seguiram pela estrada. Os próprios criminosos declararam, depois, que ela estava viva quando foi enterrada…”

“Que loucura… Por que isso?”

“Ela havia descoberto o envolvimento do marido no esquema de corrupção do Congresso Nacional. Ele guardava dinheiro em casa. Além disso, o casal não vivia bem, e ele não queria mais ficar com ela. Fora isso, era tido como um profissional competente, chefe da Comissão de Orçamento. Parece que agora, outra vez em liberdade, ele se tornou pastor evangélico. Quem sabe o que estará tramando no momento?”

“Parece que a Justiça não serve mesmo para nada.”

“Não quando tem que lidar com gente tão poderosa. Há exceções. Advogados incompetentes, por exemplo, que não conseguiram uma maneira bem arranjada de subornar magistrados ou desviar os processos para instâncias convenientes.”

“Imagino o que você viu nesse tempo todo…”

“Eu sei de alguns outros casos como esse. Mas, como todos nós, não conheço detalhes da participação de juízes e desembargadores. Não sei o que teria levado à impunidade de alguns ou à leveza das sentenças, para outros.”

Fiquei pensando, assimilando, avaliando aquilo tudo. Enquanto todos nós vivemos, estudamos, trabalhamos, essas coisas continuam acontecendo, às escuras. A imprensa é vista como um quarto poder. Mas, dependendo do caso, tem dificuldade em jogar luz sobre pontos comprometedores e interessantes, projetados e administrados pelos três poderes oficiais. Não conseguiríamos, analisando atentamente a fala de um político, por exemplo, detectar algo errado, algo escuso, algo que seu discurso ou expressão corporal denunciasse inadvertidamente?

“Não”, disse ela. “O perfil de quem participa desses esquemas, pelo menos em hierarquias mais altas, não permite deslizes em simples pronunciamentos, entrevistas, manifestações.”

“Chamamos de esquema, organização, máquina… Mas é isso mesmo, não é?: é preciso saber lidar com a engrenagem toda.”

“Sim. Isso exige inteligência, competência. Principalmente fidelidade.”

“E parece que certos crimes brutais não têm relação com a política, só por não serem crimes especificamente políticos, não é? Mas é claro que têm, já que contam com a proteção de figuras públicas e de seus aliados poderosos.”

“A política pode matar qualquer um”, ela afirmou, com tranquilidade e frieza, enquanto exalava, aparentemente com alívio e prazer, mais um pouco de fumaça ao saborear seu Malpro. “É raro que alguém não pague um preço alto por violar algum acordo. Isso é consenso entre os convivas.”

“Gostei da expressão…”

‘É compreensível. É previsível. Até mesmo obrigatório, segundo alguns.”

A cada encontro, eu ia me acostumando não apenas à quantidade de informações de que ela dispunha, mas também à riqueza de detalhes sobre alguns pontos, episódios, reviravoltas, por vezes mencionando casos do passado, que eu já conhecia muito bem. Era ela quem determinava quando continuar e quando parar. Nessa última noite, parecia disposta a conversar algo mais, e eu saí do Café Silene perto das quatro da manhã, no auge da solidão da rua estreita e nostálgica que se prestava a seu endereço.

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