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Teus olhos na escuridão. 31
Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastador.
Como meus colegas, fiquei repassando, logo cedo, as manchetes do dia. Um pouco em minha tela; outro tanto na tela suspensa junto à parede lateral, que se conectava a um aparelho programado para mudar de canal automaticamente, conforme o rastreador robótico detectava pautas relevantes para nós, da Facto. E ali estava. Um dos assassinos conseguira fugir para a Suíça (o que parecia impossível), e de lá acenava à imprensa, sem perder, em nenhum momento, seu jeito de ser, seu charme e sua simpatia característica, além, é claro, de pontuar suas falas tranquilas com alegações de inocência. O crime ocorrera pouco mais de um mês antes: uma jovem que visitava seu apartamento, prostrada sob efeito de narcóticos, fora seviciada, agredida e asfixiada por ele e por um comparsa. Os dois amigos amarraram o corpo da vítima com arames, envolveram-no em um lençol, depois acrescentaram ao pacote uma bolsa de couro cheia de pedras, para que afundasse no mar. Durante a noite, foram até a beira de um paredão de rochas da orla marítima para atirar a garota ao esquecimento e encerrar o assunto. Mas aconteceu de uma testemunha casual, que sofria de insônia, ter presenciado toda a estranha movimentação, que mais tarde relatou às autoridades policiais, além de ter anotado os números da placa do veículo terrestre que vira no local e que pertencia ao principal perpetrador do crime. Filho de um milionário com amigos influentes entre representantes das Forças Armadas, nesse dia, pelo que acabávamos de saber, perplexos e incrédulos, ele se encontrava na Suíça, e não mais na prisão onde preventivamente deveria estar confinado. Como ele teria conseguido tal façanha, digna de cinematografias clássicas, era ainda um mistério para todos.
“Está acompanhando isso?”, perguntou o Arthur, perto de mim, olhando minha tela.
“Quem não está?”
“Agora que a Justiça parecia ter tudo sob controle, acontece isso. Inacreditável.”
A diplomacia suíça, conhecedora do caso, informou ao nosso governo federal que bastava emitir um pedido rotineiro de extradição para que o assassino fosse enviado de volta ao seu país de origem. Porém, até o fim da manhã, o governo federal, ignorando a pressão da imprensa, não havia emitido ainda uma nota sequer sobre o caso. Também não se pronunciou ao longo do dia. Não emitiu qualquer documento relacionado à extradição do rapaz. Nada.
No mesmo dia, publicaram-se as primeiras facultativas sobre o caso. Uma delas revelava que a vítima havia deixado um bilhete endereçado aos pais, dizendo que não queria mais viver – ela fora encontrada nua, amarrada com arames! Outra relatava que o jovem traficante na verdade apenas comprava drogas para consumo próprio e que pretendia ser artista. Agora era a Cleo que se aproximava, enquanto eu terminava de ler uma delas. Como sentir o aroma de alfazema ou de avelãs que vinha com ela e não reviver as delícias surpreendentes e nervosas do dia anterior?
“Você está bem?”, tocou-me o ombro e logo retirou sua mão, cruzando os braços em seguida.
“Ainda um pouco enfeitiçado. Mas muito bem.”
Levantei-me, como para não bancar o indelicado, para lhe fazer companhia. Outros colegas estavam de pé também, próximos aos seus pontos, dois ou três compartilhando um mesmo espaço, diante da tela de um deles. Um e outro se deslocava, com uma caneca de café. Iam e voltavam, mas ninguém se afastava das telas, dos desdobramentos mais recentes do episódio em curso. Quando ocorria algo assim, catástrofes de grandes proporções ou crimes de repercussão nacional, ficavam todos um tanto mais excitados, como se estivessem vendo os últimos minutos de um jogo de futebol na final.
Mesmo com a maioria absoluta dos colegas distraída por aquelas transmissões ao vivo, a Cleo foi cautelosa ao se aproximar de mim. Estávamos nós dois de pé, quase nos tocando lateralmente, com os olhos focados na mesma tela, a de meu ponto, em minha mesa, pouco abaixo, à altura de nossos quadris.
“Vamos nos ver outra vez?”, a Cleo disse em voz baixa, sem olhar para mim.
“Vamos sim”, respondi com carinho.
Ela tocou meu ombro sutilmente e voltou, de braços cruzados, ao seu ponto de trabalho.
A Diana passou com seu café e me disse, enquanto andava: “Olha, Marco: o filha da puta fugiu na cara de todo mundo!”
“Pois é, menina. E ele não pode ter feito nada disso sozinho. Também estou muito curioso para saber no que isso vai dar.”
O Robinho também passava por ali. Eu já esperava uma pancada nas costas ou no braço, seu hábito. Foi o que aconteceu.
“Robusto e quase bruto”, ironizei. “Quase real e muito convincente. Eis aí o personagem de tua vida, Robinson. O teu destino.”
“Palhaço! Agora, deixa eu te falar, Marquinho…”, inclinou um pouco a cabeça, segurou-me o braço, como se fosse me levar preso, e falou perto de meu ouvido direito. “Escuta uma coisa. Essa gordinha tá querendo alguma coisa com você.”
Sem provas concretas contra o filho de um importante empresário do ramo de relógios, o caso do assassinato da jovem viciada ganhou outra reviravolta hoje, quando o acusado deixou o país para preservar sua integridade física […]
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[…] conhecida como uma das mais influentes traficantes da zona sul, frequentava os lares de famílias de classes alta e média alta […] que testemunharam muitas vezes surtos depressivos e tendências suicidas […]
Acredita-se que o cabeleireiro detido na semana passada, amigo do suspeito, um destacado gestor da fábrica de relógios Monde N, tenha sido coagido a prestar informações falsas sobre o suposto crime […] a versão de que a jovem viciada estaria viva, e de que o corpo encontrado, de uma indigente, teria sido enterrado às pressas para evitar […]
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