Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 28

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Durante o final de semana, fiquei lendo uma ou outra facultativa sobre meu tópico perigosamente informativo. Algumas, absolutamente ridículas (é a pressa, eu pensava); outras, bastante hostis; umas, longas e entediantes; outras, concisas, bem pontuadas. Também acompanhei, como o país todo acompanhava, em meio ao frenesi das mídias, as demais notícias, agora reais, sobre os desdobramentos do texto-denúncia. Eram comuns imagens aéreas do Romualdo Século. Advogados de defesa aparecendo do nada; um porta-voz do Ministério Público exigindo a imediata retratação dos envolvidos e anunciando a abertura de investigações junto à Polícia Federal; partidos de oposição protocolando petições à Suprema Corte… – eu já estava perdido com a ordem de instauração dos anunciados procedimentos, quais iriam estar em mãos de quem, quais viriam primeiro, a quem ou a qual instituição deveriam ser encaminhados, e toda essa falação provocava em mim indolência mental e desinteresse. O que ainda me atraía era a opinião das pessoas nas ruas, conforme os infocamps as abordavam e inquiriam: em geral, todos se mostravam surpresos, chocados, decepcionados e exigindo apurações rigorosas – enfim, justiça.

A Cleo se comunicou várias vezes comigo. Tive vontade de ir vê-la ou convidá-la para irmos a algum lugar, conversar longamente sobre tudo o que estava acontecendo – que eu havia feito acontecer. Mas não me pareceu sensato atropelar certas fronteiras de nossa boa e gratificante amizade. Talvez ela já tivesse planos com o namorado, ou talvez mesmo estivesse com ele o tempo todo, o que não era absolutamente de minha conta.

Baixei o volume da TV, deixei que as imagens ilustrassem, por si sós, o clima nervoso que se estendia com a divulgação de qualquer breve depoimento, discurso ou conclamação, enquanto eu passeava por um catálogo de livros, buscando adquirir algum título interessante, alguma coisa para mim, outra para o meu pai, e tomava minha Tincobell no bico. Praticamente, todos os segmentos da sociedade mostravam-se mobilizados. Eu ansiava pela segunda-feira: pelo encontro ao fim do dia, no Café Silene. Ao fim da noite. No início do dia seguinte – como vinha sendo.

Pela manhã, bem cedo, agentes federais cumpriram mandados de busca na mansão extravagante do governador, que se declarou ultrajado. Seu defensor jurídico, indignado e irritado, gesticulava contra o que ele classificou como uma infâmia sem nenhum fundamento.

Nossa revista disparou em todas as pontuações: o tópico, particularmente, e a revista como um todo. Não sei por que o Edison não me mandou flores ou uma caixa de bombons. Pragmático, profissional, sem tempo para mimar seus midcoms, pelo jeito. Ainda no período da manhã, o Rômulo, nosso poeta de plantão, assim falou: “A vida é breve, o tempo passa. Toda essa fogueira logo vai virar fumaça.”. Mais tarde, passando de volta pelo meu ponto de trabalho, rumo à copa, declamou algo assim: “O mundo inteiro vai acabar. Nosso dinheiro vai se danar. Nosso sumiço não vai incomodar.”. (Acho que ele estava sob influência daquela ideia cômica, que geralmente ganha força quando alguma coisa fora do comum acontece, a de que “o mundo está acabando”.)

A Cleo sorria e lacrimejava, orgulhosa de mim.

“Pena que não aparece o seu nome assinando o texto. Além dos pontos informativos e independentemente das denúncias, você construiu um texto elegante, exemplar.”

“Obrigado, minha amiga.”

“Mas, com essa agitação toda, acho que é o que menos vão notar. Ou valorizar.”

“Pode ser. Mas não importa mesmo, o estilo, nesse caso. Coisas muito mais sérias em jogo, não é?”

“Sim, e que coisas! Estou esperando o dia em que você vai me ensinar a pesquisar coisas desse jeito.”

Fiquei sem nenhuma ideia de como lhe responder rapidamente a isso. Desviei-me, dizendo o que vinha pensando um minuto atrás. “Não sei por que o Edison ainda não me mandou um belo arranjo de flores ou uma caixa de bombons dinamarqueses.”

“Ah, mas eu é que tenho vontade de te condecorar com uma medalha.”

Imaginei o Edison chegando com um grande buquê de flores, vindo em minha direção, comovido, grato, com lágrimas nos olhos, por trás de seus óculos retangulares. Compartilhei isso com ela, e rimos juntos. Antes de voltar ao seu ponto de trabalho, ela me convidou a ir ao seu apartamento outra vez, tomar um chá especial (surpresa), próprio para baixar níveis de colesterol e de adrenalina. Ora, mas é claro que sim. Que bom que surgem tais oportunidades de se comemorar um feito a um tempo sorrateiro e estrondoso, mesmo que de maneira tão modesta, sorvendo algum chá calmante, importado do fim do mundo.

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