Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 26

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Na manhã seguinte, logo que chegou à redação, a Cleo foi me procurar. Parecia algo afoita, quase correndo, com seus passinhos curtos. Inclinou-se ao meu lado.

“Ontem não sosseguei enquanto não abri o livro do Vendime”, disse, com uma das mãos fechando os dedos apontados para cima, oscilando bem perto do meu rosto. “Fiquei passando página por página. Vasculhei o sumário, os subitens… Li às pressas alguns trechos de parágrafos. Não encontrei nada que tratasse de temas preferenciais para facultativas ou temas não aconselháveis, que não servissem bem aos redatores de facs. Nada.”

“Isso quer dizer que…”

“Que talvez não seja coincidência que certos temas não deflagrem nenhuma fac e que outros façam disparar um bombardeio quase imediato de distorções e versões alternativas.”

Ela irradiava simpatia quando se fazia assim: espontânea, entusiasmada, ainda que, de certa forma, decepcionada, e seus olhos cintilantes brilhavam mais do que o normal. Vestido jeans azul índigo e uns adereços que evitei elogiar – naquele momento, isso quebraria nosso fluxo de raciocínios. Em meu silêncio, ela estava linda.

“Encontrou alguma sobre a bebê real?”

“Não. Olhei isso também. Nada. Nenhuma.”

Levantei-me devagar, deixei meu GP em modo suspenso, propus que fôssemos tomar um café juntos, na copa.

“Ontem, o Tato me disse que não valia a pena escrever facs sobre esse negócio da princesa e da herdeira e da família real e essa futilidade toda. Tome, segure sua caneca. Disse isso com outras palavras. Mas isso.”

“Não compreendo. Por que não?” Passou a mexer seu café com uma colherinha de maspênia, lodo depois de ter pingado adoçante nele. “Uma pauta tão popular, tao chamativa.”

“Também não sei”, sorvi um gole do meu. “Mas desconfio que haja uma espécie de código velado sobre isso. Como se todos os redatores de facs estivessem em acordo quanto a certos pontos. Como os publicitários, quando se entendem quanto a atender a algum princípio ético, ou quando combinam de um não atacar o outro.”

“Mas são coisas diferentes.”

“Talvez. Não sei. No Mundo Livre, todos podem escrever sobre tudo. Por que não seria interessante uma facultativa sobre a família real? Eu mesmo poderia escrever uma.”

O som ritmado de saltos altos, percutindo o piso frio, interrompeu nossa conversa: era a Iara que entrava.

“Oi, gente. Querem um pouco de desânimo?”

Sorrimos aqueles sorrisinhos sem imaginação, em resposta ao que merecem essas frases sem imaginação. Por que a Iara não gostava de mim? Por que eu não gostava dela? Era o tipo de pessoa a quem eu jamais confessaria algo pessoal, por mais superficial que fosse. E ela própria parecia criar e conservar essa aura de desconfiança, talvez não só em relação a mim, mas com certeza em relação a mim. Ela guarda um segredo, eu pensava. Essa mulher guarda um segredo. Algo mais importante que picuinhas pessoais, comuns a todos, que escondemos por estratégia ou por vergonha. Algo mais sério: algo que a impedia de ser espontânea. De certa forma, era como se não fizesse parte da equipe. Dissimulada a partir do olhar, que parecia perscrutar uma pessoa, de alto a baixo, e continuar absorvendo qualquer deslize, talvez ela pressentisse que eu era capaz de agir traiçoeiramente, desonestamente, fingidamente, como de fato agia com a delatora, garantindo-lhe que não buscaria saber quem era, ou com a Cleo, a quem menti sobre o propósito das mulheres afixadas na cartolina. A Iara me observava cautelosa, era fácil perceber, porque sabia (sabia!) que eu também era capaz de guardar um segredo. Não queríamos mais ficar ali, em companhia dela. Dispersar.

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