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Teus olhos na escuridão. 19
Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastador.
Logo que cheguei ao meu apartamento, liguei o GP, impaciente. Voltei a perscrutar cada rosto feminino em meu arquivo de detetive improvisado. Isso de ela ter se definido como uma dama era uma pista muito boa e me remetia imediatamente às duas candidatas mais velhas, no mínimo meia-idade, o que restringia bastante o foco de minha pesquisa – que eu, mau ator, havia negado nervosamente ao ser confrontado por minha interlocutora, pouco mais de uma hora atrás. Eu não tinha como evitar esse meu surto de curiosidade. Além disso, em uma situação como essa, a identificação de minha colaboradora poderia ser útil no futuro, por uma questão de segurança, caso algum desdobramento imprevisto e perigoso viesse a acontecer comigo, algo em que eu, no fundo, não acreditava. Peguei uma long-neck na geladeira. Acendi um cigarro e fiquei olhando fixamente aqueles dois rostos, murmurando: “Edna, é você? Maria de Lourdes, é esse o seu nome?” – e divagando tolamente, o que poderia ser visto como uma espécie de precário brainstorming. A imagem de Edna lembrava um cone: cabeça pequena, rosto largo a partir do nariz, pescoço de papada diluindo as linhas do queixo, orelhas grandes, muito verticais, ombros estreitos como a consolidar uma linha contínua desde as têmporas, bochechas flácidas, pálpebras inclinadas para fora, tornando seus olhos caídos lateralmente. No conjunto, lembrava uma figura de cera começando a derreter sob uma luz forte. Maria de Lourdes, outro tipo físico, toda rígida, quase pele e osso, maquiagem encobrindo as faces enrugadas e esticadas, sobrancelhas circunflexas, descendo até onde começava um nariz pontudo, sugerindo uma feroz e agourenta ave de rapina. Lábios retraídos a ponto de quase desaparecerem, pequenas pregas sobre o lábio superior, vincos verticais bastante salientes no pescoço magro, ombros esqueléticos. Séria, hostil, antipática – pelo menos naquela imagem. Eu não queria que fosse ela. Nenhuma das duas. Mas tinha de ser técnico, não tendencioso. Terceira cerveja, outro cigarro. Edna, a Paquinha… Lourdes, a Paquinha… Caratti Rodrigues: família proprietária do Café Silene… João Feijó é só um nome de fachada, não deve ser ele o dono daquilo lá… É tudo um disfarce… Maria de Lourdes não pode ser identificada, daí a trama bem cuidada dos nomes falsos… João Yuprés de Feijó… João e o pé de feijão… Castello de Castro, o primeiro-ministro… Luiz Castello de Castro… João e o castelo… É tudo uma fantasia… Uma cilada para me destruir… Uma trama que acabará por desabar sobre mim. Não é, Cleo? Cleo, por que você está comigo, aqui? “Deixe que elas falem”, disse a Cleo, sensata e carinhosa. “Tenha paciência, deixe que cada uma fale de si mesma, em seu próprio tempo.” Concordei, sem ouvir tudo claramente, fraco demais para reagir. “Eu não sou a Paquinha”, esclareceu Edna, olhando-me com seriedade, mas quase recuando e murchando. “Não tenho esses apelidos, sou uma mulher de respeito.” Eu não acredito em você, Edna. Não posso confiar em ninguém. Nem em mim mesmo. Olhe para mim, Maria de Lourdes. Que tipo de homem honesto sou eu? Eu lhe dei minha palavra de honra e, na mesma noite, fui procurar seu rosto nas redes. Eu a traí. Quase imediatamente. Sem remorso algum. Sem me sentir culpado ou traiçoeiro ou hipócrita ou… O fato é que você confiou em mim, e isso foi inútil. A Cleo olhando para mim, decepcionada, depois para Maria de Lourdes, à espera de uma resposta qualquer. Maria de Lourdes, agora nada séria, parecia estar se divertindo com a miscelânea toda. “Como pode se achar tão esperto?” Rebentou numa gargalhada e continuou rindo gostosamente, com sua voz bonita de dubladora.
Não me lembro do que sonhei depois. Nem me lembro de como adormeci. O GP estava ligado quando amanheceu. Corri ao banheiro, água fria no rosto: eu tinha que me aprontar, sair dali, trabalhar.
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