Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 13

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Dormi pouco, após um período quieto de uma insônia enriquecida de novidades, vencido pelo cansaço natural do dia. Antes disso, reli minuciosamente tudo o que havia anotado, ao mesmo tempo em que transcrevia dados (nomes, números e datas) para meu GP, para meu arquivo pessoal, esse em que rascunho ideias a serem desenvolvidas, gerando tópicos possíveis, mantendo minha agenda ativa. Enquanto lia e transcrevia, assimilava claramente as relações expostas ali, entre os itens citados, pessoas e suas funções em uma hierarquia administrativa sem falhas, pois minha interlocutora, inicialmente aparentando descaso pela ordem como listava os fatos, revelara notável capacidade de organização na montagem final do esquema, o que me fez pensar nela, mais uma vez, como alguém de inteligência superior – superior à minha, no mínimo, isso eu poderia afirmar.

Tive um dia de cansaço e sonolência, principalmente na parte da manhã. Deixei textos pela metade, anotando sobre como retomá-los e a que tempo. Tudo o que normalmente lia, nos principais periódicos nacionais, agora me chegava com um fundo de sombra, dividindo com minha memória trechos da conversa do dia anterior, melhor dizendo, desse mesmo dia, em seu início nada convencional. Tenho cópia da chave. Estou autorizada… Uma grande estrutura de corrupção… Nada digitalizado, nada virtual, você entende?… Se não estiver interessado, basta dizer. E eu desapareço… Sei que não usa armas… Trouxe óculos de sol… Depois, tudo tem que sumir… Não anote nada em seu personal. Nem em seu GP… Não haverá mais troca de mensagens pelo personal… Preciso contar com a sua extrema confiança… Não tente querer saber quem eu sou… Porque é assim que todos caem… Até lá, cabe a você assumir os riscos. Eu não vou assumir nada… A senhora… Você… Tenho acesso a informações mais importantes. Esfera federal… Me jogue um cigarro, você tem aí?… Meia-noite e meia. Espero aqui…

Isso tudo era perturbador, mas excitante. Inesperado, de minha parte. Como poderia me concentrar em qualquer outra coisa nesse dia? O Robinho passava por mim e percebeu o que eu estava disfarçando ao máximo: minha indolência, minhas olheiras, falta de foco, má vontade e outros componentes desoladores.

“Que cara, essa! Deve ter sido uma noitada daquelas…”

Não olhei para ele. Fingi que estava escrevendo alguma coisa com toda dedicação.

“Robinho, meu velho. Você é bem maior do que eu, portanto… não quero discutir nada.”

Levei um tapa nas costas, à altura do ombro; em seguida, ele me empurrou para a frente, golpe de uma mão só, quase me pondo a bater as fuças na tela do GP. Ele sempre faz algo assim. A maior parte dos colegas não percebeu nada: dia como outros, rotina, cada um em seu ponto de trabalho, fazendo isto e aquilo. A Diana se levantou, ia a dois passos de mim, a algum lugar.

“Diana, Diana, ei! Vem cá, vem cá…”, estendi o braço, mão no ar, chamando-a até mim, enfaticamente. Ela se voltou, parou ao meu lado.

“Diga.”

“Você seria cavalheira o suficiente para me trazer um café forte?”

“Ah, é?”, mãos na cintura. “Nem uma palavra sobre o meu look novo. Por exemplo, tipo isso. E já vai dando ordens.”

“Não são ordens. Fiz uma pergunta.”

Minha colega começava a semana com um novo estilo: tinha trocado as trancinhas nagô por cabelos armados, em forma arredondada, que me lembravam algo mais tradicional, mais século passado, embora estivessem, como aprendi minutos depois, na pauta mais atual da moda. Ela estava mesmo muito bonita, e parecia mais jovem do que realmente era.

“Está linda com esse penteado, viu? De verdade.”

“Ah! Agora, não vale mais. Penteado, que coisa mais… fora!”

A Cleo passava por ali. Convidada pela Diana a entrar na conversa.

“Olha aí, Cleo, que sujeitinho folgado! Se achando o reizinho da midcom.”

“Cleo, não acredite nessas calúnias. Eu só pedi um café, e é isso que eu ganho.”

“Não quero acreditar”, a Cleo sorriu.

Esses exercícios de bom humor me pareceram necessários nesse dia, nessa parte do dia, antes que eu enlouquecesse por causa de minha curiosidade pestilenta, que já dominava surdamente meus pensamentos, prometendo um gráfico ascendente. Fomos nós três à copa, tomar café. A Cleo comentou sobre ter conhecido o Prime Time, a Diana confirmou que já tinha ido várias vezes lá, comentaram algo sobre os ambientes enevoados de fumaça, e assim, com uma coisa e outra, nem foi preciso que eu justificasse a minha falta de vontade, facilmente explicável devido a uma insônia à toa.

Quando voltei ao meu ponto, passei ativamente a vasculhar as redes em busca de nomes de assessoras do governador ou de mulheres em algum cargo destacado da hierarquia. Depois me lembrei que ela disse algo sobre esfera federal. Seria verdade isso tudo? Como ela teria conseguido tão importantes detalhes sobre a organização criminosa que, pelo jeito, funcionava muito bem, sob controle e com notável eficiência, imune a denúncias? E por que não a teria denunciado antes? Se o que essa discreta delatora me havia passado fosse verdade (e tudo indicava que era), ela teria de fazer parte do esquema. Teria de estar diretamente ligada à rotina dos agentes públicos e privados que compunham toda a empreitada clandestina. Passei então a coletar nomes de mulheres que trabalhassem em cargos próximos às esferas mais altas do governo, da hierarquia federal. Isso se estendeu obstinadamente ao longo da tarde. Depois, à noite, em casa. Café forte ao lado, optando pelo mais concentrado, prevendo seguir outra noite adentro, grande investigador obscuro, quase um voyeur ou um stalker, colecionando nomes e imagens de mulheres desconhecidas.

A tarde havia passado rapidamente para mim, entretido com essa busca irrefreável. Continuei pensando em cada uma dessas mulheres, à noite, como disse, em meu apartamento, com meu GP em plena atividade, e só dependia de minha decisão conter essa curiosidade em modo e nível viciantes, ao menos dosá-la de forma mais sensata, procurando tentar dormir como antes, para poder recomeçar restabelecido e descansado no dia seguinte. Mas isso soava sensato demais. Não era ainda o momento.

Mesmo essa primeira pesquisa tomou-me um tempo considerável. Busquei mais café, acomodei-me, prossegui. Precisava separar quem era apenas uma visitante, uma assistente temporária ou uma fornecedora externa, alguma profissional que tinha o erário público como cliente, separá-las, enfim, das profissionais fixas. Minha lista era a seguinte (o máximo que consegui sobre funções próximas às autoridades mais influentes):

Simone de Lucena

Maria de Lourdes Caratti Rodrigues

Camilla Ap. Froes

Áurea Silvério de Souza

Djanira Nogueira

Rúbia Melo de Farias

Edna Ap. Batista

Ariel de Oliveira Guedes

Cíntia Maria Severo

Selma Novaes

Soraya Regina dos Santos

Eliane Albuquerque

Ingrid de Almeida Andrade

Uma delas seria ela? Teria de ser. Com as imagens, que desloquei para um arquivo especifico, no qual podia visualizá-las todas ao mesmo tempo, como num quadro de avisos, um panorama facilmente manipulável, comecei uma primeira seleção, com base em critérios genéricos, que eu acreditava pertinentes e razoavelmente válidos. Por exemplo: cinco delas eram muito jovens (recém-formadas ou talvez mesmo estagiárias), e não poderiam corresponder nem ao linguajar nem à experiência e à segurança emocional daquela que me havia surpreendido com sua capacidade intelectual contida e sob excelente domínio. Cuidava para não ser enganado por algumas de minhas conclusões preconceituosas, tratava-se apenas de uma primeira triagem, pois uma jovem qualificada também saberia se comunicar com clareza e bem arranjando períodos. Camilla, Rúbia e Ingrid: movi seus rostos sorridentes para a margem direita da página, programada automaticamente para reduzir-lhes os tamanhos, fazendo dessas simpáticas candidatas três cromos coloridos, sem o porte inicial de minicartazes ou de perfis de entrada em páginas de redes sociais. Juntei a estas outras duas: Ariel e Simone, que pareciam tão jovens, esperançosas e motivadas quanto elas.

Das oito que restaram, consegui a informação de que uma delas estava participando de um congresso no exterior, em Guadalajara, e não poderia estar falando comigo, presencialmente, poucas horas atrás. Alguma chance de eu ter sido enganado por uma voz transmitida a distância? Observar fusos horários. Tecnologias podem tudo. Mas… havia a fumaça de seu cigarro. E a voz estava ali, sem dúvida. Critiquei-me por esse excesso, estava exagerando, inventando muito. Com isso, Cíntia foi deslocada para a margem redutora, alinhada com as primeiras desclassificadas. Poderia mesmo ser eliminada de uma vez, só por estar no México. Mas eu queria continuar cauteloso, esforçando-me para não perder nada de vista, por mais absurdas que se oferecessem minhas avaliações, sensatas ou ridículas. Com o passar das horas, as coisas estavam se tornando mais ridículas do que sensatas: eu mesmo já percebia isso, o que era um importante sinal. A essa altura, nem o café nem a minha determinação poderiam evitar o domínio de um cansaço involuntário, pesado e demolidor. Desliguei o aparelho, tinha de encerrar ali mesmo essa tarefa autoimposta. Foi então que me assaltou uma ideia simples e muito promissora que, aliás, eu já deveria ter tido: ir ao Café Silene. Voltei à sala, onde havia deixado o personal, e enviei um fastpost para o Edison, comunicando meu home office para o dia seguinte. Ele não respondeu. Sim, era noite alta, ele não tinha mesmo que estar de plantão por coisa alguma, muito menos por minha causa.

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