Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 8

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Nessa noite, busquei meu pai. Seu rosto próximo, na tela de meu GP, sugeria ângulos engraçados e o tornavam ovalado e disforme: o velho seu Geraldo, com sua expressão inteligente e agitada. Agora ele se afastou um pouco, ficou bem, sua cara de verdade, sem distorções, sob uma perspectiva neutra.

“Fala, meu filhão querido! Como você está? Como vão as coisas aí na capital?”

“Ei, seu Geraldo! Saudades de você, rapaz. Ligando pra te ver, falar um pouco.”

Mais de uma semana que não nos víamos – com isso, eu concluía, por comodidade, que tudo ia bem com ele.

“Tudo bem por aqui sim. Trabalhando muito. Mesmo com essa longa ausência de notícias interessantes. Mas isso é parte do jogo. E você, tem se cuidado aí?”

“Sim, sempre. Tomo meu remedinho para o coraçãozinho todo santo diazinho.”

“E não faz mais do que a obrigação”, ironizei, demonstrando não achar nada engraçado aquele seu estilo infantil de ridicularizar as coisas.

“É, realmente o mundo está um tédio. Mas é melhor assim, melhor do que ouvir sobre crimes bárbaros e outras injustiças arrepiantes, não é? Se bem que eu teria algumas coisas bem tristes e impactantes pra contar, você sabe. Mas quem quer ouvir? Ora, a mídia jornalística que se vire, não é mesmo? Vocês não se dizem criativos?”

Eu ri. “Nem todos. Mas temos que ser. Como os publicitários e os professores que se aventuram ainda a idealizar coisas novas para atrair seus alunos. Você também era assim, eu lembro.”

“É, me dá saudade. Mas cansa. Dei o que tinha. Quando saiu minha aposentadoria, fiquei preocupado comigo mesmo, em lidar com isso, com essa falta de gente ao redor, com o fim daquela interação diária com os alunos, com os colegas… Não tanto por deixar de trabalhar, entende? Mas por não poder exercer a influência de antes, sobre as pessoas.”

“A vida continua”, disse eu, pobre de novidades, e acendi um cigarro. “Outros levam o bastão à frente, ao futuro.”

“Eu sei que ajudei muita gente a pensar. Você sabe, isso está em mim. Sempre quis algo mais do que as aulas.”

“Continua sua coleção de casos estranhos-interessantes?”

“Claro, claro. Quando vier pra cá, vou te mostrar umas coisas.”

“Não pode me passar pelo fastpost?”

“Posso, mas que graça tem isso? Precisamos ver juntos, lado a lado, com papéis em cima da mesa. Vendo a cara de espanto da pessoa…”

Nisso, um súbito alvoroço. Meu pai inclinou o corpo, desviando-se de alguma coisa que apareceu rápido na tela, sem saber, naturalmente, que estava ocupando o espaço de enquadramento de uma tela eletrônica: o curioso e estabanado Fução.

“Ei! Calma! Vem cá, fica aqui comigo, assim…”

“Ah, olha ele aí! O Fução de sempre”, falei divertido. “E como ele está?”

E lá vinha o Fução, grande vira-lata caramelo de pelo curto, agitado e feliz, passando de maneira aleatória e desastrada à frente da câmera, subindo e descendo sobre as pernas de meu pai. Quando ele entende que o seu Geraldo está conversando com alguém, tem que participar de alguma forma, obrigatoriamente, como não?

“Está bem, está ótimo!”, pegando a cara dele entre as mãos, encostando o nariz desbotado no focinho preto e úmido dele. “Levei na doutora Angelina esses dias, por causa de um carocinho que encontrei perto da virilha. Mas era coisa à toa, só um sebinho, não deu em nada.”

O Fução passava fome quando apareceu lá em casa. Um filhote abandonado, vagando sem rumo. Logo que entrou pelo gramado aberto da frente e se encostou a um canto da mureta lateral, parecia ter encontrado seu lugar. Meu pai o acolheu de imediato. Inicialmente, com a orientação da doutora Angelina, demandou cuidados específicos: vinha com sérios problemas de saúde, e sua situação, mesmo aparentemente exposta, era delicada, frágil mais do que o normal. Cerca de uma semana depois, nutrido e medicado, deu sinais de boa recuperação. Ao longo de um mês, mais ou menos, tornou-se um cachorro saudável, afável, agitado e bobo. Por isso, até hoje, diante de qualquer suspeita envolvendo sua saúde, meu pai corre a ver do que se trata (e como se trata), tendo em vista sua primeira infância desconhecida, afetada por carências de toda ordem e possivelmente por maus-tratos. O Fução ganhou uma casinha na área dos fundos, de um lado do quintal. Mas nossa casa é aberta, um corredor lateral liga a frente aos fundos, e ele dorme sobre o gramado ralo, de ervas rasteiras e porções de terra seca, perto da varandinha da entrada, em noites de verão. Meu pai o deixa solto, livre para escolher, nunca o amarra ou prende, e ele não passa muito do quarteirão de casa, em suas vadiagens de farejador. Eles se encontraram. Uma parceria invejável, movida, da parte de meu pai, não por instruções e voz de comando; da parte dele, não por interesses instintivos imediatos: o que principalmente e desde sempre eles dividiam era um amor sincero, genuíno, incondicional. Fotos com esses dois posando para a câmera chegam a ser engraçadas, ilustradas por dois bobos alegres, sem nenhuma segunda intenção a não ser essa mesma, a de continuarem sendo dois bobos alegres e afetuosos.

Meu pai era um homem de sentimentos fortes – por isso, era mal interpretado, visto por alguns como um fraco. Chegava a me dizer, lembro de ainda pré-jovem, que preferia não ter animais de estimação para não passar pelo sofrimento de um dia ter que perdê-los. Contava histórias tristes e sensíveis envolvendo animais, sofrimentos e injustiças.

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