Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 1

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Clarissa, boa noite.

Anotei cuidadosamente seu endereço em Lisboa. Quando você receber o pacote contendo uma pasta com papéis avulsos, meu arquivo eletrônico já terá sido eliminado. Se não houver extravio por parte dos Correios, logo você saberá de tudo. Delete esta mensagem e cuide-se. Vamos seguir projetando nossa esperança em dias melhores.

Esse foi o fastpost enviado a Clarissa C. de Alcântara-Mello, logo que Marco A. Muniz chegou ao seu apartamento, ao cair da noite. A remessa já estava a caminho quando ele o escreveu, postada durante essa mesma tarde, em uma agência de subúrbio. Dentro do envelope açafrão, sobre a pasta de cartolina cinza-clara que acondicionava alguns papéis avulsos e uma sequência de páginas escritas, clipava-se um bilhete escrito à mão com a seguinte mensagem.

Clarissa, preste atenção.

Fiz uma impressão, apenas, destas páginas que ora lhe encaminho. Não deixei cópias, não seria prudente me arriscar mais, depois de tudo que aconteceu. Também não poderia enviar arquivos pelo fastpost, como anexos, seriam facilmente rastreáveis pela Polícia Internacional.

Não desistirei de procurar sua irmã. Acredito firmemente que ela esteja viva. Vou aceitar o conselho de meu desafeto e tentar desaparecer: seguir para o interior, minha cidade de origem. Sei que uma amiga de meu pai, que sempre teve muito carinho por mim, poderá esconder-me por algum tempo até que eu pense em alguma outra coisa. Talvez eu aceite sua gentileza e fique com você aí, em Lisboa, se for possível.

Tornarei a entrar em contato pelas redes quando entender que isso seja seguro. Usarei um codinome qualquer, mas o farei de certa maneira, permitindo que você possa me identificar.

E repetia, ao final, as mesmas palavras do fastpost, em seu corpo de texto.

Vamos seguir em frente, projetando nossa esperança em dias melhores.

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Por esses dias, esperávamos a primeira chuva da primavera. Nada certo: as previsões continuavam falhando, com a instabilidade climática, que só piorava. O inverno seco que havia desfolhado as árvores da praça em frente à Facto também levara embora as cores vivas da relva e dos arranjos de plantas, legando, até o declínio da estação, um cobre esmaecido aos troncos, um chão de folhas sob diversos tons de ferrugem, enfim, um ambiente pouco convidativo aos pássaros, que naturalmente escassearam. Eu observava o céu cinzento, promissor. Caminhava devagar, queria ficar por ali, sem saber ainda para onde deveria ir e se deveria ir. Um vento de ciscos e poeira fina crescia, querendo cantar sua mensagem antiga. Pessoas se afastavam, apressavam o passo, dispersavam: mães com crianças, três ou quatro idosos, um casal de pré-jovens, homens e mulheres avulsos, alguns passeando seus cães, todos prevendo a volta das chuvas a começar pelos próximos minutos. Diminuí o passo, sentindo as primeiras gotas grossas dessa vida nova. Parei onde estava, deixando-me ser tocado e agraciado pelas águas. Acho que estava sorrindo nessa hora. Vi que me encontrava no aberto oval do centro da praça, quase em frente à estátua de bronze escuro representando Galileu Galilei de rosto erguido, olhos focando o céu, trajes característicos de seu tempo, mão esquerda à altura do peito, em flagrante suave, mão direita apoiada em uma espécie de palanque alto, bem ao seu lado, ostentando imitações de um telescópio e de um globo terrestre em seu topo. A chuva crescia rápido. Eu já estava sozinho ali. Um trovão distante, rugido brando, soou como música. Tudo é real, e não podemos mudar isso. Se nós humanos não existíssemos, só a verdade das coisas como são habitaria a Terra. Sem nós, não haveria mentiras. Todas as fases do tempo transcorrido apenas neste planeta, que classificamos em vastas e vertiginosas eras geológicas, aconteceram sem o menor sinal de nossas mentiras. Uma verdade em si mesma, densa, imperiosa, cíclica. E é como o planeta ainda se mostra a todos, com sua realidade imanente e imbatível. Imaginei que se teriam passado não mais do que uns poucos minutos desde os primeiros toques frescos em minha pele. Então as sirenes: duas viaturas terrestres, embaçadas pela densidade do ar de aquário, fizeram a volta à praça com certa ansiedade e se posicionaram frente uma à outra.

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“Você estava na Praça Galileu quando foi detido. Não é isso?”

Fiquei quieto, movi um mínimo a cabeça, de acordo. Olhava para baixo, não para eles, esses dois homens do outro lado da mesa. Mais uma entrevista, agora com esses novos inquiridores, que pareciam mais espertos, mais discretos, mais bem treinados que os primeiros. (Um desses primeiros chegou a perguntar qual era a minha preferência por mulheres.) Meu terceiro dia de convocação, agora na Base Militar das Operações Especiais – um edifício esplêndido, planejado rigorosamente para atender às suas funções, referência da arquitetura nacional.

“‘… encharcado, não esboçou reação…’ Que mais? ‘… nenhuma resistência…’ Isso você confirma?”

Pelo jeito, as perguntas recomeçavam do zero, e eu tinha de explicar tudo outra vez. Esse homem de voz segura repassava palavras nos papéis que erguia entre as mãos, a base das folhas impressas tocando o tampo da mesa, certamente para que eu não os alcançasse de onde estava, com os olhos.

“Sim, senhor.”

Dois pontos luminosos, minúsculos mas bem vivos, um no alto da parede lateral direita, considerando-se minha posição, outro no alto da parede atrás deles, focado em mim, lembravam que tudo ali estava sendo gravado com a melhor das definições, tanto acústica quanto visual, como é praxe nesse tipo de procedimento. A qualidade dessas gravações costuma ser excelente: um brilho de lágrima que apontasse em um de meus olhos seria detectado e analisado.

“Você foi agredido? Sofreu algum constrangimento?”

“Não.”

Eu ainda recordava com nitidez minha condução à delegacia de polícia, em outra parte do mesmo bairro, onde se realizaram as duas primeiras sessões de inquirição – apático, deixando-me ficar onde estava, ao lado de um policial silencioso, no assento traseiro de um veiculo terrestre que deslizava rapidamente, faiscando luzes, pelas ruas de uma cidade cinzenta, a capital do país, sob a chuva tão esperada, a chuva que anunciava a realidade da nova estação.

“Bom, vamos em frente…”

Esse homem tranquilo e convicto havia se apresentado como delegado Frias, e ao seu colega como investigador Adjair. Testa alta, pele sutilmente marcada por sardas. No máximo, uns cinquenta anos. Policial observador, experiência acumulada, revelava dissimulação e sensatez, sabia administrar as palavras e as expressões corporais. Ao seu lado, esse que se chamava Adjair: inteiramente calvo, rosto anguloso e rígido, sem o menor sinal de gordura ou flacidez, rugas básicas de quarentão, inspecionava seu personal, talvez checando mensagens, talvez lendo alguma outra coisa ou apenas fingindo estar distraído enquanto acompanhava tudo com disfarçada e ativa atenção. Robusto, largo, seus braços preenchiam as mangas justas de sua camisa, dobradas pouco abaixo dos cotovelos. Tatuagem delicada na parte interna do antebraço esquerdo, imagem que não pude identificar, como também não insisti nisso, porque me sentia exausto, certa indolência dominando meu raciocínio. Preguiça de falar, de pensar. Principalmente de me defender.

“Marco, me diga… Você imaginou que esse artigo-tópico sobre o primeiro-ministro fosse causar tanta confusão?”, Frias perguntou tranquilo e sem olhar para mim, falando com os papéis à sua frente.

“Mais ou menos. Imaginei sim. Mas não vejo isso como confusão.”

Ele passou uma folha por outra, substituindo a primeira.

“No começo”, ele disse, “eu mesmo pensei que fosse mais uma facultativa idiota, uma fac como as outras, dessas que a gente lê logo pela manhã. E ninguém deu muita atenção. Mas depois, não sei como, em questão de minutos, parece que todo mundo percebeu que aquilo tudo tinha alguma… alguma… Enfim, todo mundo levou a sério o seu texto. Três dias de repercussões… Três dias de repercussões! Isso não é pouco hoje em dia, concorda? Na nossa vida diária, quase tudo o que lemos e vemos e ouvimos desaparece em seguida. Tivemos até problemas com nossas relações internacionais! Só por causa desse tópico. Isso mesmo, é isso mesmo, não faça essa cara, não estou blefando não. Aqui… O primeiro-ministro De Castro foi retratado como um indivíduo sórdido, sem escrúpulos, um verdadeiro farsante. O problema é que, por um detalhe ou outro, o MP iniciou uma investigação que, em pouquíssimo tempo, revelou ser devastadora. O fato de isso tudo provavelmente ser verdade causou essa grande comoção no país inteiro.”

“Provavelmente?”

“Como o tópico não é assinado, nós temos trabalhado para proteger a tua identidade”, indicou-me com um dedo.

“Entendi. Entendo. Eu… devo agradecer? Acho que sim.”

“Não. A ideia é que você permaneça no anonimato. Evitar que tenha seguidores e apoiadores nas redes sociais e que a coisa toda cresça da pior maneira, quem sabe provocando uma reação em cadeia nas mídias todas, que são tão truculentas, tão… desonestas.”

Seu colega fez um gesto para mostrar-lhe algo na tela de seu personal. Frias inclinou-se devagar, fez que compreendia, e eles se afastaram novamente um do outro. O delegado continuou.

“Marco, você quer contar alguma coisa pra gente? Vamos nos ajudar um ao outro? Como foi que você chegou a isso tudo?”

Movi a cabeça afirmativamente,  mas desprovido de ânimo, enquanto mil imagens repassavam sua força em meu transe de alguns segundos, minado pela sonolência e pela distração. O delegado Frias recostou-se na cadeira, simulando estar relaxado, sem o menor tom de intimidação. Pediu que eu prosseguisse.

A redação da Facto fica no primeiro andar do Edifício Barra Veras, uma construção antiquada, de quatro andares, logo que se vai deixando o centro da cidade, o centro propriamente dito. Um espaço pequeno, modesto: a revista não está entre as mais importantes, tem um número mais ou menos estável de seguidores, de apoiadores, de patrocinadores. Somos especializados em artigos, tópicos, resenhas. Mantemos convênios com agências de notícias de menor porte, que nos fornecem textos breves sobre pontos de interesse, e isso nos ajuda a atualizar as chamadas do dia e aumentar nosso número de leitores.

“Certo, nós sabemos onde fica a redação da Facto e tudo isso. Vocês têm algum outro escritório, alguma extensão física, algo assim, em outra cidade?”

“Não. Só aqui, na capital.”

O delegado Frias tornou a olhar os papéis, lendo-procurando algo. Seu colega tomou a frente. Era a primeira vez que se dirigia a mim.

“O que nós queremos agora é: compreender como você chegou a essas informações todas. Na minha opinião, no meu entender, na minha visão, você não pode ter feito tudo isso sozinho. Me corrija.”

Pensei um pouco antes de falar. Mas já vinha preparando esse argumento desde o primeiro dia de interrogatório.

“As facultativas podem ser qualquer coisa. Facs são publicadas diariamente, o tempo todo. Como alguém distinguiu, percebeu, desconfiou que esse tópico que escrevi revelava verdades? Como alguém pode saber se é verdade ou não? Eu também não tenho como saber se o que me foi passado é verdade…”

“Não, não, não! Não se faça de bobo, e nós não somos bobos. Olha aqui. Não se faça de bobo. Todos nós (mas todos nós mesmo!) sabemos o que é verdade e o que não é. Todos esses detalhes informativos, associando o primeiro-ministro aos milicianos e aos líderes do tráfico não são motivo de piada. E eu sei, por experiência própria, que tem mais gente nisso, com você. Eu quero saber quem é o seu ou os seus informantes. Agora, me diz. Era essa sua colega, a Cleo, que era sua informante, não era?”

“Não!”, reagi, surpreso. “Não. Não mesmo.”

“Ela disse que sabia do seu tópico antes de ele ser publicado.”

Eu finalmente sentia um tom hostil na voz desse Adjair.

“Ela disse? Como, disse? Para quem?”

“Você não conseguiu falar com ela no dia da sua detenção, porque ela já estava aqui com a gente. Colaborando.”

Fiquei confuso, perplexo. Não tinha mesmo conseguido contato com a Cleo nos dias anteriores, não sabia onde encontrá-la, estava ansioso e muito preocupado. Concluí que deveria deixá-la à vontade para me responder quando entendesse melhor, em seu tempo próprio. Mas não conseguia evitar fantasiar possibilidades sinistras. Por que ela viajaria sem me avisar? Por que não me respondia, por nenhum meio? Na noite do primeiro dia, mesmo cansado e mentalmente atordoado, cheguei a seguir rumo ao apartamento dela, mas mudei de ideia: já carregava um arrepio esquizofrênico de que poderia estar sendo seguido, monitorado, registrado. Esses sujeitos conseguiram isso, pelo menos, criar essa preocupação latente em mim.

Frias voltou a falar comigo.

“Você sabia que ela sofria de uma deficiência cardíaca congênita?”

“Como? Como é?”

Adjair: “Sua colega sofreu uma parada cardíaca. Deu muito trabalho. Sob métodos de interrogatório até bem moderados. Mas ela estava muito ansiosa, com muito medo. Não conseguia se acalmar. A gente não esperava que ela fosse tao dramática, tão medrosa. Parece que tinha algum problema congênito, como disse o delegado Frias. Você sabia disso?”

Eu, paralisado. Inerte. Mudo. Quase anestesiado. O Tato já me havia adiantado, em nossa última conversa, o que eu ouvia agora sobre a Cleo – algo em que eu, julgando ser uma espécie de blefe improvisado por ele, me recusara a acreditar.Meus olhos pareciam bloqueados por alguma droga específica: fixavam o ar, o vazio. Não, eu não sabia. Mas também não podia acreditar nesses dois cachorros treinados, simplesmente. Não podia cair numa conversa dessas, um jogo de ciladas mais ou menos planejado. Deviam estar blefando, fazendo isso para me intimidar. Para conseguir alguma coisa de mim. Eles nem sabiam, inicialmente, se meu suposto informante era homem ou mulher.

“Uma fragilidade cardíaca, não sei explicar direito agora. Alguma deficiência de nascença, que pode ter atacado nossa colaboradora, aquela gorduchinha assustada, aquela porquinha subversiva, com sua doença invisível, agravada pelo sobrepeso.”

Saltar sobre a mesa como um animal e apertar-lhe brutalmente o pescoço foi o que me ocorreu com a mais autêntica e justificada intensidade, como se ouvisse, do fundo de minha ancestralidade, o chamado da floresta que tornou Buck um ser agressivo e superior. Prendi com força o tampo da mesa com as duas mãos, garras de um rapinante. Nesse momento, compreendi, como se uma faísca me atravessasse os olhos e me incendiasse o cérebro, que eu era perfeitamente capaz de matar.

“Ela estava entregando tudo. Mas não chegou até onde a gente queria. Não teve tempo.”

Minha pressão deve ter subido, eu não me sentia bem. Contido, quase convulsivo, quase desidratado, percebendo um surto de fúria circulando por todo o meu sangue, inspirei a contragosto aquele ar pesado, com algo de artificial e traiçoeiro, tentando me recompor. Esse sujeito havia se revelado enfim, fora de sua discrição funcional, referindo-se ofensivamente à Cleo. Eu não suportava imaginá-la com medo ou chorando, assustada. Mas tudo isso podia não passar de uma estratégia clássica, uma maneira de me atacar, de me arrancar uma confissão, sob o efeito de alguma atitude descontrolada, revelando minha relação de intimidade com minha colega de trabalho – que tinha de ser, para eles, apenas isso. Os dois me olhavam fixamente, observando cada um de meus impulsos, talvez até a veia saltando, que eu sentia pulsar, vibrante e ameaçadora, de um lado do pescoço.

“Nós sabemos que tem mais alguém nisso. E nós vamos procurar essa vaca! Interrogar uma por uma!”

Isso deixava claro que eles supunham tratar-se de uma mulher. De alguma maneira, deviam estar monitorando a mim, à Facto e sabe-se lá a mais quem, desde a publicação da matéria sobre a reinauguração do Estádio. De alguma maneira, também, entenderam que havia uma mulher vazando informações, e, pelo jeito, tanto quanto eu, não chegaram à sua identidade. Podiam ter considerado também a Diana ou a Heleninha, quem sabe.

Frias outra vez repassando papéis entre as mãos, como se estivesse lendo alguma coisa neles – mas era fácil perceber que isso não passava de mais fingimento.

“E quem é Rose?”

“Rose?! Não, não, ela não tem nada com isso! Nada mesmo. Como vocês…?”

Adjair retomou a fala.

“Você foi esperto em fazer encharcar seu personal. Vai dar mais trabalho pros nossos técnicos.  Foi esperto mesmo. Mas vamos deixar passar essa. Vai dar mais trabalho pros técnicos, só isso. Mas eles chegam lá, pode ter certeza.”

Eu mal os ouvia. Não queria ouvi-los. Mas ouvia, de qualquer maneira. Precisava saber sobre ela, sobre a Cleo, ter certeza de alguma coisa, qualquer coisa sobre ela.

Esse foi meu terceiro dia de interrogatório – que eles chamam de entrevista. Desde o primeiro, eu tinha consciência de que não poderia ser preso, detido por mais tempo. (Mas já tinha ouvido algo sobre os Desaparecimentos.) Eles tinham que me liberar, e foi o que fizeram. A liberdade de expressão é ampla, incondicional, garantida por lei. As emendas assimiladas pela Constituição de 2029 garantiam a todos liberdade de expressão total – sem impedimentos de qualquer natureza, isto é, sem tipificação, sem restrições, imune a qualquer tentativa de criminalização, e isso nos trouxe ao Mundo Livre, ao declínio e ao fim inevitável de quase todos os regimes ditatoriais do passado. Até mesmo manifestações de ódio e de incitação ao crime perderam força por si mesmas, por serem facilmente divulgadas e acessadas, arregimentando uma quantidade cada vez mais ridícula de apoiadores, pois é a proibição, a clandestinidade e o segredo o que geram nosso envolvimento, não o que se expõe claramente, como todos hoje mais bem compreendem. E também não poderia eu, por absurdo, responder pelas fraudes relativas ao primeiro-ministro De Castro ou praticadas por qualquer imaginado grupo de políticos secundários. Afinal, de que eu poderia ser acusado? Dos crimes do primeiro-ministro? E, da mesma forma como era difícil desmentir uma notícia falsa (alguns continuavam acreditando nela do mesmo jeito), parecia também difícil desmentir uma notícia verdadeira. Em suma, mesmo que eu viesse a público e desmentisse, formalmente, o que havia publicado, o estrago já estaria feito.

“Vamos parar por hoje.”

Os dois investigadores fixaram meu rosto até o último momento, guardando quem sabe que níveis de frustração ou ressentimento. E os olhos desses canalhas sorridentes, como os do primeiro-ministro, quando se revelam, são de uma escuridão assustadora. Portanto, os inquiridores oficialmente me dispensavam (eu assinava um termo, com data e hora, minutos e segundos, no momento da dispensa) e marcavam uma nova entrevista para o dia seguinte.

Teus olhos na escuridão. 2 – próximo

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