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Eu não queria que isso acontecesse (trecho)
Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, agosto 2019.
Que ônibus é o seu? O Jardim Zara. O único que passa aqui. Ah… sei. Ela quase sorriu. Eu não sabia nada de ônibus. Naquele momento, parecia evidente que nos olhávamos de alto a baixo. Não sei. Que nos olhávamos de frente, pelo menos, por mais tempo, isso sim. Ela usava uma de suas blusinhas de alça, escondida por uma jaqueta marrom. Calça jeans justa em suas pernas curtas e bonitas. Mocassins claros, com franjinhas, do tamanho exato de seus pés. Eu sabia seu nome, mas contava, para mim mesmo, que aquela era a Joss Stone. A irmã mais nova dela. Ela própria há alguns anos. Ela, à minha frente, com seus cabelos de areia sua pele de areia seus olhos de areia – íris talvez cor daqueles biscoitos escuros de mel, essa cor instável e mutante que leva muitos a definir olhos assim simplesmente como castanhos. Minha imaginação não tem importância, por isso não tem limites: acontece num instante a perspectiva de me agarrar a alguém e me aventurar e me apaixonar, um lance apenas imaginário, evidentemente, que alguma convergência cativante potencializa – mesmo que no instante seguinte eu classifique esse pensamento-sonho como patético juvenil ridículo. No mundo adulto, as paixões conduzem a destinos complicados, quase ilustrando uma jogada de má sorte, como há muito nos ensinam os contos de fadas e as sagas estendidas, repetidamente aliás, até o momento em que algum ser mítico generosamente se propõe a quebrar o encanto. Só que na realidade nunca se viram essas entidades benfeitoras, e os encantamentos podem romper-se por força do costume, do tédio ou do crime. Era um dia cinzento, como já disse, sob a frente fria. Tarde de claridade holandesa. Um dia extenso horizontal, um dia abrangente, orientado por nuvens. Eu nunca, nunca me esquecerei desse dia.
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