Seu carrinho está vazio no momento!
Teu coração e teus tomates (trecho)
Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, julho 2019.
“Acho que… você não viu este”, eu passando-lhe às mãos outro papel datilografado, com vincos já gastos pelas sucessivas dobras, rasuras de borracha, hoje mais aparentes conforme envelheciam, o papel tanto quanto as rasuras, sem falar no poema ele próprio, tudo porque eu já não aguentava mais datilografar outra e mais uma, mais uma e outra vez os mesmos versos.
“Qual? Ah, este?”
… beija-me com a boca de vinho,
que a noite já nos afasta de outra eternidade…
“Uau!”, disse ela.
Finalmente uma reação. Por um instante achei mesmo que o poema a havia impressionado. Mas senti aquele seu uau com algo de mofa, quase uma carinhosa entonação de piedade. Ou eu não queria crer que ela pudesse trair sua própria espontaneidade e… Bem, em qualquer hipótese, o mais aconselhável era ficar com o que melhor me parecesse, para o bem de meu pobre ego.
Mas houve outras fases de minha poesia. Adolescente, apaixonei-me em segredo pela garota que trabalhava na feira livre, com seus pais, na barraca de verduras, legumes e frutas. Quando, de longe, avistava o vermelho vivo dos tomates expostos logo à frente, meu coração dava sinais de gostosa ansiedade, só porque iria vê-la mais uma vez! Essa garota e a cor intensa dos tomates, meu amor inconfessável e rico em fibras enchiam-me de fascínio e esperança. Sonhava casar-me com ela, possuirmos nossa própria barraca, como se assim eu ganhasse um dote por conquistá-la. Mas ela se mostrava, de maneira muito natural e tranquila, tragicamente desinteressada em mim. Então fiz estes versos (que ela nunca leu):
Não me tortures assim,
não me mates.
Diz que são meus teu coração
e teus tomates.
Imagine-se mostrar isso a alguém!
Verena nunca havia estudado literatura, por isso sua opinião era confiável e importante para mim. Passei o resto da manhã relendo os tais poemas e pensando nela.
Leia também:
Comentar