Office in a Small City por Edward Hopper

Sete anos em Manhattan (trecho)

Por vezes não sabemos por que fazemos algo.
Mas um dia alguém descobre por nós.

Encontrava-se ali, em minha casa moderna e espaçosa, esse velho e querido amigo, Robinson, desaparecido há tempos: desaparecidos nós dois, um para o outro, enquanto o tempo se deslocava entre chegadas, partidas e naufrágios.

“Robinson, mal acredito que o estou vendo hoje! Isso merece uma comemoração.”

Ele descartou, com um gesto, qualquer ideia semelhante. Não queria fazer alarde de sua vinda – e não parecia tão feliz quanto eu. Mostrava-se silencioso, poucas palavras, de uma calma doentia, o que não fazia crer, ainda assim, que estivesse se escondendo ou fugindo de alguma coisa.

“Só vim até aqui. Só isso. Afinal, fomos amigos por algum tempo.”

“Claro, mas é um prazer. Você foi meu melhor amigo”, lembrei. “Fomos irmãos.”

“Por algum tempo. Eu nem estava na cidade quando você se casou pela primeira vez, lembra?”

“Ora, não tem importância, eu compreendo. Antes de tudo isso, éramos jovens, solteiros, não tínhamos muito dinheiro naquela época, lembra?”, pontuei bem-humorado, com a sensação de poder dividir com ele nossos possíveis sucessos posteriores. “Mesmo assim, nós nos divertíamos muito. Está lembrado?”

“Sim, muito”, ele repetiu pensativo, enquanto olhava a sala ao redor. “Sim, nós éramos jovens. Sim, tínhamos amigos…”

“Mas, claro, isso é natural. Os nossos amigos também se dispersaram. Enfim, você se casou?”

“Se me casei? Não importa. Não importa mais.”

Num instante tive pena dele: do tom melancólico que assumiu ao referir-se a esse domínio mágico e duramente real, de fronteiras traçadas por nós mesmos, ao casamento, a uma parceria, o que poderia ter sido pretexto de alguma felicidade ou mesmo de motivação, ainda que não se houvesse estendido por muito tempo. Não há muito que fazer quanto a isso. Nem quanto ao acaso de termos nos conhecido, Robinson e eu, porque as vidas são casuais, mesmo interiormente, e não há quem não tenha vivido, de alguma maneira, situações de crise, sentimentos enigmáticos e desvios indesejáveis. Por vezes não sabemos por que fazemos algo. Mas um dia alguém descobre por nós. E quantos, como eu, não teriam buscado respostas para a vida? – o que afinal significa buscar respostas para si mesmos. Tenho a sorte de reter muitas lembranças, o que tanto me serviu quanto me prejudicou. Ansiava por dividi-las com ele.

Texto integral

Inconsistência dos retratos – Guia de leitura

4. Pai a casa torna – anterior

6. As sombras – posterior

Imagem: Mounira Stott. Nevoeiro em Manhattan. 2004.

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