Office in a Small City por Edward Hopper

Relâmpagos (trecho)

Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, Feira do Livro, Centro Cultural Palace, junho 2019.

Quando penso em minha infância, vejo um menino atrás da vidraça numa noite tempestuosa – rosto sem sorrir, olhos iluminados por relâmpagos que o fascinam.

O relâmpago cai das alturas, precedendo o estrondo que lhe corresponde, move a terra, e eu vejo um menino mudo. Se não sorria, hoje menos se vê em seu rosto. Pensa que a madeira da janela tem atravessado o tempo, e os carpinteiros e os vidraceiros estão mortos. Uma janela que, sendo a mesma, abre-se para esta noite tempestuosa que é hoje noite (não mais), tempestade (não mais), vidro por si só.

O relâmpago fende a noite suspensa, e eu vejo um menino contra seu próprio reflexo, gotas escorrendo de seus olhos ou lágrimas de chuva, pois vê atrás de si uma mulher. Simplória e malvestida, encosta-se a um muro, porque não tem casa, e ali, a despeito das adversidades, do desamparo e do trauma de abortos anteriores, chora de dor e de prazer ao externar seu êxtase. Começa a chover. É um menino.

Relâmpagos

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