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Relâmpagos (trecho)
Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, Feira do Livro, Centro Cultural Palace, junho 2019.
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Quando penso em minha infância, vejo um menino atrás da vidraça numa noite tempestuosa – rosto sem sorrir, olhos iluminados por relâmpagos que o fascinam.
O relâmpago cai das alturas, precedendo o estrondo que lhe corresponde, move a terra, e eu vejo um menino mudo. Se não sorria, hoje menos se vê em seu rosto. Pensa que a madeira da janela tem atravessado o tempo, e os carpinteiros e os vidraceiros estão mortos. Uma janela que, sendo a mesma, abre-se para esta noite tempestuosa que é hoje noite (não mais), tempestade (não mais), vidro por si só.
O relâmpago fende a noite suspensa, e eu vejo um menino contra seu próprio reflexo, gotas escorrendo de seus olhos ou lágrimas de chuva, pois vê atrás de si uma mulher. Simplória e malvestida, encosta-se a um muro, porque não tem casa, e ali, a despeito das adversidades, do desamparo e do trauma de abortos anteriores, chora de dor e de prazer ao externar seu êxtase. Começa a chover. É um menino.
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