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Em menos de vinte e quatro horas…
Texto publicado na revista Ponto & Vírgula, n. 44, março/abril 2019.
Em menos de vinte e quatro horas, dois colegas, separadamente, disseram algo sobre eu acabar sozinho no futuro. “Desse jeito, você vai acabar sozinho”, uma colega normalmente muito agitada, dela eu recordo cada palavra, fácil. Eu não respondia. Não me importo de ficar sozinho. De ficar sempre sozinho. Ela não acreditaria, tenho certeza. Há algo em mim que não me faz sofrer com isso. Lembrei-me num relance do que lera certa vez sobre os guerreiros nórdicos: que eles eram audaciosos e não se importavam de sofrer. É claro que não sou audacioso – e não posso me comparar a nenhum desses bravos entusiasmados. Mas, também, não me importo de sofrer, esse é o ponto. A solidão não me faz, propriamente, sofrer. Caminho pelas ruas observando tudo, inalando o ar úmido da chuva mais recente, e sentindo o peso de meu corpo em movimento, constatando a brutalidade e a sutileza de estar vivo. Não, não sou audacioso, sei disso. Não tenho certos valores apreciados pela maioria. Mas não estou vencido. Tenho planos subversivos para mim mesmo.
Ainda que tentasse evitar – o que nunca faço –, as ruas costumavam cercar-me de cenas avulsas, frases ouvidas por acaso, pessoas em movimento protagonizando os dias, todos os dias, antes que viessem outros, outros dias, outro tempo, outras gentes. Poucos dentre nós sabem que o dia é um globo que gira, um cilindro fechado, uma espada que cai, um dente que devora o que, de nossa parte, nunca mais será o mesmo. Descobrir o óbvio é sempre mais difícil. Eu assimilava a diversidade de tipos, suas roupas, cortes de cabelo, as religiões que os acalmavam, que os poupavam de desafiar o infinito e a razão da vida, as vozes e ruídos que produziam sob o sol, tão destoantes do silêncio onde o universo trama sua treva. Gente no meio da vida, a cada um seu passado, idioma e ideologia; a cada um seu futuro, o apodrecimento de tudo em que creem. Posso dizer mais, gosto de discorrer sobre isso. Mas considero muito inquietante e belo o que as palavras não dizem.
Do conto “Vina entre os morcegos” (A conspiração dos felizes)
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