Seu carrinho está vazio no momento!
Páginas claras, penumbra (trecho)
… que acontecem
Texto apresentado no evento promovido por Irene Coimbra, no Hotel Village Inn, abril 2019.
O trecho a seguir é parte do romance Os últimos dias de agosto, meu primeiro trabalho nesse gênero. Eu o comecei aos 19 anos e terminei aos 27.
……….
É preciso contar. Sempre que o torvelinho de situações, que é o mundo, e a passagem dos dias, que é os próprios dias, se tornam estranhamente incômodos, é preciso contar. Eis minha necessidade, meu caminho. A sequência de imagens e sensações frias que dão continuidade à vida cotidiana, mescladas à confusão de outras tantas vidas, são às vezes tão espessas como uma neblina ancestral de mil sentimentos, penso. E é certamente esse plasma indecifrável – vida, mundo, neblina – o que exige de um homem que se desfaça em palavras, seu único recurso. Assim, desde seu íntimo abissal e apesar da morte, ele registra seu depoimento.
Plasma de mil sentimentos, veja só. Vamos, não seja tão implacável. É o texto de um jovem sonhador. Reconsidere, há muitos como ele. Parecem poucos, porque se disfarçam e têm medo, enquanto não se convertem ao mundo, um mundo que… Está bem, não vamos cair nessa, aí está o perigo.
As civilizações, como os seres vivos e as estrelas, nascem, florescem e morrem. Tudo o que uma vez foi prosperidade e império não é hoje mais do que o silente passado, o musgo. A hera. O limo sobre as pedras.
Sei que me entende. Essas ruínas podem ser revistas por qualquer criança que se debruce sobre uma enciclopédia e, sob esse aspecto, todos os tempos se parecem. Mas a preocupação de um homem com os eventuais conflitos que cercam a existência poderá ser reencontrada sem o menor risco de tornar-se antiga. Pois será sempre um homem reencontrando outro homem. Quer saber se esse homem sou eu? Não me olhe assim. Talvez seja você. Uma vez registradas na combinação de tipos enigmáticos que são as palavras escritas, tais confissões passam a existir como um objeto. Passam a ser suas. E estão condenadas ao plano assustador da eternidade.
por
Publicado em
Categorias:
Tags:
Leia também:
Comentar