Office in a Small City por Edward Hopper

Entre meias palavras e subtons

… que acontecem

Texto apresentado no sarau da Casa do Poeta, julho 2018.

Logo em nosso primeiro encontro, contei a ela de como havia perdido o emprego. Sabia? Não, não sabia. É? Que chato. Não sabia. Que aconteceu? Eu me senti muito bem depois de lhe contar a história da minha agourenta demissão, de como fui conduzido assessorado encurralado, até por fim assinar um termo escrito que eu nem li. Muito bem mesmo. Estranhamente bem. Quase feliz. Isso foi logo no primeiro encontro, combinado medrosamente entre nuvens, entre meias palavras e subtons. Pode ser? Você me espera? Espero. Quase não nos dizíamos. Quase não nos definíamos. Quase nada combinávamos que não ficasse a meio passo entre nós, entre rostos nervosos em instantes próprios, nós dois desviando discretamente os olhos talvez para nos poupar um pouco da culpa que começava.

Quinta-feira, você pode? Vai estar desocupada? Não, na terça. Terça é melhor. Prefiro na terça. Ela estava tensa, contida. Por pouco não tremia. Seus olhos perderam o brilho, e eu os adivinhava cinzentos ou mel escurecido, adivinhava porque mal podia vê-los, que olhavam para baixo mas não para o chão, pareciam paralisados em algum ângulo de uma dimensão suspensa. Mais ou menos quando. Está bom assim. Toco duas vezes? Não precisa, eu desço pra abrir.

… um homem de trinta e quatro anos engasgado com a perspectiva do paraíso. Uma menina perdida. Um casal que ainda não existe. A vibração subterrânea que dará vida aos vulcões. Os pesadelos incipientes. Como nos versos de Keats, lá vão eles, em direção à tormenta…

 

Dias antes, dias depois 

Mais do que acontece: Braile, chancelaria, onda dentro de um vidro

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