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Projeto esvanecendo-se. O anjo de ficar
Depois, era como se as paredes se deslocassem naturalmente ao meu redor, meus passos não pensavam mais, o espaço andava por mim.
Primeira vez na Josie. A Joss Stone de meu agourento ano novo. Nos primeiros dias de 2005, ainda em janeiro, essa trilha de pólvora branca serpenteando até a rua onde ela mora. Bairro trapézio, retângulos agrupados, quarteirões calçadas condomínios. A pequena sala-cubo-entrada podia ser vencida com três ou quatro passos tranquilos. A cozinha, quatro passos curiosos. Retângulos, três e quatro fizeram-me pensar tolamente em uma foto 3 x 4, comparada a uma imagem de maior tamanho, um imóvel mais amplo. O rosto da Josie olhando de frente no documento plastificado, parte dos cabelos caída na lateral da testa, cercada de contextos, seu país e seu tempo, mais uma pessoa infinita. E a entrada do quarto de dormir-pensar-sonhar, tão próxima tão sugestiva tão inspiradora, antecipava-me não sei, não lembro, quantos quatros passos ansiosos. Mas isso só da primeira vez em que estive ali. Depois, era como se as paredes se deslocassem naturalmente ao meu redor, meus passos não pensavam mais, o espaço andava por mim. Não era muito diferente nas outras divisões desse seu modesto apartamento alugado, e eu nunca pensei, sinceramente, que uma pessoa precisasse de mais do que isso para viver. isso para viver. A impressão imediatamente assimilada desse lugar, agora instalada em meu arquivo de recordações involuntárias, acrescentava-se ao meu sistema de associações mnemônicas, corria em meu sangue urbano, rico em interiores de residências, detalhes de estantes, cheiro de livros, enciclopédias e divisões de vidro. Somente o dormitório fazia um retângulo-quase-quadrado algo mais espaçoso, significando uma cama de casal (por que ela tem uma cama de casal?) encostada a duas paredes, fechando o vértice desse recorte como os de tantos recortes se fecham em infinitas plantas de infindáveis imóveis empilhados estendidos construídos diariamente em nossa cidade, estruturas pelas quais meu antigo colega de escola Nilson del Lama era em parte responsável e culpado.
Por causa da posição da cama, sobravam ali dois espaços-corredores estreitos, limitados a uma parede com um espelho e a um armário de roupas embutido. A janela ao lado da cama (porque era a cama, é claro, que estava ao lado da janela) remetia a umas ilustrações de casas europeias em que as janelas partem de um pequeno balcão onde se pode sentar e observar o ambiente externo, mas isso, isso ninguém perceberia fora de mim, pois os arquivos de imagens sépia e bico de pena eram todos meus, uma faísca pueril de memória, até porque não havia balcão nenhum ali, como se imagina, e essa janela, como as outras, seguia rente à parede, molduras finas em alumínio, exata e cirúrgica, sem relevos ou desvios de nenhuma ordem estética. De qualquer forma, essa janela permitindo que, sentados na cama, assistíssemos, invisíveis, ao mundo lá fora já se fazia algo muito atraente e especial para mim.
Todas essas coisas parecem não ter importância alguma, e parece também que, revendo e descrevendo amplitudes e estreitezas, eu esteja tentando, de alguma maneira, evitar chegar ao fundo da questão ao cerne da situação ou ao tema central de minha desintegração, assim como, em determinados momentos anteriores de minha vida, certos mecanismos mentais conduziram a retomar um hábito adquirido e involuntário de me refugiar em pensamentos e procedimentos desse tipo, enquadrando objetos e redesenhando ambientes, seguindo com os olhos as linhas que formam portas janelas objetos decorativos vértices no piso e no teto, tudo porque pressentia que, em algum tempo bem próximo, eu talvez não conseguisse lidar com as condições que eu mesmo ia tecendo sem pretextos, uma aranha que se aloja entre um ramo verde e um caule escuro, no ermo de seu inconsciente, orientada pelo instinto e pela necessidade, o que me levava a questionar o que eram minhas necessidades afinal, de que material gosmento se compunham, com isso antecipando e temendo as pegajosas inquietações que eu teria de enfrentar quando não pudesse mais recorrer a nenhuma de minhas pretensas conquistas acadêmicas ou intelectuais, que, em meio à claridade morna dessa tarde excitante, na companhia dessa jovem mais ou menos estranha mais ou menos conhecida, não significavam absolutamente nada, e diluíam-se inadequadas impotentes inúteis, e justamente por significarem o que significavam para mim agora, a mínima lembrança de tantos projetos tornava ainda mais valiosos os detalhes que eu colecionava em segredo, e mesmo que eles se mostrassem desde o início como elementos avulsos sem importância aparente, isso por serem tão comuns e repetitivos nos lugares e nos dias do mundo, esses preciosos itens, assim como a confluência de cada um deles a um panorama maior de impressões fascinantes, detectados e registrados por meus sentidos, o que incluía os cheiros específicos da Josie, seu hálito e sua pele, iam de alguma forma minando esses ditos e malditos projetos anteriores, que caíam sem resistência ao plano de uma patética depreciação, e eram agora projetos esmaecidos e quase obsoletos, que se perguntavam, uns aos outros, por que teriam sido concebidos e o que é que estavam fazendo ali, enquanto iam se afastando de mim, puxados à penumbra das gavetas pelas forças imperceptíveis de um passado recente, que também, como todos os passados, vai tomando a forma de um passado antigo, projetos sem chances de reposicionamento frente a meus outros valores, projetos aguardando uma última pá de cal, projetos uma vez justificáveis, agora projetos esvanecendo-se enquanto a exatidão e a estética que meus olhos buscavam nos espaços vazios, na avaliação dos enquadramentos e nas minúcias que se distribuíam pelo apartamento modesto e despretensioso dessa pobre ninfa urbana, assim como ela própria era parte do aroma local e da luminosidade possível, adquiriam o porte, em minha memória sempre ansiosa por enriquecer-se, de um registro histórico.
Tudo nesse apartamento discreto, nesse cantinho pequeno e limpo, era aconchegante e sedutor. O caso era que eu me apropriava mentalmente do lugar. Isso, como disse antes, logo na segunda vez, a partir da segunda vez que o penetrei. Com a insensatez de um namorado potencial. A familiaridade rapidamente instalada. Uma parte da cama. Do colchão, dos lençóis. O espaço feminino acolhedor de seus colhões, a um homem imprudente e frágil, covardemente impetuoso, a caminho de ser o que só ele sabia possível a partir de si mesmo: um amante perigoso e egoísta. E esse autorreconhecimento oculto silencioso intransferível refazia suas forças. O que pode haver de mais poderoso que um segredo?
Ela parece à vontade até o momento de entrar no quarto. Agora quase gagueja, cor de rosa nas maçãs do rosto. Aqui é… o meu cantinho, a minha… cama e… Não sabe o que fazer com os braços. Mais um instante, e começará a tremer. Antes que isso aconteça, o personagem eu, atuando enquanto o recordo em mim, vai até ela, protetor carinhoso decidido, ganha um abraço morno e firme de quem se entrega para não cair – ou encerra essa breve encenação conseguindo o conforto esperado. Foi a primeira vez que se abraçaram. Um ponto que não se desfaz, um pacto instituído, sem voz. Delimitando todos os momentos até então. Marco zero da permissividade. A primeira vez de todas as primeiras outras vezes. Não, ele entendia que não era uma encenação. Tinha toda certeza disso. Sentia na lateral do pescoço a força do rosto dela nariz boca queixo colados, respiração nervosa, quase mordendo seu ombro, palpitante morna amedrontada. Tudo isso convergia, sem fingimentos sem retorno, a um momento de força frágil multiplicada. Se esse homem com mais de trinta afoga-se em ansiedade, clone de um adolescente, nesse abraço carregado de hormônios, imagine-se ela, mais jovem e mais próxima dessa fase perdida.
O sol mudou de posição. Ele a penetrou desejando reter o tempo, tomando para si todas as horas encantadas e estas irmãs: a surpresa a conquista e a posse. A tarde declinou, cansou-se esse estado de graça. Lá fora estão vivas todas as suas preocupações.
… Paulo Silenciário, poeta bizantino do século 6, ficou conhecido por seu hino de louvor à Basílica de Santa Sofia, aprovado pelo imperador Justiniano. No conjunto de sua obra, alguns poemas eram sensuais. Mas quantos seriam? Por que ele os escreveu, em vez de guardar segredo sobre seus desejos? Que tipo de mulher o inspirava como homem? Será que poetas como ele se masturbavam? …
Fica mais. Só mais um pouquinho. Preciso de você, não tá vendo? E você não tem que ir agora, não é?, eu sei que não. Carinhos horizontais. Mão em meu rosto, beijo em meu pescoço. Eu sei, linda, mas eu… eu preciso mesmo, preciso ir. Eu me sentia bem ali, é verdade que sim. Mas no fundo tentava aproveitar um momento meu desprovido de forças para me obrigar a voltar para casa, pensando num jeito rápido de me despedir, encerrar tudo no minuto seguinte. Até mesmo sair de lá correndo. A preocupação com o risco que eu me impunha, que eu me impunha tanto a preocupação quanto o risco, se é que não ficou claro, subia e descia, como num gráfico de oscilações, desaparecia por um tempo, voltava como o toque de um sino em um campanário distante, torre de pedras escuras, um anjo consciente aconselhando-me a voltar enquanto outro anjo (a Josie), este verdadeiro, com cheiro de pele e suor de fêmea, cabelos de areia e sorriso de covinhas, convidava-me a ficar.
Sozinho em casa, manhã quieta. A Marjorie ausente, já deve estar com o patrão advogado dela, agitando-se entre pastas e papéis cheios de interesses. Sexta-feira, dia quatro, e eu… – não, mas isso não quer ser um diário. Não quer ser nada. Eu… confortavelmente sem horários nem agendas, bem acostumado ao escritório onde não preciso mais preparar aulas nem corrigir textos. O ano letivo já havia começado em todas as escolas, e eu não estava nele. Então, naturalmente, sem que procurasse por isso, enquanto clicava a ligar o computador sobre a mesinha em L, passei a sentir alguma coisa parecida com estar em paz com meu corpo. Camiseta, bermuda. Descalço, vindo da cozinha, trazendo café. Agora, tempo livre era uma das coisas que-eu-mais-tinha. Para o bem ou para o mal. Meu pensamento bobo brincava com a mesinha em L: o espaço à esquerda era o quadrante J; depois, vinha a lixeirinha K; à direita, estava a imponente estante M. Bobagens ociosas, criança perdida. Era isso, eu entendia: em paz com meu corpo, antes de tudo – ou acreditava ser isso. Algo que se teceu espontaneamente nessa manhã, a partir de um momento qualquer, que não identifiquei. Com as boas impressões físicas que eram quase nada, assimiladas pelo relaxamento pelo tempo estendido à frente pelos movimentos invisíveis imperceptíveis de meu organismo sempre em curso e em silêncio enquanto esquecidos por meu pensamento, por meus pensamentos, tão ocupados com o que ficava fora de mim, porque afinal é o que está fora de nós que nos ameaça e pode destroçar-nos as vísceras. O computador faz piscar uma ou outra lampadinha inofensiva, avisando que desperta. A tela do monitor expõe desenhos em movimento e formas próprias de logomarcas. Propaganda de si mesmo. Ele todo se manifesta por etapas, tranquilo metódico previsível. Luzes emergindo do fundo negro, dançando agrupando-se ampliando-se, iluminando seu próprio espaço, pálpebras abertas por fim. (Quando menino, imaginava que não havia nada mais a ser inventado. E olhe isso. Acesso aos acenos entre amigos e janelas abertas aos assassinos. Por isso, também, sempre que se cria um novo aparelho um programa novo um aplicativo novo uma possibilidade nova de comunicação e de ação, já se faz necessário criar, simultaneamente, uma série de dispositivos e regras e limites para impedir a bestialidade humana.) Essa entidade também demora um pouco a voltar a viver. Que seja. Estamos bem com nossos corpos. Tocando o café com os lábios, fio delicado de felicidade. Nessa espera mínima, considerando-se todo o tempo transcorrido no planeta civilizado à força, nessa espera breve, tão pequena que parecia permanente, fiquei distraído da tela, mirando com olhos enevoados um ponto qualquer através dos vidros, parte do jardim lá fora, muros e telhados alheios, e meus olhos se sentiam bem, não importando o que viam ou para onde se voltassem, atendendo a uma propensão involuntária de sustentar essa visão por mais tempo, prolongá-la estendê-la indefinidamente, por um tempo eterno que fosse agora, e não me lembrava de ter vivido assim um momento como esse, minha manhã secreta, em que desejei minhas retinas perdidas na eternidade, no eterno instante presente, como na curva de um fractal que me franqueasse alternativas desdobradas, por lógica, ao infinito, interrompendo a sequência numérica do que quer que fosse, segundos minutos séculos, evitando que meus olhos – e outros meus sentidos – se envolvessem com qualquer mínima vibração que pudesse sugerir alguma mudança. Meus outros sentidos, agora em apoio de minha visão, sustentavam-se no silêncio, entre modulações suaves de coisa nenhuma.
… para Karl Jaspers, a existência humana deve ser entendida sob a noção de circunstância e inevitavelmente associada a uma historicidade atuante. Nossa existência seria, portanto, justificada pela liberdade de transcender tais bases formativas, vencendo conjuntos sucessivos de situações históricas concretas. Eu o compreendo. Eu o aceito. Mas o que eu queria agora era atirar tudo isso pela janela…
Coco Chanel entrou de mansinho no escritório, farejou um pouco. Olhou coisas no alto. Ajeitou-se sobre a outra cadeira, também estofada e confortável, após um salto suave, do piso ao assento, pondo-se agora em posição de sono. Carinho em sua cabecinha, lateral de seu queixo. Você sim, sempre de bem com tudo, não é? Dia preguiçoso para nós dois, para mim e Coco Chanel que, no último estágio do sono, perdeu completamente a noção da gravidade, despertando em mim aquela inveja gostosa dos animais. Ela costumava subir nas estantes e nas prateleiras abertas, escalando os recortes mais altos, chegando bem perto do teto, passeando perigosamente entre os enfeites. A Marjorie uma vez gritou com ela. Coco! Desce agora! Você não é pra subir aí! (Eu adoro essas inversões dela, um charme específico.) Coco Chanel, em dois pulos, sumiu de cena.
Conectados. A tela se oferece pronta ao usuário. Imaginava a Josie aqui comigo, em minha casa, sentada ao meu colo, diante do computador – e também à mesa da copa no sofá na cama, não havia perigo algum em imaginar. Caneca de café, lendo e-mails. Tão poucos, eu estava mesmo ficando fora do mundo, pelo jeito. Rede social, melhor. Rolando as barras verticais e os minutos seguintes. Sim, a pegajosa rede social. Viciando-me conscientemente. E o primeiro item de procura era… Bem, algumas chamadas na página compartilhada de abertura atropelavam minha atenção sim. Mas poucas. E rápidas. Em instantes, quando não quase imediatamente, eu abria ansioso o perfil da Josie. Parecia inacreditável que eu tivesse algo a ver com aquela garota simpática exposta publicamente numa tela luminosa. Há pouco tempo, nada, nenhum de nós. Agora, conectados. Fotos mais ou menos repetitivas – e essas frases bem simples que ela posta às vezes. Rolando para baixo, depois para cima. Voltando para ver. O barco vai a reboque. Atrelado ao mais forte, que o arrasta: navio invisível na neblina. Hoje, sexta-feira, uma foto dela com sua amiga Quiel. Mais fotos, várias postagens, imagens quase as mesmas. As duas numa balada. Depois na rua, luz de postes. Essas meninas não se preocupam em selecionar, publicam tudo. Parece que elas se fortalecem quando juntas. Ou se protegem. Josie… com Quiel... – é o que se registra nas legendas superiores, azul real, partindo de algum automático, mesmo quando não seguidas por palavras óbvias explicativas ou gírias resumindo o estado de espírito envolvendo a coisa toda. A Quiel, belo exemplar de fêmea, sorriso amplo e devastador, diferente da Josie, com seu sorriso pequeno, limitado às covinhas laterais, convidava o mundo a ser escandalosamente feliz. (Com a boca tamanho padrão que é a minha, acho que jamais conseguiria sorrir daquele jeito. Além de, normalmente, eu ter pouquíssimos escassos raros motivos para sorrir daquele jeito.) Coisa de Sky Music ou Arenna ou Chess Pub, quem sabe gostem de sertanejas, ou mesmo do Vila Dionísio, menos agitado, mas, enfim, tudo são motivos para azaração, afinal qualquer um desses lugares pretende ser muito próprio para… para… De uma só vez, como se uma catarata se lançasse pesadamente sobre minha cabeça, eu me senti um idiota estúpido vulgar, num daqueles momentos em que se evitaria ao máximo ver o próprio rosto no espelho. Três segundos atrás: esforçando-me por identificar o fundo daquelas imagens, a casa noturna, a balada, a parte da cidade, a zona que fosse, eu que não vou a uma porcaria de lugar desses há tantos anos, nem conheço esses pontos novos, e bem pouco conhecia os antigos, que eu e a Marjorie não curtíamos essas coisas, embora fossem locais muito conhecidos na cidade, enfim enfim enfim, o que é que eu tinha com aquilo tudo? Afastei a caneca de café com o antebraço, quase um acidente. Estava nervoso. Surpreso comigo mesmo por me incomodar assim com esses… com essas… Tinha entrado, através da tela mágica, em piloto automático, no reino desencantado e fútil dessas meninas agitadas sensuais vaidosas que… Não, mas a Josie não era assim, não era mesmo, aliás, ela é um pouco triste, isso faz parte dela, ela não é como parece ser aí, porque eu sei que… Enfim, não importa. Pessoas aproximam-se umas das outras, associam-se. Influências companhias comportamentos circunstanciais, necessidade de integrar a tribo, muito normal muito comum muito compreensível, é claro, principalmente entre jovens, e eu aqui querendo saber se ela… se ela…
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Assunto: Fotos etc.
Enviado em: 04/03/2005 | 9:55
De: <pprof@altmail.com>
Para: <josieln24@altmail.com>
Vi suas fotos na balada. Quem é essa com vc?
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RE: Assunto: Fotos etc.
Enviado em: 04/03/2005 | 13:08
De: <josieln24@altmail.com>
Para: <pprof@altmail.com>
oi lindo. Acordei agora que bom te ver. uma amiga a Quiel vc n conhece. Ela é linda não é…
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Claro que não conheço. Obviamente não conheço. A Quiel era Raquel Aparecida Bessa. E eu era um imbecil em dobro por imaginar que uma garota jovem bonita despreocupada como a Josie não teria sua vida social seus passeios suas farras suas… seus… – e ainda continuar na conversa. Chegando a pensar em como ela conseguia dinheiro para essas noitadas, já que estava sem trabalho, embora seu fundo de garantia e seu seguro-desemprego, que a sustentariam, segundo suas contas (ou segundo suas crenças), por mais uns tantos e outros tantos meses, no entanto, revendo por alto esses cálculos, pelo que entendo… Que idiota iludido e imoral! Vergonhosamente adúltero. Pateticamente conquistado. Preciso dar um fim a isso tudo. Não faz sentido. Ou faz, em parte. Você não é nada dela: namorado irmão pai… – e que machismo recorrente, além de tudo. Ou é, em parte. Você não tem nenhum direito de querer saber o que ela faz da vida. Claro que não. Cultivando um surto de ciúmes incipientes antecipados, sem razão de ser. Ou com alguma razão, em parte. Controle-se. Ela vê isso tudo com naturalidade. Não só não está lhe escondendo nada como, ao contrário, torna públicas suas saídas com essa tal amiga que… “é linda não é…”
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RE: Assunto: Fotos etc.
Enviado em: 04/03/2005 | 13:09
De: <pprof@altmail.com>
Para: <josieln24@altmail.com>
É sim. Mas isso não é da minha conta.
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Horrível. Horrível. Essa última frase saiu quase à velocidade do som. Falando sozinho enquanto teclava. Eu me traí com essa ideia de que não poderia ir longe demais com isso. Estava me esquecendo de que era casado comprometido adulto – porque ela não me parecia, de repente não me parecia mais uma adulta. Eu estava me esquecendo de tudo em volta. E me vendo como um pateta miserável. Fascinado por uma garota que envia, coletivamente, essas tais mensagens com frases volitivas, tenha uma tarde abençoada tenha uma noite de paz, e outras intermináveis tolices. Que o havia levado ao seu prédio ao seu apartamento ao seu quarto, entregando-se cada vez mais aos pequenos gostos dele. Calcinha por último. É assim que ele gosta. Não, não tira ela ainda. Deixa eu ver. Eu adoro ver.
Vivendo essa situação evitável e inevitável, eu não sabia o que iria acontecer, é claro, o que significa que eu não sabia (ou evitava ou temia) o que eu pudesse fazer acontecer. Não lembro se já expliquei isso. Não sei. Acho que não. Acho que assim nem é explicar alguma coisa. Todas as coisas que se dizem podem não ser mais esclarecedoras do que todas as coisas que não se dizem. Enfim, não importa. Não sabia, eu disse, querendo dizer não previa não antecipava não visualizava. Bifurcações desdobramentos possibilidades e alternativas, poucas que se fizessem considerar. Ou… ou… ou um caso passageiro, em breve diluído na ocupação diária de cada um, minha e dela, da Josie, que provavelmente sairia dessa muito mais rápido que eu, muito menos desgastada jovem de próximos novos sorrisos, apoiada por sua amiga Quiel, lindas livres vidas pela frente sem muitas palavras sem grandes preocupações sem amarras intelectuais como essas que formam um lastro de massa cinzenta já instalado em caras como eu ou… ou… ou um pequeno escândalo determinando meu exílio, tanto da convivência da Marjorie quanto da (minha) casa do meu sogro. Coco Chanel: e ainda tem você.
Projeto esvanecendo-se
29. Terça à tarde – sequência
27. Quando nós ainda… – anterior
Imagem: Edgar Degas. Mulher com uma toalha. 1898.
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