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Como desviá-los de si mesmos?
(Por extensão, perguntava-me o mesmo quanto aos jogadores.
Por trás dos vidros da grande loja, o arranjo das incontáveis telas de TV, muitos aparelhos ligados ao mesmo tempo, multiplicando imagens de uma partida de vôlei que, evidentemente, não me interessava. Uma coisa dessas nunca me interessou, é claro, nem mesmo em dias de melhor humor. Mas o que me prendeu os olhos por um instante, num lapso de atenção, foi a seriedade com que o juiz da partida aparecia em tomadas mais próximas: o rosto impassível, apito na boca, os gestos seguros, a expressão de autômato com que se virava para um lado e outro, apontando o saque. Engraçado, admito. Mas antes de começar a rir, ruminei uma certa pena dele. Como pode um ser humano de verdade submeter-se a semelhante tarefa? (Por extensão, perguntava-me o mesmo quanto aos jogadores.) Não sente o horror de um momento assim, regrado e árido, não arderá em desejos de cair fora dali, correndo como um louco em busca de algo que lhe dê vida, que o faça transbordar de entusiasmo, de paixão? Não. Ali estava ele, cumprindo seu dever, o pobre homem. O que falta numa dessas partidas é alguém como Camila, que os faça a todos despertar para novas dimensões do possível, depois de rompido o círculo. Isso resolveria tudo, não é, Camila? Talvez. Não sei. Não sei mais. Continuei andando, sem ter para onde ir, reconhecendo, nesse dia, que eu não passava de alguém apagado como aquele juiz do vôlei ou um daqueles tristes jogadores suados. Não havia nada que me inspirasse fascínio ou paixão.
Para agravar ainda mais esse meu estado sem graça, passei por acaso em frente a uma porta com uma escadaria que dava para uma academia de judô, no andar de cima. Judô ou o que o valha, como vou saber? Artes marciais, melhor – assim fica entendido ou subentendido ou nem uma coisa nem outra, mas, no fim, todos compreendem. Eu ouvia uns gritos agudos, secos como uma pancada, e podia imaginar uma porção de caras como eu, em uniformes orientais, todos repetindo os mesmos passos e gestos planejados, os mesmos movimentos, e por quê? Para quê? Certo, ninguém sabe. Um enigma. Um mistério.
“Iá!”, faziam os tolos, lá em cima. “Há! Iá!”
Ai, pequena Camila! Nesse caso, as coisas são bem mais difíceis. Não há bola. Só homens. Como desviá-los de si mesmos?
“Iá!”, eu ouvia com desgosto. “Há, há, há!”
Dizem que tudo são pretextos para que as pessoas se aproximem, com isso aumentando seus círculos de amizades. Círculos, eu disse. Muito bem. Embora este mundo seja fértil em pretextos, duvido que seja só por isso. Não só. Os que participam de algo assim de fato acreditam no que fazem, acreditam ter uma função, um papel significativo em relação ao grupo e até em relação a outros grupos. Sim, é uma pena. Mas, no fim das contas, nada disso me interessa.
Quarta-feira (A conspiração dos felizes)
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Guia de leitura
Imagem: Carl Spitzweg. O hipocondríaco (detalhe). 1865.
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