Office in a Small City por Edward Hopper

Em meio a tudo tão certo

Talvez nada seja mais perigoso, mais forte que a indiferença.
Sob a luz estranha de um prisma assim, até a noção de perigo perde seu significado.

Karl Zerbe. Estação de força.Saí para almoçar, desejando qualquer coisa que não se parecesse com meu dia. Mas esse dia estava em toda parte, meu dia era eu mesmo, não o dia. O inverno em seu início, um vento forçando-me a abotoar a jaqueta, eu apertando os olhos, como se houvesse sol. Não havia. E como me sentisse de alguma forma outro, cheguei a imaginar que as ruas não eram as mesmas, essas de sempre. As de sempre, mas eu, o que estava acontecendo? Não era a primeira vez que isso me ocorria, sentir-me alheio em meio a tudo tão certo. Já me acontecera despertar entre os objetos de meu quarto, paredes e móveis tão conhecidos, e acreditar-me em algum lugar estranho. Lembro-me de reuniões de família, festinhas de aniversário em que, por um momento, estranhava todos ao redor, inclusive meus pais, minha própria casa, como se despertasse de repente a um sonho absurdo de não ser nada e ninguém. Ou talvez compreendendo, por um lapso de revelação, que justamente aquilo tão certo e real era que não passava de outro opressivo pesadelo. Uma sensação inexplicável, mas intensa. Diante dela, fica mais difícil atravessar o dia.

Em minha cabeça, giravam obscuros pensamentos desordenados e fora de propósito, como quando, pela manhã, vira o vizinho com a melancia. Por exemplo, o de que a morte talvez seja a única coisa que impressiona as pessoas. Mas não muito. Pois, nesse caso, não haveria guerras nem… Um ligeiro calafrio perpassou-me a espinha, fazendo-me lembrar a febre que…

Saber que todos, como eu, têm um mesmo destino final, após todos esses dias atribulados, consola-me? Não. E não basta. No fundo, nada é individual, por isso me importa. No entanto, esta indiferença que hoje…

Quando alguém está deprimido e depara com um desses momentos de extrema desesperança, conclui que não é bom ver as coisas assim e se repete: devo voltar ao trabalho, à minha família, e tentar esquecer, pois é preciso continuar vivendo.

Muito bem. O que ele não considera – e aí está o limite do pesadelo – é que talvez não seja preciso continuar vivendo. O ato de reintegrar-se à realidade e redescobrir o apego à vida tem um efeito apenas imediato, digamos assim, e passa a ser indiferente depois que tudo também passar. Depois que tudo passar… Talvez nada seja mais perigoso, mais forte que a indiferença. Sob a luz estranha de um prisma assim, até a noção de perigo perde seu significado.

Qualquer desfecho possível vai aos poucos se esfacelando no tempo, torna-se também indiferente. Muito bem.

Muitos cidadãos julgam-se especiais, em função de seu trabalho, seus familiares, amigos…

Naturalmente, essas pessoas se esquecem de que o universo…

Mas esse equilíbrio final…

… também me parece indiferente…

… e a soma de todas as coisas…

Antes de eu nascer, decorreram-se séculos de civilização, sem que eu fosse necessário, sem que eu próprio sentisse falta de nada disso, naturalmente porque não havia nascido ainda…

Continuei perdido entre muitas tolices, quero dizer, pensamentos.

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Imagem: Karl Zerbe. Estação de força.

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