Office in a Small City por Edward Hopper

Sonho 3415. A barricada das assassinas

Com essa visão terrível, o copo cai de minha mão.
Sem ruído algum, nem mesmo um mínimo tilintar distante de cacos de vidro.

Georges Seurat. Mulher de preto. 1882.No telejornal, a notícia de que as três assassinas estão em fuga. O apresentador agora pergunta a um especialista, sentado próximo a ele, no estúdio, se a surpreendente barricada que elas montaram em certa parte do caminho teria dificultado a operação da polícia ou se aquilo não passava de um disfarce.

Deixo a sala, desinteressado. Sigo em direção ao meu quarto, levando um copo d’água, como costumo fazer quando vou ler por mais tempo, no fim da noite.

Ao chegar à entrada do quarto, um arrepio de surpresa e medo: bloqueando a porta do banheiro anexo, erguem-se alguns dos móveis da casa, a cômoda de madeira escura, cadeiras sobre ela, pequenas caixas e objetos que eu nem conhecia, além do próprio criado-mudo sobre o qual pretendia deixar o copo d’água que venho carregando. Com essa visão terrível, o copo cai de minha mão, estilhaçando-se por todo o piso à minha frente – porém sem ruído algum, nem mesmo um mínimo tilintar distante de cacos de vidro. Entendo, confusamente, que a ausência de sons me protege e me favorece, evitando alertar, com minha chegada, o ente invisível que teria construído essa barricada de móveis e objetos. Vou me aproximando com cautela, olhos atentos de ansiedade, coração acelerado. Olho por cima da barricada, e ali estão, de pé sobre o parapeito de uma grande janela aberta (não mais o estreito e conhecido vitrô vertical do banheiro), prontas a saltar para o espaço externo, para a liberdade, as assassinas em fuga. Mas são apenas duas. Elas são jovens e cinzentas. São imagens em preto e branco, feito uma foto antiga de jornal. Por um instante, elas se voltam e me veem, enquanto começo a gritar, sufocado, tentando denunciá-las. Elas ficam ali, inertes, me olhando, sem reação: duas das três assassinas cinzentas.

Sonho 3418. Realidade frágil

Estou na casa onde moraram meus avós, escondido atrás de um móvel de madeira escura. Eles seguem sua rotina, sem saber que estou ali, e minha avó diz que vai preparar um pudim de leite, algo que eu tanto aprecio. De maneira inexplicável, entendo que, se eu sair de meu esconderijo e me mostrar a eles, a casa ficará magicamente vazia. Mesmo assim, é isso o que faço. Deixo meu esconderijo atrás do móvel, e isso de fato acontece: a casa se faz completamente vazia. Olho por toda parte, terminando pela escadaria que dá para a rua. Eles desapareceram. Tudo o que havia ali desapareceu.

Sonho 3422. Minha irmã, cúmplice

Minha irmã e eu, deitados na cama, lado a lado. Uma sensação agradável de carinho e proteção. Como se nada de mal pudesse acontecer a nenhum de nós, e essa parece ser a melhor sensação do mundo. Ficamos assim, relembrando cantigas da primeira infância, às quais faltam trechos em nossa memória. Depois, canções de amor e solidão, que uma vez nos fizeram tristes e também felizes, em nossa adolescência. Identifico agulhas sobre a cama e digo:

“Nossa mãe esteve aqui. Ela passou por aqui.”

Mostro-lhe alfinetes e agulhas que vou recolhendo facilmente da superfície do colchão, sobre o lençol que o reveste. Bem ali, entre nossos corpos.

“São nossas roupas”, explica minha irmã. “As roupas que a gente usava. Não lembra?”

Olho atentamente um alfinete que seguro entre os dedos. “Não, não lembro.”

Agora, estamos caminhando lado a lado por uma rua desolada, que não conhecemos. É uma noite escura, e os postes de iluminação surgem distantes uns dos outros.

“Preciso de férias”, eu lhe digo, sem saber por que digo isso. “Preciso que os dias passem. Estou muito cansado. Mas não sei por quê. Preciso que os dias passem, que tudo passe.”

“Eu também”, ela diz. “Estou com câncer.”

Leia mais registros de impressões oníricas: Sonho 3402. Voos noturnos

Imagem: Georges Seurat. Mulher de preto. 1882.

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