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Eu ali, de uma maneira infernal
O mais, basta que se aguarde com paciência, e um último silêncio nos caberá a todos.
“E vocês? Há centenas de anos, tipos como vocês se repetem sobre a Terra. E agora, o que são? Vocês, que não aceitam nunca ser vencidos, que se afligem com a simples ideia de um revés financeiro, como irão suportar seus próprios funerais? Sim, vocês mesmos. Estou falando com vocês! Ah, belo, perfeito casal! Posso vê-los prostrados pela última vez, no esquecimento de sepulcros anônimos, vocês mesmos, até o apodrecimento definitivo de tudo o que foram um dia. Não sou eu quem lhes diz isso, entendam. É a vida. A vida em si mesma, assim como é. A própria vida. Sim, vocês. Vocês!”
Eu sufocava ao imaginar-me gritando-lhes tudo isso. Meu ódio dava novos sinais, assim como a diarreia que eu preferia esquecer. Não suportava mais estar ali, especialmente depois que outros como eles foram surgindo ao redor. Sentia-me realmente incomodado por esse estranho conluio de vozes sussurrantes e alianças secretas, a começar por minha própria mesa, isto é, a mesa deles. Será que sou um esquizoide? Bobagem. Todos sabem do que está em andamento, e qualquer um pode senti-lo no ar de cada cidade do mundo. A conspiração está por toda parte.
“Olham-me, bem sei, como fosse eu de raça inferior. Ora, pois saibam que eu me sinto tão quadrúpede quanto vocês, é só uma diferença na qualidade da ração, enquanto nos conservamos sobre o mundo, isso até que nos dissipemos de vez, o que não depende de minha vontade, embora o seja, de alguma maneira. Ao tempo, só podemos dar-lhe nome. O mais, basta que se aguarde com paciência, e um último silêncio nos caberá a todos.”
Estive a ponto de levantar-me outra vez, deixando o copo pela metade. Queria estar longe dali o quanto antes, e estava claro que eles também ansiavam por essa minha atitude. Isso era suficiente para que uma pessoa de bom senso deixasse a mesa, com o melhor de sua agilidade. Mas não. Subitamente, ocorreu-me uma decisão extraordinária, o atrevimento que faltava: eu não iria embora! E não os deixaria sozinhos, não lhes daria tal prazer. Ficaria, sim, para impedi-los, para que não fossem ao apartamento dela como pretendiam, para que nada daquilo funcionasse. Era isso! E que oportunidade fantástica eu via para me vingar: impedi-los! Frustrá-los! Muito bem, eu lhes dizia dentro de mim. Vocês gostariam que eu me retirasse agora mesmo, querem estar livres de mim, eu sei. Sei disso até bem demais. Já servi às suas necessidades de escárnio no passado, agora seria melhor que eu desaparecesse, não é? Mas eu estou aqui, bem aqui, de uma maneira infernal. Aqui, com tudo que sou. Com minha feiura, minha aparência desagradável, minhas roupas surradas, meu desodorante vencido e meus trejeitos inadequados, principalmente com o ódio que vocês não conhecem. Eu, que para vocês nunca foi alguém, que nunca teve sequer um nome. Mas eu tinha um sonho. Eu tinha planos. Tenho planos ainda. E agora decidi incomodar vocês, compensando em parte tudo o que me infligiram nos anos mais felizes de suas adolescências. Se possível, gostaria de incomodar a todos. (Acho que foi assim que comecei a escrever.) Mas vocês dois me bastam. Minha vida é pequena, insignificante, solitária, não me custará nada perder uma tarde em sua companhia. Nem me custaria perder a vida, se preciso – e falo sério. E vocês querem que eu vá embora, é isso? Sim, é isso. Pois eu não vou. Vou ficar. Ficar até o fim! Ficar, ouviram? E torturá-los com minha presença.
A conspiração dos felizes
41. Excentricidades e harmonias – sequência
39. O que Copérnico não imaginava: todos queriam ser o Sol – anterior
Imagem: Wassily Kandinsky. Composição 5. 1911.
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