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Persona non grata – mas eu já sabia
Lá, era tudo muito caro.
“Boa tarde.”
Ah, agora ele vem. Deve ter visto Copérnico chegando. Não parece dar-me atenção, pois percebe que sou um qualquer, de sobrenome curto. Esse é dos bons.
“Boa tarde”, eu respondi. Só eu.
Nem assim o garçom me olhou. Deixou dois cardápios sobre a mesa, um dos quais prontifiquei-me a tomar entre as mãos antes que Copérnico o fizesse, o que não foi nada difícil. Quando deparei com os preços, levei um susto.
“Meu Deus!”, exclamei. O meu, não o deles. O meu só serve para essas exclamações. “Mas…”
Dessa vez, calei-me a tempo, apesar de minha traiçoeira língua. Eu nunca ia àquele café por ser caro demais. Só não imaginava que pudesse ser tão caro. Que horror, meu Deus!
Vanessa repetiu sua dose, e Copérnico pediu um não-sei-o-quê, que tinha cheiro, cor e (provavelmente) gosto de perfume. Apesar do ambiente aberto, o garçom só falava sussurrando, como se estivesse num velório. Acho que até a brisa se fazia ouvir melhor do que ele. Mas os dois pareciam entender tudo, os danados, e eu fiquei de novo com aquela agonizante sensação de impotência, como em um pesadelo. Pensei em pedir um refrigerante ou uma meia cerveja, por causa do preço. Mas decidi corajosamente acompanhá-los, mesmo não me lembrando ao certo de quanto tinha na carteira. Pedi um drinque que eu mal conhecia e que custava o equivalente a duas refeições para mim, isto é, dois dias de almoço. A essa altura, achei que valia a pena arriscar. Um vexame a mais, um a menos…
Depois de o garçom ter voltado com as bebidas e ter saído de cena, eles passaram a ignorar-me de uma vez, trocando entre si olhares maliciosos de cumplicidade. Pensaram, talvez, que só isso bastaria para me impressionar, para me fazer sentir constrangido, deslocado, por estar incomodando a intimidade deles. Mas eu estou acostumado a ser ignorado, esquecido, até mesmo hostilizado, e aquela situação infantiloide não era nada para mim. Teriam de escrever em um cartaz, com aquelas canetas grossas, em letras enormes: “Você NÃO é bem-vindo!” – e segurá-lo com as quatro mãos bem à minha frente. Provavelmente eu daria uma linda gargalhada na cara deles, mesmo assim.
As canções murmuravam ao fundo, e só às vezes eu me dava conta de que ainda se sucediam na programação contínua da rádio. Infelizmente, eu tinha noções de inglês e podia entender quase tudo que contavam as letras piegas, os versinhos forçados e mal remendados, sem contar a futilidade da proposta temática, melhor, porque eu já ia dizer mensagem. Notei que chegava mais gente, e as mesas iam sendo ocupadas, aos poucos. É que, dessa hora em diante, o café se tornava, de fato, bem movimentado. Para minha desgraça, pareciam ser todos como eles, de sobrenomes intermináveis, membros de uma conspiração silenciosa que eu sabia real. Lá, era tudo muito caro.
Encostado a um poste da próxima quadra e já fora de seu alcance, eu os deixava de uma vez por todas e punha-me a chorar convulsivamente, fazendo explodir, num só momento, o que vivia estrangulado em minha traqueia por todos esses anos, por tudo o que me fizeram, pela maneira como sempre me trataram nas fases mais importantes de minha vida, minha pequena vida apagada, eu sei, meu passado arruinado para sempre. Embora pudesse vislumbrar tão claramente esse próximo passo, não conseguia levantar-me dali. Alguma coisa mais forte do que os meus desejos conscientes impedia-me de sair correndo, para ir chorar em algum canto do mundo. Sim, eu já sabia que era o ódio.
A conspiração dos felizes
35. Controlados pelo costume – sequência
33. Cantiga medieval de tristes vassalos – anterior
Imagem: Brent Heighton. Bistrô Elen (detalhe inferior).
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