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Que sonhos teriam valido a pena?
Portanto, parecia inevitável que que tudo acabasse assim.
Tornei a encontrá-lo no dia seguinte, tornou a falar no Delfino.
“E o Delfino, hein?”
“Pois é.”
Delfino, como pudera entregar-se assim? Sem um gesto. Sem um grito. Na verdade, eu não queria pensar mais nisso. Há pouco fora visitar um colega em estado crítico, canceroso, queria esquecer a solidão dessas mortes. De seu leito, ele me dirigia um olhar melancólico e nublado, apertava-me a mão como esperando que eu pudesse puxá-lo para a vida – ou, quem sabe, querendo levar-me junto, nada é impossível, vou acabar acreditando nisso. “Será que Jesus está me chamando?”, perguntou-me. “Acho que não”, respondi. “Será que no outro mundo vou encontrar alguma coisa parecida com mulheres?”, questionou, meio sem esperanças. “Tenho certeza que sim”, respondi. Ele se animou um pouco. Grande consolo. Ele, que passara a vida corneando as namoradas, as noivas, a primeira e a segunda esposas, no fundo apreciaria um encontro rápido com Jesus, antes de tornar ao que mais lhe interessava. Sonhava com outro mundo ou via-se renascendo no futuro, ou seja, reencarnando (outra vida, outro pênis, outras delícias eróticas), mas desconfiava, como todos, que isso eram apenas mentiras.
E como são estranhas as crenças. Lembro-me de quando eu também acreditava, adolescente mágico: havia outra metade de tudo esperando-me na eternidade. Eu nem mesmo me perguntava por que continuar vivendo, se algo inconcebivelmente extenso como a eternidade me aguardava intacta, fosse qual fosse meu destino, meus passos imprevisíveis, quase sempre gerando momentos constrangedores, e a variedade de desastres sucessivos que me acontecia cometer, em consequência da maldade dos outros e também por causa de minha própria incapacidade de viver bem.
Tive uma colega, cristã por uns tempos. Ela se envolvera muito com as atividades de sua igreja, usava quase todo o seu tempo livre para pregar, difundir suas fantasias, propagandeando e distribuindo folhetos ilustrados com imagens de famílias perfeitas e anjos resplandecentes. Arrependeu-se depois de uns três ou quatro anos nisso. Alguma coisa com sua própria consciência, ela me contou. Consciência, uma palavra importante, claro. Portanto, parecia inevitável que ela deixasse a igreja, que tudo acabasse assim. Mas os anos que ela viveu acreditando poderiam ter valido a pena, pensei – porque afinal é melhor sonhar do que não sonhar, é o que sempre dizem. Eu perguntei isso a ela. Ela me disse que não. Não valeram. Ela me disse que não. Não valeram. A menos que tivesse morrido naquela fase (ela me contando ainda), enquanto vivenciava plenamente sua crença, e não tivesse voltado ao reino da vida real, onde os pastores contam o dinheiro.
Vina entre os morcegos (A conspiração dos felizes)
3. A lanchonete Mangueira – sequência
l. Vina entre os morcegos. Abertura – anterior
Imagem: Andrea Clarkson. Laura, a sonhadora.
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Comentários
2 respostas para “Que sonhos teriam valido a pena?”
Caro Amom, muito obrigado, que bom que gostou. Me escreva sempre que quiser. Grande abraço.
Parabéns, Ótimo blog. Você escreve muito bem!
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