Office in a Small City por Edward Hopper

Um sonho fantástico, só o que podia ser

Tudo que se enfia numa bolsa ou participa da vida de alguém acaba desaparecendo mais cedo ou mais tarde.
Esse alguém inclusive.

Carl Robert Holty. Roxo, rosa, verde. 1958.Vanessa demorou tanto e muito a encontrar um bloquinho de papel do qual destacou uma folha pouco maior que uma caixa de fósforos. Tudo dela parecia ser assim, minúsculo, para evitar-se dizer ridículo, como já se acaba de dizer.

“Pronto.”

Quando tentei escrever, minha caneta engasgou e recusou-se a colaborar. Riscava traços secos, sem tinta. E eu tive de agitá-la com movimentos bruscos no ar, o que a princípio deve ter parecido estranho, além de incrementar meu nervosismo.

“Ah, merda…”, resmunguei entre dentes. “Merdinha…”

Tive medo de olhar para Vanessa e vê-la sorrindo-rindo outra vez. Por fim, a caneta deu sinais de tinta, não sem lançar às primeiras letras um borrão inicial característico. Anotei meu nome completo, endereço, telefone do escritório e até o código postal, como se fosse possível receber uma carta dela algum dia. Escrevi tudo com o maior zelo e com a caligrafia mais legível do mundo. Acho que até um cavalo entenderia. Entreguei-lhe o papel.

“É perto do Círculo Operário”, acrescentei, arrependendo-me imediatamente.

Ela então guardou o papel entre suas tralhas, na bolsa. No fundo, eu previa que aquele papelzinho irrisório iria desaparecer, mais cedo ou mais tarde, entre outros tais e quais papéis inúteis de sua vida, assim como tudo um dia acaba sumindo. É a tendência das coisas. O destino final de tudo que se anota, tudo que se constrói, tudo que se preserva através dos séculos: livros, quadros, estátuas, templos, monumentos, pirâmides… Até que os novos séculos também passem. Quase lhe falei em Copérnico outra vez, estupidamente. Talvez por ter pensado no tempo e em coisas grandes e tristes. Mas não tinha vontade de falar sobre isso, ainda que Copérnico aparecesse ali, à nossa frente, em carne e osso. De qualquer forma, tudo que se enfia numa bolsa ou participa da vida de alguém acaba desaparecendo mais cedo ou mais tarde, como já mencionado. Esse alguém inclusive.

Quando me preparava para pedir-lhe outra folha, ainda de caneta em punho, a fim de anotar também seu endereço, ele chegou.

“Demorei?”, perguntou a ela com voz nasalada.

Um rapaz atraente, de belas feições mas rosto impassível, ainda mais belo em trajes que lhe realçavam uma elegância natural. Aproximou-se e beijou-a no rosto, tocando-lhe parte dos lábios com os seus. Eu não podia crer no que estava vendo. Um sonho fantástico, só o que podia ser. Era Copérnico. Em carne e osso. Meus olhos brilharam de emoção e surpresa. Poderia mesmo dizer que estava feliz, realmente feliz, como há muito tempo não me sentia com tanta sinceridade. Eles não perceberam.

A conspiração dos felizes

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Imagem: Carl Robert Holty.  Roxo, rosa, verde. 1958.

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