Office in a Small City por Edward Hopper

Oe – Uma questão pessoal

Prêmio Nobel em 1994, esse prosador e ativista japonês tem poucos e bons livros questionando a sensibilidade e a dor humanas, mesmo em meio a todas as modernidades. No Japão, foi agraciado com a Ordem da Cultura, prêmio que recusou por não reconhecer a autoridade do imperador, como também não reconhecia nenhum outro valor que não reafirmasse a democracia. Participou de inúmeras campanhas pacifistas e antinucleares, tema que geralmente aparece em seus textos, ainda que em forma de pequenos comentários brilhantes: “Acredito que essas pessoas de coração negro, sem nenhum motivo, desejam a destruição da humanidade, assim como a maioria das pessoas, sem nenhuma razão específica, deseja a continuidade deste mundo.” Ele atribui a seu filho, Hikari, nascido com grave atrofia cerebral, uma grande influência e motivação para sua carreira como escritor. Tratou desse tema em seu romance Uma questão pessoal, um dilema assustador para um jovem pai despreparado, revendo ainda valores de sua adolescência tardia (“… conservava alguns traços de seus quinze anos. Um anfíbio vivendo em duas eras.”), chegando a deixar o filho de poucos dias em um hospital clandestino para abreviar-lhe a vida. Quando, anos depois, Hikari, ao ouvir cantos de passarinhos entre as árvores, balbuciou suas primeiras palavras, Oe declarou que não escreveria como antes: “Meu filho não precisa mais de mim”.

Fosse destituída de sofrimento, o que seria essa morte para um ser com funções apenas vegetativas? E que dizer da vida? Broto de existência que desabrocha na vastidão de bilhões de anos da planície do nada, que evolui por nove meses. O feto, é claro, não possui consciência alguma, está lá, todo encurvado, ocupando sozinho um mundo escuro, quente, viscoso e macio. Depois, arrisca a saída para o mundo externo. Frio, duro, seco, agressivamente luminoso. Imenso, impossível ocupá-lo sozinho, convive agora com uma multidão de indivíduos. […] Como um viajante no tempo, chegando a um mundo de dez mil anos antes, estava possuído de um receio enorme de provocar perturbações nesse mundo, por menores que fossem. Esse estado psicológico começara a invadi-lo desde o momento em que fora avisado das anormalidades do filho. Se pudesse, deixaria o mundo por alguns instantes, como um jogador deixa por um momento a mesa de jogo para mudar a sorte após sucessivas rodadas de azar.

Kenzaburo OeUma questão pessoal.

Leia mais sobre escritores e suas questões pessoais: Tezza – O filho eterno

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