Seu carrinho está vazio no momento!
Dostoiévski – A dócil
Mestre absoluto na arte da escrita, esse russo que quase foi executado pela monarquia czarista aos 28 anos, tendo cumprido pena de trabalhos forçados na Sibéria, influenciou praticamente todos os escritores do século seguinte com seu trabalho magistral, lembrado principalmente pelas obras-primas Crime e castigo e Os irmãos Karamázov. Mas parece que, depois de seu retorno do exílio, não há mais obra menor em sua trajetória. Pequenas novelas, com aspectos teatrais, dividindo-se entre a comicidade e a tragédia, são expressões de sua genialidade e de seu aguçado senso de observação da alma humana – que Borges chamou alma eslava, especificamente. Nesta narrativa em que o proprietário de uma loja de penhores se casa com uma jovem órfã endividada, nada se perde de suas brilhantes criações sobre o relacionamento entre as pessoas, sempre imprevisível e com muito de oculto por trás das aparências, das convenções e dissimulações. Na voz do personagem narrador, referindo-se à sua jovem esposa, transcreve-se uma amostra dessa pequena obra-prima.
De sua parte, uma vez ou duas houve arroubos, corria a me abraçar; mas, como esses arroubos eram doentios, histéricos, e eu necessitava de uma felicidade sólida, que contasse com o seu respeito, recebia-os com frieza. E eu tinha mesmo razão: depois de cada arroubo, havia uma briga no dia seguinte. […] Quando uma criatura dessas se revolta, ainda que passe dos limites, é sempre evidente que ela só está violentando a si mesma, instigando a si mesma, e que ela é a primeira a não conseguir lidar com a sua pureza e a sua vergonha. É por isso que essas criaturas excedem a tal ponto a medida que você não acredita no seu próprio senso de observação. Já uma alma habituada à perversão, ao contrário, sempre vai abrandar, vai fazer sujeira pior, mas mantendo as aparências da ordem e do decoro, cuja pretensão é levar vantagem sobre os outros.
Fiódor Dostoiévski, A dócil.
por
Publicado em
Categorias:
Tags:
Leia também:
Comentar