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Lins – Nove, novena
Um de meus escritores favoritos, sensual, discreto e criativo, de um texto especial, tanto por suas experiências com a forma quanto por sua abordagem dos mínimos e máximos gestos que compõem as atitudes humanas. Esse livro de contos de Osman Lins (nove contos, como o título sugere) constitui uma obra-prima de nossa literatura, sendo também um dos mais importantes da carreira do autor, que sempre buscou superar a si mesmo – e sempre conseguiu. Um desses contos, “Retábulo de Santa Joana Carolina”, imita em seu formato uma pintura sacra. Nele se conta a história dessa menina, Joana, que queria doar algo para a Igreja e, como estava acostumada a lidar com escorpiões, que não a atacavam, depositou alguns na caixa de donativos, causando a reação do tesoureiro: “Mas por que lacraus? E não, por exemplo, pedaços de vidro?”
Destaque para os excelentes “O pássaro transparente” e “Pentágono de Hahn”.
O trecho que segue integra “Um ponto no círculo” – o encontro clandestino entre um homem e uma mulher, num quarto pitoresco e antigo, com uma claraboia, toda a situação vista pelos dois personagens, cada um narrando, à sua maneira, partes desse momento tornado singular por esse mestre da palavra e da beleza.
Numerosos insetos, aves, peixes e quadrúpedes, há cinco mil anos, povoavam o Nilo e suas margens. A escrita que os recolheu e os transmudou, prendendo-os em exigentes limites, tão contrários a sua índole mutável, não pretendia que voassem, ou nadassem, ou cantassem, ou dessem flores na pedra e nos papiros. Apenas, despojando-os do que era necessário, reduziu-os a luminosas sínteses. Este era o seu objetivo. Se conheciam, os egípcios, o júbilo de escrever, é que haviam encontrado – raro evento – o equilíbrio entre a vida e o rigor, entre a desordem e a geometria. […] Houve um momento em que estava de pé à minha frente – e tão próxima que, se estendêssemos os braços, nos alcançaríamos. Sem o saber, sem o querer, viera ao meu encontro e aqui estava, submissa à própria determinação como a um destino. Sentado, a cabeça baixa, as duas mãos crispadas no lençol, vi que se desfizera das sandálias. Uma aranha invisível, urdidora, diligente, unia-nos. Não falaríamos, disso estava certo. Éramos, ambos, servos de leis que ignorávamos e tínhamos as línguas cortadas, para que tudo se cumprisse com justeza e em silêncio. Uma dança.
Osman Lins, Nove, novena
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