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Outra Plath: algo das raras imagens de Sylvia
Com os cabelos que usava por esses dias, assemelhava-se cada vez mais às raras imagens de Sylvia Plath.
Sem a ajuda do patife que ela conhecia, acabei fatalmente diante do triunvirato inquisitório que seria a última etapa de meu destino até então, como escravo da Leôncio & Barradas Advocacia Ltda.
“Sente-se, por favor”, disse o doutor Aguiar. “Conhece o doutor Barradas?”
“Encantado.”
“Não fale assim! Ele já conhece sua fama, cretino!”
Melhor não desenvolver. Basta insinuar. Mas… ainda não está bom.
A literatura é a arte que mais se parece com o pensamento. O pensamento, não as sensações, é o que mais se aproxima da eternidade. E a eternidade…
“Mônica, não quero mais falar nisso! Desculpe, eu não queria gritar. Olha, vem cá… Você está nervosa comigo, eu sei.”
“Estou sim. Um pouco. Não muito.”
“Vem cá. Me desculpe. Você tem razão de ficar chateada. Eu entendo. Vem cá, vem…”
“Tudo bem. Estou um pouco, sim. Não muito. Por que tenho que sentar no seu colo?”
“Olha, eu sei que devo ser um fardo pra você. No fundo, sou um canalha como os outros e… Quando vejo seu rostinho lívido, seus olhos lânguidos, seus lábios hirtos de ansiedade, penso que você não merece uma vida de… de… Deus me abençoe! Estou voltando ao Romantismo.”
“Você está deprimido. Desiludido. Olha você pra mim agora. Que olhos tristes, sem esperanças…”
“Não sou assim o tempo todo. Essa gente me incomoda.”
“O mundo não é feito só de gente assim.”
.
“Eu sei. Do outro lado, estão os idiotas.”
“Ah! Que bobo. Há pessoas boas que não são idiotas.”
.
“Quem sabe? No fundo, são todos uns canalhas.”
“O que são esses espaços entre as falas?”
.
“Ah, isso? O silêncio.”
“O silêncio?”
“Outra pobre tentativa de… Algo como… Bem, antes que se deflagre outro diálogo de castelo de cartas.”
Mônica suspirou, entediada. Eu compreendo, não deve ser fácil para ela.
“Não tem fé em nada. Nem em si mesmo. Incapaz de fazer uma oração sequer.”
“Orações não podem mudar as coisas. Aviões caem e explodem com um monte de gente rezando lá dentro.”
“Você não reza nunca?”
“Nunca.”
“Não tem nada a pedir?”
“Nem a agradecer.”
“Você tem um grande defeito: é muito arrogante. E também um cínico.”
“São dois defeitos, então.”
“Ah, sempre as palavras. Sempre essas respostinhas pretendendo ser brilhantes. Você não precisa ficar se mostrando pra mim. Aliás, correndo o risco de se mostrar, digamos… juvenil demais.”
“Ou ridículo, você teve o cuidado de não dizer.”
“Um pouco de consciência sempre cai bem, é o que eu digo. De qualquer forma, você deve admitir que é muito difícil viver sem nenhuma crença.”
“Admito.”
“Mesmo assim, teima em não mudar. Insiste nessa resistência solitária, enquanto tantas pessoas no mundo vivem tranquilas, apesar de todas as dificuldades da vida; de bem com os que conhecem, dentro de seus meios e de suas condições, de suas…”
“Não posso cultivar fantasias só porque as coisas não são como eu quero.”
“Mas deve aceitar uma alternativa. É tão absurdo que Deus tenha se criado a si mesmo quanto não haver nada por trás das coisas.”
“Sem dúvida. Um absurdo.”
“Mas isso também já é antigo. Os escritores de outra geração já esgotaram esse assunto, aliás, outro absurdo: escreviam, escreviam, buscavam publicar seus livros e lutavam por suas sonhadas glórias, mesmo sabendo que não havia nada por trás das coisas. Pode haver algo mais patético e contraditório?”
Olhei para ela, muito interessado. Era incrível que lembrasse e dissesse coisas assim. Com os cabelos que usava por esses dias, assemelhava-se cada vez mais às raras imagens de Sylvia Plath.
“Mônica, se você quer saber…”, disse eu, quase sorrindo. “Acho que você está fugindo de meu controle.”
73. Não posso deixar que ela leia isso – sequência
71. Outro Hugo: sensível e teimoso – anterior
Guia de leitura | Sobre o livro
Imagem: John Waterhouse. Colha os botões de rosa enquanto é maio (detalhe superior). 1909.
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