Office in a Small City por Edward Hopper

Em nome de tudo

Vincent van Gogh. Camponês queimando sementes. 1883

No princípio era o verbo – era nada.
Era nada: outras eras
desfizeram mais dessas doces mentiras.
……………..Eu sei, você sabe: palavras
……………..sempre serviram a nos enganar
……………..– claro, em nome de tudo.
Que lindos são nossos livros.
Que lindos, nossos ideais.
Quem adivinha as lacunas mata a charada em nome de tudo.
Em nome do rei. Em nome da lei.
E vamos brincar de forca.
Eric, Iara, Cândido, Marta. Pedro e Paulo, João e Maria…
Que nomes nos damos!
Que palavras nos condenam? Por que nos danamos?
Quanto dura seu nome? – por que duraria?
Colônia de corpúsculos, microscópicos cósmicos micróbios
renomeando-se ininterruptamente,
assustadoramente,

reconhecendo-se entre a centelha viva e a vertigem.

Ou entre um galope e um golpe.
O ótimo agouro e o óbito.

Um espelho, uma esperança: e um espectro.
Um canto, um cânone, um credo. Uma queda.
Quanto dura seu nome? – e quando ele some?
Vocábulo, signo, termo… – que nos importa, afinal?
Por que mais palavras aprisionando as palavras?
Uma vez foram grunhidos, alguém se lembra? – e se moldaram.
Podemos pensar sem elas? Quem disse?
Palimpsestos as guardam, que a voz não chega
– ora, porque morremos.
Quem?
Só você não sabia?

Morremos cada um sua centelha, seu espectro, sua queda.

Era uma vez uma era.
E que voz linda eu tinha!
Temos nomes para as coisas todas.
É?
produz lâminas de fungos entre a relva e a erva úmida
E como se chama esta manhã, no claro de meu dia?
E aquela noite neutra, quando meu dia inteiro se for?
Traga-me o nome dessa insuficiência entre os abismos

– e serei seu súdito, seu servo por um sonho.
……………….Se não, desista de me enganar: jamais
……………….me renderei às suas tolas verdades
……………….de ricas aparências
……………….e fartas de espinhos.
(Não me esqueço, não me esqueço nunca do grito daquela criança perdida:
seu clamor por socorro era uma palavra apenas.
Mas não devo dizê-la, é por demais chocante.
Você poderia perder-se ou destruir-se com ela.

E era – juro! – só uma palavra.)
 
Grandes palavras nos fazem infelizes.
Mas soam solenes.
Que lindos são nossos votos:
juras pelo amor e pela pátria, pela nossa espécie, pelo futuro.
Em nome de tudo, enfim.
Por nós mesmos, enfim, que somos superiores.
Somos superiores, que lindos são nossos discursos.

E nos matam.
Quem quiser, que acredite e continue.
Siga o sagrado. Cometa outro crime.
Palavra de honra – em nome de tudo.
Palavra de fé – ante o combate.
Palavra de Deus? – não, já lhe disse:
não tente me enganar de novo.
Você sabe, eu sei: toda palavra é nossa.
 

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 Imagem: Vincent van Gogh. Camponês queimando sementes. 1883.

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Comentários

2 respostas para “Em nome de tudo”

  1. Avatar de Sérgio

    Ninguém possui um princípio, deixa-me confortável. Pois, eu tenho consciência de meu começo.

  2. Avatar de Paula Santos

    Perfeito! Por mais que procure não encontro palavras que possam expressar tudo que esses textos me proporcionam. Um leque, que se abre em emoções e instigam o pensamento!

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