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Lisette Maris. A sala (quase) secreta das almofadas (11/15)
Tornará a passar por aqui em breve. Estará de óculos.
Quando vi Damares pela primeira vez, ela não tinha nome. E hoje me atrevo, quem diria!, a confessar-lhe, na sala das almofadas, meu sonho ridículo com o capitão Newman, especialmente detalhando a sequência em que ela entra, sob a luz de meu fascínio. Damares parece interessada em pormenores. Pede, ao fim do que lhe descrevo, que torne a recordar seus seios.
“Foi só um sonho. Não me lembro de tudo.”
“Mas você os viu, sob o tecido. Eram bonitos?”
Por que tento evitar seus olhos? É estranho que eu ainda me sinta constrangido, após a noite de primavera em que Lisette Maris, deixando seu endereço, abriu caminho aos ventos de uma grande libertação.
“Eram bonitos?”
Menos nervoso. Ainda hesitante.
“Claro que eram”, respondo, de encontro a seus olhos. “Claro que sim.”
Damares segura os seios com as mãos, fingindo-se distraída. Quer saber como era o capitão Newman, se era mesmo jovem e garboso, rosto barbeado e queixo intrépido, como descrito pelo autor genial da aventura O otário da ilha Ota, algo que não me animo absolutamente a lhe responder.
“Garboso, uma palavra notável. Pena que seja tão pouco usada, não é? Vem de algum almanaque?”
“Para de me ironizar, mas que bosta!”, ela ri, um tapa em meu ombro. “Você está com ciúmes do capitão Newman.”
“Eu? De um personagem de livros?”
“E por que não? Ele é jovem, deve ter uns dezoito anos e o oitavo rosto mais bem barbeado do mundo, não é assim?”
“Não me amola, foi só um sonho.”
Ela me puxa de volta para junto de si, beija-me a orelha e o pescoço, sorrindo e ainda saboreando minha falta de jeito. Beija-me, finalmente. Nossas línguas se demoram até o prolongado momento em que sinto meu lábio inferior soltando-se de seus dentes carinhosos. A boca que me olha. O rosto que se afasta.
“Gostaria de embarcar em Lisette Maris com você. Vestida como no seu sonho. Sem o capitão Newman.”
“Quero você em todos os meus sonhos”, respondo a ela, sem medo de ser citado nos almanaques. “Vestida como quiser.”
As mãos de Damares perdem-se sob o casaco de lã, movem-se com a habilidade que me revela parte da camisa de linho antes que me abra, sob a peça justa que os adorna e sustenta, o mapa desvendado de seus seios.
“Acha que se parecem com o seu sonho?”
Leva-me primeiro a tocá-los suavemente. A experimentar-lhes a tenra consistência de fruta recém-formada. A percorrê-los na medida de meu desejo, a dádiva imprevista. Damares sorri e me observa, fecha os olhos para não me intimidar, afaga-me os cabelos, sei que se resguarda por natureza e tempo específico que pedem esses jogos, sei também que suas necessidades, como as minhas, embora pareçam simples, são certamente muito mais complexas, tenta despir minha jaqueta, alcança-me o ombro e o morde com certa ansiedade, de outra forma lembrando seu pai e perto de rasgar-me a pele com uma dentada certeira, enquanto meu coração dispara como se, com seu fogo, pudesse desmantelar o inverno, a um passo do verdadeiro tesouro, talvez, sob a vegetação que o esconde, na morna redoma das almofadas, os seios de Damares, o dia claro no flanco norte, a oitava maravilha mais secreta do mundo.
Ela ouve também, fecha o casaco, recompõe-se. Seu pai parece próximo. Rosna e resmunga na direção da escada. Logo passará pela porta meio aberta, fingindo ignorar minha presença mal tolerada, fingindo que não nos vigia e não se interessa pelos sinais de primavera que me inspiram sua filha. Tornará a passar por aqui em breve. Estará de óculos.
Damares fala-me ao ouvido o que mal compreendo, mas principalmente sugere que eu volte a vê-la o mais breve possível, que ali mesmo, na sala secreta (volte a vê-la) de porta insuficiente, mesmo sob os trajes de inverno (o mais breve), já se insinua sua nudez (possível). Sim, e saberá mostrar-me o que fazer com ela.
Lisette Maris em seu endereço de inverno – Guia de leitura
Lisette Maris 12. Sinais sutis e sinais gritantes – próximo
Lisette Maris 10. A viagem improvável do capitão Newman – anterior
Jonas Lie. Velhos barcos rumam outra vez para casa. 1920.
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