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O diário de um morto. 6
Vivo e sei que vivo, o que não significa nada. Quero esquecer que tanto me lembro.
Página 113. Cidades em ruínas, poetas mortos, tentativa obstinada.
Sinto como se todas as cidades estivessem em ruínas e a crosta terrestre fosse a casca de uma fruta podre. Nem importa o que eu sinta. O universo envelhece os dias.
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Grande parte dos autores que têm seus nomes nas capas dos livros encontram-se hoje justamente mortos. Poetas e escritores, um dia mitificados, não devem ter sido muito diferentes de nós, qualquer um de seus leitores. O fato de haverem criado personagens, cenas e construções estilísticas, não passa de um capricho como tantos outros, pois tudo o que fizeram foi concretizar uma espécie de desabafo, uma necessidade de denúncia ou justificativa às próprias vaidades. Alguns tiveram seus bustos nas praças, retratos nas escolas, são também nomes de ruas e avenidas, os moradores dão seus nomes como endereços, o que nada mais significa. Os livros terminam no fundo dos depósitos. Os nomes, no fundo das bibliotecas. Quanto a mim, leio a poeira, a ferrugem. Leio o desgaste e os fungos. Leio que não era preciso.
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Enquanto ando, fecho uma das mãos, sentindo-a firme e obediente à minha força, tendo a convicção de estar vivo a senti-la, constatando sua realidade, no extremo de meu braço. Vivo e sei que vivo, o que não significa nada. Quero esquecer que tanto me lembro. E sinto, paradoxalmente, que não é possível esquecer tudo. Quando me dispus a tecer este trecho do diário, dizia a mim mesmo: começou. Começou o trabalho de resgate que dará sustentação ao que me escrevo. Linha por linha, página por página, enquanto julgar necessário. Preciso encontrar um caminho, ainda que eu me perca muitas vezes. Ainda que minha vocação secreta seja o autodesprezo ou a morte, eu tenho que tentar. Eu preciso tentar!
Os últimos dias de agosto – Guia de leitura
79. A Noite das Vitaminas – sequência
77. O diário de um morto 5. Página 81. Inseto e luminária, longa caminhada, pântanos com dinossauros – anterior
Imagem: Philip Guston. Sem título (detalhe). 1954.
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