Office in a Small City por Edward Hopper

Sem ação, sem reação

 
Mas não era difícil ver que eu andava abatido e indiferente.
Nem o tombo do Expedito me havia entusiasmado muito.

A única coisa diferente que me lembra haver marcado um desses dias foi quando o Heitor Expedito despencou da escadaria, logo após haver dito ao doutor Aguiar que num instante lhe traria uma tal pasta que se encontrava nos arquivos do andar superior ou algo assim. Por conta de razões éticas ou simplesmente por medo de alguma represália futura, muitos ali reprimiram o riso de maneira agonizante. Fora isso, nada mais aconteceu.

Mas não era difícil ver que eu andava abatido e indiferente. Nem o tombo do Expedito me havia entusiasmado muito, registre-se. Cândido aproximou-se de minha mesa, com suas brincadeiras afeminadas, agora eu meneava a cabeça lentamente, de um lado para outro, sem achar nada daquilo engraçado.

“Reagir, menino, re-a-gir!”, puxando-me a ponta do nariz, ele que nunca reagia, esse bom carneiro. “Você vive se reprimindo, se anulando, ih! Seja você mesmo, diga o que pensa!”

Nem tirei o queixo da mão.

“Dizer o que penso? Rapaz, esta sim seria a maior. Você quer mesmo a minha ruína, não é? Fala. A minha ruína.”

“Ahp! Você vive insatisfeito, sem iniciativa. Só se deixando arrastar pela conversa dos outros. Vive isolado, fechado em suas coisas…”

“Minhas coisas?”

“Não acha que é hora de mudar, não? Hein? Pensar um pouco no seu próximo, fazer alguma coisa útil, integrar-se um pouco mais à sociedade…”

“Vão em frente vocês, que resplandecem em humanidade. Um dia vão acabar membros da Seiva da Mandrágora.”

“Não mude de assunto, que coisa! Não acha que já é hora de tomar uma atitude, hein?”

“Que atitude?”, eu a própria má vontade.

“Assumir seus ideais, suas opiniões. Dizer o que pensa!”, aconselhou Cândido, sem suspeitar sequer de uma estreita fatia do que eu de fato pensava.

“E então? Promete.”

Por pouco não lhe sugeri que fosse logo tomar no seu cu de uma vez, mas nem para isso eu tinha forças. Movi a cabeça tristemente.

“Você quer a minha desgraça.”

A seta de Verena – Guia de leitura

54. Acesso irresistível – sequência

52. A edificante manutenção do tédio – anterior

Sobre o livro

Imagem: Ian Davenport. Sem título. 1966.

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