Office in a Small City por Edward Hopper

Por sorte, algo sobre o sábado

Contava os dias da semana tentando fixar na memória as feições de seu rosto que, por escapar-lhe à nitidez no princípio, quase o fizera acreditar que não estivesse apaixonado.

Vanda chegara no outono especialmente para contagiá-lo com a nebulosa impressão de que alguma coisa, afinal, começava a dar certo. No outono? E daí? Isso eram apenas sinais de romantismo piegas por parte dele, movido por sentimentos novos e traiçoeiros. Contava os dias da semana, tentando fixar na memória as feições de seu rosto que, por escapar-lhe à nitidez no princípio, quase o fizera acreditar que não estivesse apaixonado. Talvez fosse o tempo de aceitar alguma mudança, apostar em qualquer outro desvio, ofuscado por uma mulher. “É mais tarde do que você imagina”, repetia a si mesmo – palavras dela, quando daquela vez lhe perguntara as horas. Ele não poderia viver sempre da mesma maneira. Talvez não.

O supervisor não escondia sua má vontade e aborrecimento ao passar-lhe o telefone em sua mesa.

“Alô?”

“Alô. Sabe quem está falando?”

Não era a primeira vez que ela lhe telefonava durante o expediente. Além disso, era a única mulher que o procurava.

“Deve ser… Diana, a caçadora.”

“Não, bobão. Sou eu.”

“Ah, sim…”

“E quem é essa Joana?”

“Não é Joana, é Diana. E não é alguém que eu conheça, é uma…”

“Sei, sei. Mas olha, você nem vai acreditar!”

Contou que havia encontrado um tal disco que vinha procurando por aqueles dias, como se aquilo fosse uma importante descoberta de Arquimedes. Seu discurso acentuava-se de entusiasmo, ao contrário do que transmitia a Júlio a cara fechada de seu chefe, homem incapaz de disfarçar a impaciência ao procurar-lhe os olhos de seu ângulo, periodicamente. Arquimedes iria gostar de ver. Ela estava eufórica. Felizmente não costumava sair correndo nua pelas ruas.

“Vanda, olha… Eu agora…”

Ela lhe contava mais detalhes, sem nenhum critério. Deusa da banalidade. O supervisor de Júlio ficaria contente se soubesse que ele, de fato, sentia vontade de voltar ao trabalho. Por sorte, ela ainda tinha algo a lhe dizer sobre o sábado, e aquilo a redimia de todas as retóricas digressivas.

“As meninas vão viajar. Eu vou ficar sozinha…”

DOM      SEG       TER       QUA          QUI      SEX          SÁB

As semanas? São tudo que existe. Você já experimentou ver as coisas por esse ângulo? Tudo as atravessa e as contém.

Lateral do elevador:

Senhores condominos

Pedimos a fineza, de não atirar o que quer que seja pela janela pois estamos recebendo reclamações, que estão sujando os aptos. inferiores, o páteo, e tambem o jardim. Isso suja o predio, e incomoda os moradores dos andares de baixo. Contamos com a colaboração de todos. Obrigado.

O Sindico

Todo aviso em elevadores é assim. Bem que não nasceram síndicos capazes de administrar e dominar a língua, mas notável mesmo era o próprio recado. Era preciso sempre pedir a alguns que não aborrecessem outros – o que nem sempre funcionava. Pedimos a fineza… Fineza! De não jogar lixo pela janela. Se alguém deixasse um recado para a humanidade, em um lugar onde todos pudessem ver, algo como: pedimos a fineza de não começarem mais guerras; ou: por favor, vamos ser amigos e zelar pela justiça, seria o mesmo que pedir a Deus que desse saúde a todos. Mais fácil o Sol esfriar. Até lá, valerá a pena conservar a esperança? Contamos com a colaboração de todos.

Os últimos dias de agosto – Guia de leitura

51. Queijo, vinho e… “o disco novo dele” – sequência

49. Foi bom ela não ter vindo – anterior

Imagem: Georges Braque. A mesa do músico. 1913.

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